Desde a primeira edição do UCHO.INFO, afirmamos que a atividade política no Brasil não cede espaço para a coerência. Talvez isso ocorra em outros países, afinal incoerência e política são xifópagas. Nesta quarta-feira (9), uma inequívoca demonstração de incoerência teve lugar no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, como a casa legislativa fosse uma usina de probidade.
Por treze votos a cinco, o Conselho aprovou a cassação do mandato do deputado federal Glauber Braga (PSOL – RJ). O parlamentar foi alvo de representação após expulsar das dependências da Câmara a chutes, em 16 de abril de 2024, o influenciador Gabriel Costenaro, integrante do MBL. Na ocasião, Costenaro fez insinuações sobre Maria da Saudade de Medeiros Braga, ex-prefeita de Nova Friburgo, que na época estava doente. Ela faleceu 22 dias após o ocorrido.
Glauber Braga, que anunciou greve de fome, disse que não deixará a Câmara até a conclusão do processo de cassação. Cabe recursos à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A depender do resultado do recurso, o plenário da Câmara decidirá sobre a cassação.
O deputado fluminense disse em várias sessões do Conselho de Ética que o relatório decorrente da representação foi “comprado” por Arthur Lira, ex-presidente da Câmara, chamado de “bandido” por Glauber.
À sombra de colérica guerra ideológica, representantes da direita e da esquerda – incluindo extremistas de ambos os lados – não perdem uma só oportunidade para provocações. Depois da derrota de Jair Bolsonaro nas urnas eleitorais, membros da extrema direita intensificaram as provocações à esquerda.
Em tese, a atitude de Glauber Braga não coaduna com o decoro parlamentar, mas na prática, todos sabem, a realidade é distinta. Parlamentares cometem infrações muito mais graves, mas ficam impunes por causa do corporativismo e do compadrio.
A falta de coerência é evidente no caso de Glauber Braga. Acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, o deputado federal Chiquinho Brazão (RJ), preso desde março de 2024, não perdeu o mandato. Para ampliar o escárnio, Brazão continua recebendo salário da Câmara. Algum membro do Conselho de Ética precisa vir a público para explicar se ser mandante de um duplo homicídio é menos grave do que aplicar alguns pontapés em um provocador profissional.
Porém, o espetáculo de incoerência continua de forma deslavada. Enquanto Glauber Braga corre o risco de ter o mandato cassado, dezenas de parlamentares defendem anistia aos que se envolveram na fracassada tentativa de golpe de Estado, em 8 de janeiro de 2023, a começar por Jair Bolsonaro, líder da turba golpista. Desferir alguns chutes em alguém que fez insinuações levianas envolvendo a mãe do Glauber Braga é mais grave do que tentar abolir o Estado Democrático de Direito?
O UCHO.INFO é contra qualquer ato de violência, verbal ou física, assim como não tem procuração para defender o deputado federal Glauber Braga, algo que não faria, mas é preciso doses rasas de bom-senso, mesmo em campo minado pela incoerência. O Congresso conseguiu a proeza de criar uma versão camaleônica da ética.
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