(*) Waldir Maranhão
O Brasil enfrenta um cenário de polarização político-ideológica sem precedentes, a ponto de assuntos relevantes perderem a importância em questão de dias. É o caso da Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, que desvendou o envolvimento do crime organizado nos setores econômico e financeiro, com direito à movimentação ilícita de algumas dezenas de bilhões de reais.
A infiltração de facções criminosas em diversos segmentos não é novidade, mas até agora contou com a conivência espúria de agentes do Estado. Volto no tempo e na história para externar minha preocupação diante do avanço do crime organizado.
Há décadas, um século ou mais, brasileiros do Nordeste e do Norte deixaram a terra natal rumo ao Sul e ao Sudeste na esperança de conquistar uma vida minimamente digna. Se o Sul e o Sudeste se desenvolveram, boa parte desse movimento deve ser creditado aos nordestinos e aos nortistas, que até hoje são alvo de xenofobia, como se o Brasil pudesse ser dividido em castas.
Quando o Estado falha em suas obrigações ou se faz omisso, brechas se abrem para que criminosos ocupem essas lacunas. Nesse quadro, os abandonados pelo poder público tornam-se reféns do crime organizado, sem que a elite da sociedade se importe com tal situação.
As facções criminosas carregam, não por acaso, o adjetivo “organizado”. Largam na frente do poder público porque aboliram a burocracia estatal.
Nas grandes metrópoles, o cerco ao crime organizado tem crescido na mesma velocidade com que se especializam em segmentos inimagináveis, mas o Estado continua perdendo a corrida.
Apesar de os barões do crime distribuírem verdadeiras fortunas a agentes da segurança pública para não serem incomodados em seus negócios, muitos aparentemente lícitos, manter a operação como um todo está se tornando difícil. Além disso, o risco e o custo são altos.
Não é de hoje que facções criminosas estão percorrendo na contramão o caminho trilhado décadas atrás pelos nordestinos e nortistas que saíram atrás do sonho dourado.
Ciente da falta de investimentos oficiais em infraestrutura e segurança pública, o crime organizado rumou para o Norte e o Nordeste, onde atua com menor pressão das autoridades, sem contar o valor reduzido dos subornos.
Esse movimento começou há aproximadamente vinte anos, tendo encontrado em ambas as regiões caminho livre para a ilicitude. Os criminosos levaram na bagagem o know-how adquirido no Sul e no Sudeste, abrindo novas frentes em setores quase abandonados pelo poder público. Em menos de duas décadas se reorganizaram de acordo com a realidade local.
O abandono da população das duas regiões do país e a segurança pública falha criaram terreno fértil para os criminosos forasteiros. A vulnerabilidade social da população facilita a cooptação de criminosos de “baixa patente”, responsáveis pelas operações miúdas do banditismo. Afinal, a necessidade não tem limites e a necessidade de sobrevivência fala mais alto
O crime organizado precisa ser combatido com firmeza e perseverança, mas é preciso olhar para as regiões do país onde o ressurgimento das facções se dá com a mesma facilidade com que se abre uma filial de uma empresa.
Quando o cerco se fecha contra facções nos grandes centros, os criminosos invertem a bússola e seguem para locais onde o crime compensa muito. O crime organizado prospera onde o Estado é ausente. Estado forte é sinônimo de proteção social.
Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Combate ao Crime Organizado e às Organizações Criminais – CAO-CRIMO, o Procurador de Justiça João Bosco Sá Valente escreveu: “A criminalidade organizada constitui verdadeiro flagelo mundial que, além de retirar enormes lucros das diferentes ações criminosas, tem consequências humanas e sociais dramáticas. As organizações criminosas perturbam não só o livre mercado e a concorrência leal, mas também as próprias regras da convivência social.”
(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.
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