Não sou capacho de massa de manobra nem faço jornalismo de encomenda

(*) Ucho Haddad

ucho_24Com muito esforço o Brasil livrou-se de um bando de marginais com mandato que, a reboque da corrupção sistêmica, tentava emplacar nas plagas verde-louras uma cleptocracia comunista. Contudo, vencida a primeira batalha e despejados os saltimbancos, o País acabou sequestrado pelo totalitarismo opinativo dos neodireitistas, insólitas viúvas da caserna que jamais viveram a obscuridade da era plúmbea.

Não é de hoje que parte da opinião pública nacional embarcou na onda do radicalismo, apenas porque desconhece o que é democracia. Porque despertou tardiamente para as questões políticas acredita ser possível resolver tudo à base do pé de cabra. Sofrendo de anorexia intelectual, os gênios de plantão que brotaram aqui e acolá creem que o enigma está na truculência, na bizarrice comportamental, nos devaneios do pensamento. Sequer sabem que a democracia somente existe à sombra do equilíbrio de forças e da alternância no poder. Falar em parcimônia é palavrão, sugerir bom senso é crime.

Entre os muitos pilares da democracia, dois deles merecem destaque: a livre manifestação do pensamento e o direito ao contraditório. Porém, no Brasil de agora ou aceita-se o pensamento pasteurizado e truculento dessa massa de ignaros, que creem ser o obscurantismo ultradireitista a salvação do universo, ou é preciso estar preparado para o enfrentamento. Faço referência não ao debate civilizado e inteligente de ideias, do qual sou fã incondicional, mas à imposição a fórceps do pensamento, sem direito a um grama de discordância. A realidade dos fatos sequer tem espaço nesse octógono da petulância.

Se o esquerdismo bandoleiro que até recentemente soprava com mais força na América Latina era uma ameaça realista (ainda é), as reticentes lufadas de direitismo brucutu que ziguezagueiam pela região são igualmente perigosas. A insanidade que paira no ar é tamanha, que qualquer pensamento destoante é alvo de críticas rasteiras e ofensas descabidas.

Há quem acredite que conhecimento político é como pipoca de micro-ondas – alguns minutos no forno e surge um especialista no assunto. Analisar questões políticas exige anos de estudo e acompanhamento contínuo. Opinar sobre política é algo muito mais complexo e sério do que imagina essa turba de Messias de camelô. Dizia o filósofo ateniense Sócrates: “Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância”.

A situação que emoldura o Brasil é tão crítica, que qualquer populista de direita que surja em alguma parte do planeta é imediatamente incensado como divindade suprema. É o caso de Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, um debiloide que acredita ser possível governar a maior potência global com a mesma dose de irresponsabilidade de quem ancora um reality show. Aliás, por falar em reality show, Trump é o pior dos aprendizes em termos de governança, um détraqué quando o assunto é democracia.

Quem transita com certa intimidade na seara da política internacional sabe que as promessas de Trump são uma pilhéria da pior qualidade, um regurgitar lançadiço elevado à máxima potência. Mesmo assim, a claque tupiniquim insiste em bater palmas para ver dançar o próximo inquilino da Casa Branca, como doulas insanas que chegam ao êxtase porque Donald está prestes a parir o impossível.

Verdadeiro esbirro, Donald Trump vem sendo contrariado até mesmo por integrantes da equipe de um governo que sequer começou. Verdadeiros ou não, contrariam publicamente o futuro chefe apenas porque esse confunde política internacional com roleta de cassino decadente. Como sempre, esse desentendimento que reina no império bufão é culpa da imprensa, pois os aduladores do eleito não aceitam a intifada movida pela lógica.

Jornalismo foi a profissão que escolhi – exerço com paixão e dedicação incomensuráveis, mas sempre com responsabilidade e independência. Não tergiverso sobre esse ou aquele tema, não faço jornalismo de aluguel. Detesto “Maria vai com as outras”, tenho preguiça de gente prepotente e sabereta. Os arrogantes desprovidos de massa cinzenta têm a minha indiferença. A experiência garante-me o direito de analisar fatos, a liberdade permite-me opinar e ser crítico quando necessário. Não será por causa da desídia intelectual dos “trumpistas” da Botocúndia que acolherei gratuitamente a azáfama de alguns.

Democrata convicto – não refiro-me ao partido derrotado na eleição presidencial norte-americana –, aceito a divergência com lhaneza e cordialidade. Os discordantes têm o sacro direito ao contraditório, mas que não ouse a escumalha populista e radical querer dar lições de moral ou ensinar-me a fazer jornalismo. Acostumei-me ao longo da vida ao debate de ideias, não à filosofia boquirrota de lupanar.

Se assim for, falarão sozinhos, pois o desprezo é e sempre será a melhor resposta. Afinal, quando aponto o indicador na direção da esquerda bandoleira sou merecedor de ósculos e amplexos, mas quando critico o “homem laranja” sou alvo de apupos e aleivosias. Sejam coerentes e corajosos, decidam-se, pois.

Os que agora só sabem existir debaixo do mantra “Trump é meu pastor, nada me faltará” deveriam não se incomodar tanto com a minha opinião, pois essa preocupação excessiva mostra que estou no caminho certo. E se errar, não terei dificuldade para, mais adiante, humildemente reconhecer o equívoco.

Todavia, aos biltres que agem como fâmulos de Trump recomendo outras leituras, talvez menos entediantes, pois há no ervanário jornalístico, algures e alhures, um sem fim de “troca letras” que prestam-se a adular a versão ianque de Sinhozinho Malta.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.

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