(*) Ucho Haddad
Qual presente, natalício ou não, pode ser maior e mais importante do que um gesto verdadeiro? Nenhum! O que pode superar a compreensão de alguém diante daquilo que você acredita e cultua? Nada, simplesmente nada. Isso, por si só, é o maior dos presentes, mesmo que diferenças existam na relação. O que é sadio, pois a relação deixa de ser monótona, uma chatice existencial.
Na avalanche de consumismo que domina a civilização, enxergar o valor de coisas intangíveis pode parecer para muitos um sinal de loucura. Afinal, o que é loucura? Ser ou ter? Sob a minha ótica, a obsessão pelo ter é algo assustador. Tendo ou não, prefiro ser, mesmo sabendo das minhas falhas e das minhas fraquezas. Ser é um verbo de muitos significados, ser é mágico, ser é tudo.
O mundo de hoje tornou-se tão superficial em termos de relacionamento, sejam esses quais forem, que qualquer palavra mal falada, qualquer gesto mal encenado, é motivo de sobra para discórdia das grandes. À sombra das minhas convicções, sempre procuro enxergar o próximo com os olhos alheios, sem jamais desrespeitar minhas crenças. Até porque, não fosse assim, o mundo seria pasteurizado. Se é que já não está.
Nos tempos atuais, um gesto significa pouco, quase nada ou nada. Na verdade, um gesto, mesmo ínfimo, é grandioso, um ato de generosidade. É sinal de respeito à sua essência, ao seu jeito de ser. Quando alguém age na sua direção, fazendo o que vai ao encontro dos seus valores, está-se diante de um presente inenarrável.
Como destaquei em artigo anterior, Natal acontece a todo instante e dentro de cada um. No dia de Natal, presentes não deveriam ser trocados ou ofertados, pois quem deveria recebê-los fica à beira do caminho, enquanto o consumismo avança. Mas os usos e os costumes atropelam de forma recorrente o bom senso e a coerência. E dá-lhe presente aqui e acolá.
Hoje ganhei um lenço, apetrecho que para a maioria é démodé, mas não consigo viver sem. Aliás, não consigo sair de casa sem tê-los ao bolso. No começo saía com um lenço no bolso, mas, calorento que sou, de uns tempos para cá passei a carregar dois. Um para os dias mais quentes, outro, intocável, para eventualidades. Como já afirmei, nunca se sabe o que pode acontecer. Isso mostra que fiz do lenço de bolso algo tão importante quanto um canivete é para os desbravadores do cotidiano. Em tempo: adoro canivetes.
Hoje ganhei um lenço de bolso, xadrez miúdo, branco e flamingo. Não importa a cor, não importa a fazenda. Importa, sim, e muito, o gesto de quem me deu o lenço. A disposição de ter se preocupado e emocionado após ler meu artigo anterior, que escrevi para ressaltar a verdadeira importância do Natal, que passa longe das lembrancinhas ou das “lembrançonas”.
O que aparentemente pouco ou quase nada representa, para mim tem valor extraordinário. Sem contar que esse presente especial estará sempre comigo, junto de mim. Lenço de bolso tem suas vantagens. A primeira delas contempla quem dá e quem recebe: ninguém se preocupa com o tamanho, se vai servir ou não. É aquilo e pronto, põe-se no bolso e tudo resolvido. As outras vantagens são muitas, como, por exemplo, não precisar ajustar, fazer bainha e outras intervenções de ocasião.
Porém, o melhor mesmo é que o lenço remete a quem lhe deu de presente. Toda vez que abro a gaveta e escolho um determinado lenço para estar comigo naquele dia, de chofre penso que levarei a pessoa comigo. Até mesmo os lenços que comprei me proporcionam essa sensação, pois me vem à memória o ato da compra, o local…
Chegar a uma loja e pedir lenço pode causar estranheza ao balconista, que não nega tê-los, mas faz descomunal esforço para encontrá-los. Como se o lenço fosse um operador de coxia. Imprescindível, mas sempre nos bastidores. Como sou adepto da teoria de que menos é mais, o não protagonismo do lenço combina com meu jeito de ser.
Hoje ganhei um lenço, mais um lenço. Que ótimo! Hoje ganhei “o lenço”. Alguém há de questionar o motivo de tanta festa por causa de um lenço, por causa “do lenço”. Lembro que a fuzarca é por conta do gesto, que estará sempre entranhado no lenço.
Em termos materiais é um lenço como outro qualquer, mas é “o lenço” porque trará sempre a imagem de quem leu e entendeu o que escrevi, emocionou-se com minhas palavras e decidiu vir até mim. Apenas e tão somente para entregar o lenço. O melhor é que se no coração já carregava quem o lenço me deu, a partir de agora poderei sentir a pessoa por perto.
Muito obrigado, João! Jamais lhe presenteei com um lenço, mas feliz fiquei ao perceber que você tem um pouco de mim. Leu um texto despretensioso e se emocionou. A vida é isso, a vida é gesto, a vida é lenço. A vida é, a vida sempre será, de preferência com lenço.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta e fotógrafo por devoção.