Não há dúvidas de que Jair Bolsonaro é adepto do balão de ensaio. O presidente eleito lança uma ideia, na esperança de que sua ilegalidade passe despercebida, mas quando isso acontece ele recua como se fosse um ingênuo. E sua claque o aplaude, alegando que é melhor recuar agora do que mais adiante.
Esse movimento de Bolsonaro denota insegurança de um governante que deveria saber minimamente sobre os assuntos que comenta, mas não é assim que tem acontecido. O mais recente fiasco ficou por conta da declaração de que a reserva indígena Raposa Serra do Sol será explorada.
Bolsonaro vinha mantendo esse discurso desde a campanha presidencial, mas deu ênfase ao tema na segunda-feira (17), quando participou da inauguração do terceiro colégio militar do Rio de Janeiro. O presidente eleito disse que é preciso explorar a área de “forma racional”.
Logo após a declaração, o Conselho Indígena de Roraima divulgou nota na qual afirma que a declaração de Bolsonaro “afronta decisão do STF”. “A homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em área contínua, é um direito originário e constitucional dos povos indígenas de Roraima e do Brasil, consagrado na Constituição Federal Brasileira de 1988. (…) As alternativas para o desenvolvimento do Estado não estão na exploração mineral, construção de hidrelétrica, muito menos no arrendamento de terra, como tem sido dito por ele e políticos aliados, mas em uma gestão compromissada e justa com os anseios da população de Roraima e do Brasil”, ressalta a nota.
Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-ministro Carlos Ayres Britto afirma que a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol não pode ser revista pelo próximo governo. Ayres Britto foi relator da ação julgada pelo STF em 2009. “A decisão transitou em julgado. Foi uma decisão histórica. Para os índios, é direito adquirido”, afirma.
“Tivemos o cuidado de conciliar os interesses dos índios com os interesses nacionais. Não há motivo para rever nada, nada, nada”, afirma o ex-ministro. “As terras indígenas pertencem à União. Qual é o perigo para a soberania nacional? Nenhum”, completa.
As salvaguardas do Supremo não deixam dúvidas que “o usufruto dos índios não alcança a pesquisa e a lavra das riquezas minerais” e que as Forças Armadas não precisam consultar os índios ou a Funai para atuar na região.
“Ficam dizendo coisas imprecisas, e até equivocadas, para projetar antipatia contra os índios”, diz Ayres Britto. “Depois que o Estado paga uma dívida histórica, civilizatória, ele não pode mais estornar o pagamento e voltar a ser devedor”, acrescenta.
É preocupante, diz o ex-ministro, que “muita gente ainda fale em aculturar os índios”. “O índio não deixa de ser índio porque usa uma calça jeans. A lógica da Constituição não foi substituir a cultura dos índios pela dos brancos. Foi somá-las. Quando a pessoa não entende a lógica da Constituição, fica difícil”, critica.
Nesta terça-feira, em transmissão ao vivo feita pela internet, após abusar do “coitadismo”, Bolsonaro amainou seu discurso em relação à Raposa Serra do Sol. O presidente eleito disse as terras da reserva indígena podem ser exploradas “com racionalidade” e “em benefício do próprio povo indígena”. “Quem sabe o STF acorde para isso e nos ajude”, disse.
Bolsonaro é, além de despreparado, muito mal assessorado. O que o obriga a passar por vexames e constrangimentos desnecessários, como o que envolve a declaração sobre a reserva indígena localizada no nordeste do estado de Roraima. Como bem lembrou o ex-ministro Ayres Britto, a decisão do STF sobre a Raposa Serra do Sol transitou em julgado e o governo não poderá alterar a demarcação da reserva.