Dezenas de milhares de fiéis se reuniram na Praça de São Pedro no domingo (14) para assistir à cerimônia em que o papa Francisco declarou santos o arcebispo salvadorenho Óscar Romero e o papa Paulo VI, juntamente com cinco outras pessoas menos conhecidas nascidas na Itália, Alemanha e Espanha nos séculos XVIII e XIX.
Romero, assassinado por um tiro em pleno altar enquanto realizava uma missa em 1980, e Paulo 6º, que liderou a Igreja nos momentos de encerramento do Concílio Vaticano 2º, foram figuras discutidas e contestadas tanto dentro como fora da Igreja.
Em sua terra natal, El Salvador, Romero é reverenciado há muito tempo como herói nacional e defensor da paz e da justiça. Seu túmulo na catedral de San Salvador é para muitos um local de peregrinação. E já na beatificação o presidente salvadorenho, Salvador Sánchez Cerén, deixou claro: “A América Latina finalmente tem um santo! Oxalá seu exemplo possa contribuir para mudanças no país!”
Reverência de Obama
O sacerdote que se engajou pelos camponeses pobres de seu país e pregou contra a violência dos militares goza de grande reconhecimento internacional. Em 2011, Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, se ajoelhou junto à lápide do “bispo dos pobres”. As Nações Unidas chegaram a dedicar um dia em homenagem a Romero. No ano 2000, o parlamento de El Salvador o nomeou “filho altamente estimado” do país.
No Vaticano, no entanto, até a entronização do papa Francisco, em março de 2013, Romero tinha poucos defensores. Sacerdotes e bispos revolucionários sociais que não aceitam a pobreza de seus fiéis como algo dado por Deus, mas que defendem a ajuda de Deus para combatê-la, mal tinham chances de serem beatificados ou canonizados.
Por muitos anos, o tributo da Igreja ao bispo mártir Óscar Romero marcou passo. Mas, de repente, tudo correu rápido. Depois que em 2013 o latino-americano Jorge Bergoglio tornou-se o papa Francisco e assumiu a direção da Igreja Católica, o processo de canonização de Romero ganhou impulso. Em 2015, o arcebispo de El Salvador foi beatificado.
“Muito antes da canonização pela Igreja, os católicos na América Latina já falavam de São Romero das Américas”, disse à DW Michael Huhn, da organização católica Adveniat.
Reviravolta na Igreja
Mas o primeiro papa latino-americano iniciou uma mudança na linha política da Igreja. Desde que Francisco está à frente do Vaticano, Romero não é mais considerado revolucionário ou comunista, mas um paladino dos direitos humanos. Um franco-atirador do esquadrão da morte paramilitar assassinou o arcebispo durante uma missa em 24 de março de 1980, tornando-o um mártir.
Óscar Romero, Dom Hélder Câmara, Gustavo Gutierrez, Jon Sobrino, Leonardo Boff e Erwin Kräutler – as grandes testemunhas da teologia da libertação na América Latina – contribuíram não só para a resistência às ditaduras militares em suas regiões e clamaram por justiça social, mas também formularam uma pergunta que continua atual: pode a fé cristã mudar a sociedade? Para o arcebispo italiano Dom Vincenzo Paglia, postulador da canonização de Romero, a resposta é claramente sim. “A decisão de amar os pobres para poder mudar o mundo é a mesma que Jesus tomou.”
Romero é o primeiro na longa lista de espera dos mártires latino-americanos esquecidos. O fato de o papa Francisco ter pressionado tanto pela canonização do salvadorenho é explicado assim por Michael Huhn, da Adveniat: “O que impressionou o Santo Padre é que Óscar Romero reverenciava as pessoas humildes. Sua postura era valorizar os necessitados. Isso o Sumo Pontífice já fazia em seu trabalho como jesuíta, depois como arcebispo de Buenos Aires, e ainda o faz como papa.”
E entre os lembretes recorrentes do atual papa estão as advertências de que não se pode esquecer os mártires mortos por causa de sua fé. “Eles foram um exemplo do que pode significar o cristianismo vivenciado, o cristianismo radicalmente vivenciado”, complementa Huhn.
Duas canonizações
O martírio também envolveu o papa Paulo VI (1897-1978), que foi canonizado neste domingo com Romero. Michael Huhn considera “muito bom” que ambos sejam homenageados juntos. Segundo ele, Paulo 6º desempenhou um papel extraordinário para a América Latina. Ele foi o primeiro papa a viajar à região. Para os latino-americanos, Paulo VI não é associado como o papa da polêmica encíclica “Humanae Vitae”, que na América Latina é irrelevante, diz Huhn, mas o “papa da justiça”.
O especialista do Adveniat relembra um encontro entre ambos. “Quando Romero foi fortemente hostilizado pelos oligarcas de seu país e também por colegas bispos, ele foi até Paulo VI. Este lhe abriu as portas imediatamente – Romero não precisou marcar audiência. O salvadorenho trouxe fotos de mártires, o que sensibilizou muito Paulo 6º, que logo compreendeu seu papel nesse conflito”, assinala Huhn. (Deutsche Welle)