
Em qualquer parte do planeta, organizações criminosas só se estabelecem e crescem com a conivência de agentes do Estado. Gostem ou não as autoridades, essa é a realidade que permeia o crime organizado, inclusive no Brasil.
Esse cenário que entrelaça o Estado e o crime organizado contraria o discurso oportunista do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL).
A denúncia apresentada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que embasou a decisão da 42ª Vara Criminal e autorizou a megaoperação deflagrada nos complexos do Alemão e da Penha, na terça-feira (28), mostra como o crime organizado se estruturou de forma hierárquica e armada para controlar várias comunidades da Zona Norte da capital fluminense e levar adiante um ousado projeto de expansão territorial.
O inquérito foi instaurado pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) com base em denúncia recebida em 2024. A operação levou 75 dias para ser organizada e tinha como objetivo cumprir dezenas de mandados de prisão contra suspeitos de integrar o Comando Vermelho (CV). A ação policial deixou mais de 120 mortos e se tornou a mais letal da história do Rio de Janeiro.
O conjunto probatório partiu de mensagens e dados em nuvem obtidos em celulares apreendidos. De acordo com os investigadores, o material revela a existência de uma “cadeia de comando rigidamente estabelecida e cumprida, com emissão de ordens, além de punições severas aos descumpridores das diretrizes”.
Ao autorizar os mandados de prisão, o juiz da 42ª Vara Criminal cita indícios de autoria e prova da materialidade dos crimes de tortura e associação para o tráfico de drogas.
Matéria relacionada
. As lacunas da desastrada megaoperação policial que paralisou o Rio de Janeiro
Organograma do crime organizado
Mensagens de celular obtidas pelos investigadores mostram que a organização criminosa funcionava sob um organograma definido, com funções distribuídas entre os integrantes.
Por meio de aplicativos de mensagem, os suspeitos emitiam ordens de execução e tortura, organizavam turnos e pagamentos de soldados armados, bocas de fumo, monitoramento de viaturas e compra de veículos roubados. Nada que tenha surpreendido quem conhece omodus operandi das facções criminosas.
Um dos objetivos da Operação Contenção era prender Edgard Alves de Andrade, o Doca, considerado pelos investigadores como o principal líder do CV em liberdade. Doca conseguiu escapar.
Tortura e execuções
As trocas de mensagens obtidas pela Polícia Civil também revelam a existência de um grupo chamado “Sombra”, responsável por organizar punições e torturas a moradores nos tribunais do tráfico – supostamente realizadas na Serra da Misericórdia, onde ocorreram os confrontos com policiais na terça-feira.
O grupo também seria responsável por contratar matadores de aluguel e treinar soldados do tráfico como parte do projeto de expansão do CV para a zona oeste do Rio de Janeiro, na Grande Jacarepaguá.
Imagens anexadas à denúncia mostram integrantes do tribunal do tráfico em ação, cometendo barbaridades das mais diversas contra aqueles que contrariaram as ordens do CV.

Policiais envolvidos
A partir da quebra do sigilo telefônico de Washington César Braga da Silva, conhecido como “síndico da Penha”, a polícia teve acesso à mensagem em que um major da Polícia Militar fluminense pede ajuda para recuperar um carro roubado. A conversa consta em troca de mensagens reproduzida no relatório da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE).
Na mensagem, o major Ulisses Estevam envia a foto de um carro para o traficante e informa que está no Morro da Fé, na Penha. “Preciso recuperar. Carro do 01. Esse eu tenho que resolver”, escreveu o oficial.
“Arrego para PMs”
Na mesma investigação, o “síndico da Penha” foi apontado como responsável por negociar com policiais militares das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) o pagamento do chamado “arrego”, para reduzir a fiscalização e a repressão ao tráfico de drogas.
De acordo com o inquérito, o “síndico da Penha”, além de pagar propina a policiais das UPPs, coordenava os soldados do tráfico nas ruas e definia as escalas dos plantões. Segundo a investigação, ele tinha um telefone celular exclusivo para se comunicar com policiais militares que recolhiam a propina.
Mensagens mostram traficantes do Comando Vermelho do Complexo do Alemão se articulando para pagar um resgate de R$ 15 mil a policiais pela soltura de um comparsa preso.
“Quer 15 mil”, escreveu Juan Breno Malta Ramos Rodrigues, o BMW, um dos principais alvos da Operação Contenção, que não foi capturado. “Manda logo, solta o moleque”, respondeu uma comparsa, apontada pela polícia como Danielle Silva dos Santos, integrante do CV.
Se você chegou até aqui é porque tem interesse em jornalismo profissional, responsável e independente. Assim é o jornalismo do UCHO.INFO, que nos últimos 20 anos teve participação importante em momentos decisivos do País. Não temos preferência política ou partidária, apenas um compromisso inviolável com a ética e a verdade dos fatos. Nossas análises políticas, que compõem as matérias jornalísticas, são balizadas e certeiras. Isso é fruto da experiência de décadas do nosso editor em jornalismo político e investigativo. Além disso, nosso time de articulistas é de primeiríssima qualidade. Para seguir adiante e continuar defendendo a democracia, os direitos do cidadão e ajudando o Brasil a mudar, o UCHO.INFO precisa da sua contribuição mensal. Desse modo conseguiremos manter a independência e melhorar cada vez mais a qualidade de um jornalismo que conquistou a confiança e o respeito de muitos. Clique e contribua agora através do PayPal. É rápido e seguro! Nós, do UCHO.INFO, agradecemos por seu apoio.




