Sensibilidade, com ou sem razão

(*) Marli Gonçalves

Andei percebendo que tenho excesso de sensibilidade, aliás, de sensibilidades, tantas são as coisas que, de alguma forma, cada vez mais ou emocionam, perturbam, fazem sofrer, chorar ou sorrir. Ou fazem mal, mesmo que não seriamente. Fora também perceber que outras não mais afetam, o agora “Não tô nem aí”.

O ponto de partida para pensar no assunto é quase uma bobagem, mas é de bobagem em bobagem que a gente vai se conhecendo, percebendo inclusive as mudanças que vêm com o tempo. É preciso sempre estar bastante atento a si mesmo na caminhada. E sensibilidade pode ser um ponto.

Essa semana passei uns dias a trabalho em uma gigantesca feira de logística, Intermodal South America, que reuniu mais de quinhentos stands de tudo, mas tudo mesmo, relacionado a portos, transportes, navios, cabotagem, o que se pensar em volta do tema, até robôs. Foi no chamado Distrito Anhembi, um daqueles enormes locais de evento que se multiplicam em São Paulo, sempre centro de negócios, e onde até para chegar se enfrenta stress e multidões, e o que já começa a mexer de forma sensível com quem é mais acostumada ao silêncio e encontro de poucas pessoas.

Lá, e certamente em todos os eventos desse tipo, a quantidade de sons e luzes é indescritível; tudo é feito para causar impacto, chamar a atenção. Percorre-se quilômetros em seu interior – no final dos dias, vi bem isso no meu marcador diário de passos. Tem quem adore, ou vá apenas atrás de brindes, e pelo que vi nesse momento de crise não passaram de sacolas e canetas. Tá bem, admito, aproveitei e refiz meu estoque de sacolas para levar às compras, evitando os sacos plásticos.

Mas o resultado é sair de lá esgotada, e imagino bem como ficam os organizadores e participantes. No meu caso, essa sensibilidade se agravou pelo vício, desde criança, em ler tudo o que passa na minha frente, de quem dá Graças a Deus pela Lei Cidade Limpa instituída aqui na Capital (embora esta esteja sendo atacada seriamente de todos os lados, e especialmente por painéis de led surgindo disfarçadamente em todos os cantos, fora o descaso da Prefeitura com faixas e cartazes em postes). Imagine isto numa feira com mais de quinhentas marcas, símbolos, “ativações”, como chamam. Uma dessas, uma estridente buzina que tocava de quando em quando anunciando algum negócio fechado – mas uma daquelas buzinas de navio, sabe qual? Um foooomm profundo. Cada vez mais tenho sensibilidade a sons, o das obras que destroem e constroem a barulhenta cidade, fora as musiquinhas por aí que vou te contar, intragáveis.

Claro que sei que sensibilidade é muito mais do que isso, e além da dor, como a terrível quando ataca nossos dentes nos prazerosos momentos de um bom sorvete. É uma capacidade. Um sentimento, sensorial como o que descrevi, emocional, social, uma forma de cada um ver e sentir o seu ao redor, os fatos aos quais é suscetível. Esses dias a morte do Papa Francisco certamente mexeu com a sensibilidade de alguns milhões de pessoas. Um dos motivos é justamente lembrar o quanto de temas aos quais ele era plenamente sensível e a importância de suas ações e palavras na tentativa de transformação do planeta que cada vez vive uma realidade tão inóspita e incerta. Agora ainda mais.

Sensibilidade é capacidade de sentir, e até a reagir a estímulos. É muitas vezes a empatia. A capacidade de solidariedade ao sofrimento alheio. É emoção, o perceber muito mais do que o que se apresenta diante de nós. É até um sofrer coletivo em momentos duros, expressivos e que, mesmo distantes, sentimos, e muitos nos deixam à flor da pele, essa expressão que tudo tem de bonita.

E você? É sensível especialmente ao quê? Já pensou sobre isso? Pode até ser bobagem. Ou não.

(*) Marli Gonçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de “Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também”, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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