A crise político-institucional enfrentada pelo Brasil é tão grave, que para evitar um mal maior o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, foi instado a violar a Carta Magna de maneira flagrante. Isso porque a Corte, contrariando o preceito fundamental que baliza a linha de substituição da Presidência da República, decidiu, por 6 votos a 3, manter Renan Calheiros (PMDB-AL) à frente do Senado.
A decisão, como antecipada pelo UCHO.INFO na edição de terça-feira (6), foi negociada com caciques da política nacional, os quais alegaram questões de governabilidade para atropelar a máxima lei do País, que, não é de hoje, é desrespeitada de maneira continuada e vil.
Considerando que nenhum integrante da linha de substituição da Presidência pode figurar como réu em ação penal, o afastamento de Renan Calheiros do comando do Senado não deveria depender de julgamento rocambolesco, mas, sim, de deliberação de ofício, já que a Constituição respalda tal medida.
O legado dessa decisão é perigoso, pois magistrados da mais alta instância do Judiciário brasileiro deram um recado claro, que assustou até o mais ignaro dos rábulas: no Brasil a segurança jurídica é assunto de segundo plano, quiçá de terceiro. Com isso, fica patente não apenas que o crime compensa – Renan é réu por peculato –, mas também que envolvidos em escândalos de corrupção podem continuar dando as cartas nesse tabuleiro de bordel em que se transformou o País.
A questão da segurança jurídica tem consequências que vão muito além das fronteiras da Praça dos Três Poderes, alcançando principalmente a seara dos investidores internacionais, cada vez mais desconfiados em relação ao Brasil. No momento em que o País precisa urgentemente recuperar a credibilidade, o resultado da sessão desta quarta-feira do STF foi, além de explícito deboche com a sociedade, um espetáculo de insanidade interpretativa no tocante à legislação vigente.
Ademais, ficou evidente, mais uma vez, que a Justiça não é isenta, como sugere sua folclórica cegueira, pois decide de acordo com o interesse do “cliente”. Confirmou o pleno do Supremo que, a despeito da garantia constitucional de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (CF, artigo 5º caput), no Brasil alguns são mais iguais que a extensa maioria. E quem pode mais, chora menos.
Em países minimamente sérios e com autoridades responsáveis, Renan Calheiros estaria preso desde o escândalo envolvendo sua amante, a jornalista Mônica Veloso, com quem o alagoano teve uma filha fora do casamento. Para bancar as despesas da amásia e da filha, o senador do PMDB desviou recursos públicos e recebeu dinheiro de propina da empreiteira Mendes Júnior. Sem contar que o presidente do Senado foi acusado de falsidade ideológica e uso de documento falso ao tentar justificar a origem do dinheiro ilícito com suposta venda de gado, crimes pelos quais foi absolvido.
O segundo efeito colateral da decisão do STF é, na verdade, uma pergunta que não quer calar. Terá o Supremo a ousadia necessária para pasteurizar a decisão, dando a todos os cidadãos o direito isonômico de descumprir ordens judiciais apenas porque discordam das mesmas? Renan recusou-se a cumprir a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello e usou a Mesa Diretora do Senado para referendar o desrespeito à Justiça e às leis. Se todos os cidadãos decidirem agir como Renan, o Brasil não precisará de muito tempo para transformar-se em enorme faroeste caboclo.
O resultado da votação no Supremo só alcançou tão vergonhoso resultado porque o presidente Michel Temer, constitucionalista conhecido e com mais de trinta obras sobre o tema já publicadas, despachou assessores para convencer ministros da Corte a votarem de forma a não acirrar a crise múltipla que derrete a nação. Em suma, um constitucionalista não pensou duas vezes antes de negociar a violação da Carta.
Tão inimaginável quanto preocupante, o cenário atual é fruto da pasmaceira política da sociedade, que durante décadas preferiu fechar os olhos à realidade, permitindo que bandidos profissionais usassem os respectivos cargos e mandatos como escudo. Por certo porque acreditava naquele falido mantra de que o Brasil é o “país do futuro”.
Sem dúvida a democracia brasileira é jovem, mas os atores políticos agem como velhacos de longa data. Afinal, o Congresso foi transformado em agência de despacho do Palácio do Planalto, que paga pelo serviço com a conivência criminosa quando o assunto é corrupção. Quando não, o Parlamento funciona como privado clube de negócios, cujo balcão é alimentado pela lama da roubalheira desenfreada.
Se a Justiça era, até esta quarta-feira, o derradeiro bastião dos brasileiros de bem contra os desmandos oficiais, a partir de agora a única saída é o aeroporto mais próximo. Com direito a passagem apenas de ida e “bye bye, Brasil”!