A Constituição de 1988 completa 30 anos nesta sexta-feira (5). Além de rejeitarem as revisões programadas, os constituintes também criaram mecanismos para dificultar a aprovação de mudanças no texto constitucional. Para alterar qualquer dispositivo da Carta Magna, é necessário um quórum elevado: três quintos dos parlamentares em cada uma das Casas Legislativas, com intervalo nas votações, entre os dois turnos.
Na prática, a alteração na Constituição depende de 308 votos favoráveis na Câmara dos Deputados e 49 no Senado. Na Assembleia Constituinte, para aprovação de dispositivos era necessária a aprovação de metade mais um dos constituintes.
A última mudança feita na Constituição é de dezembro do ano passado e estabeleceu novo regime de pagamento de precatórios aos estados, o Distrito Federal e os municípios.
Desde que foi promulgada em 1988, este é o primeiro ano em que não ocorrem modificações no texto constitucional em virtude da intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeiro. A Carta Magna estabelece que seu texto não pode sofrer emendas durante a vigência de intervenção federal, de Estado de Defesa ou de Estado de sítio.
Até agosto, a intervenção suspendeu a tramitação de 536 Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) no Senado. Dessas propostas, 82 estavam prontas para votação. Já na Câmara, são 1.191 propostas que aguardam análise. Algumas tratam do mesmo assunto e tramitam em conjunto, o que totaliza 625 possíveis análises de mudanças constitucionais.
Reforma da Previdência
Entre as principais propostas de alteração que aguardam o fim da intervenção federal para serem apreciadas pelo Congresso Nacional, está a reforma da Previdência. O texto polêmico que define novas regras para aposentadoria e pensão no país está pronto para ser apreciado na Câmara dos Deputados, mas ainda não há consenso entre os parlamentares que viabilize a sua aprovação.
Nesta semana, o presidente Michel Temer admitiu que pode suspender, provisoriamente ou definitivamente a intervenção para votar a reforma da Previdência ainda este ano. A expectativa é que a decisão sobre o fim da intervenção seja definida após as eleições.
Pelo texto do decreto da intervenção federal na segurança no Rio de Janeiro, o prazo de conclusão da operação é 31 de dezembro.
Nova Assembleia Constituinte
Ao completar 30 anos de sua promulgação, a possibilidade de uma nova Constituinte tem sido levantada por candidatos à Presidência da República. O programa de governo do Partido dos Trabalhadores (PT) propõe a convocação de uma nova Assembleia Constituinte para viabilizar “do desafio de refundar e aprofundar a democracia no Brasil”.
Em uma palestra a empresários de Curitiba, o general Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente pela chapa de Jair Bolsonaro (PSL), defendeu que seja feita uma nova Constituição elaborada por uma comissão de notáveis, mais enxuta e focada em “princípios e valores imutáveis”. Uma sinalização clara de que a democracia brasileira corre perigo.
Contudo, o professor emérito de Ciência Política da Universidade de Brasília, David Fleischer, descartou a possibilidade da convocação de outra Assembleia Constituinte. Para o cientista político, as revisões constitucionais podem ser aplicadas para aparar “arestas” na Carta Magna.
“O Congresso até já fez essa revisão [constitucional], e nessa ocasião, por exemplo, ele reduziu o mandato presidencial de cinco para quatro anos. Então, isso foi um pacote de mudanças que se executou em 1994. Eleger uma nova Constituinte acho muito difícil de ocorrer”, analisou.
O mesmo cenário de ameaças à democracia surge na esteira da proposta do petista Fernando Haddad, segundo colocado na corrida ao Palácio do Planalto. As propostas em relação à Constituição são rasas e pouco explicativas, o que gera desconfiança. Considerando que um eventual governo Haddad poderá dar uma guinada radical à esquerda, já que o partido e seus aliados precisam retomar o discurso mais radical do socialismo regional, o melhor é manter a cautela.
Ajustes são suficientes
A Carta Magna vigente não é o maior dos primores constitucionais, mas é preciso reconhecer que não está morta. Alguns ajustes no texto, desprovidos de interesses escusos, certamente colocarão a Carta à altura dos interesses da sociedade, sem macular o Estado de Direito.
A grande questão que se põe na atualidade é a forma como a Constituição é tratada pelo Judiciário, em especial pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que em tese é o guardião da Carta Magna.
O problema maior é que nos últimos tempos, com a política sendo dominada pelo banditismo institucionalizado, a Constituição passou a ser interpretada de acordo com o interesse do “cliente”. Esse bamboleio interpretativo acabou por macular a imagem do Supremo, que como instituição deve ser preservado.
Nos dias atuais, gostem ou não os ministros da Corte, o País está diante de 14 Supremos, pois temos o pensamento estanque de cada magistrado, a decisão da maioria de cada Turma e a da maioria do plenário. Em suma, uma balburdia jurídica que muda de acordo com o vento, talvez de acordo com o interesse do momento.
A situação frágil da Constituição torna-se ainda maior e mais evidente quando analisada a afirmação do ministro Luiz Fux, do STF, que há dias afirmou que as decisões da Justiça “devem contemplar os anseios da sociedade”. Em outras palavras, a Carta foi relegada a segundo plano, talvez a terceiro. (Com ABr)