No universo da política cobrar coerência é a mais hercúlea das tarefas, talvez seja missão impossível. Isso porque os discursos mudam sempre de acordo com o momento e a necessidade. Não faz muito tempo, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI), Augusto Heleno, disse que Fabrício Queiroz, que vem tirando o sono da família Bolsonaro, deve uma explicação “mais consistente” sobre o imbróglio que tem como base um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Um dos principais conselheiros do presidente da República, que continua ignorando o escândalo, o general reformado Augusto Heleno parece vulnerável às pressões externas, pois em pouco tempo mudou de opinião em relação ao caso da movimentação bancária “atípica” do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
Nesta sexta-feira (18), Heleno minimizou eventual desgaste no governo após o Supremo Tribunal Federal ter suspendido, a pedido de Flávio Bolsonaro, investigação sobre Queiroz, que continua fugindo dos depoimentos marcados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
Como se o escândalo fosse uma mera invencionice, o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que não tem moral para comentários nessa seara, disse que o presidente Bolsonaro é vítima de um processo de tentativa de “desgaste”.
A ousadia de Lorenzoni confunde-se com sua conhecida desfaçatez, mas não se pode aceitar uma declaração como essa, pois contra fatos inexistem argumentos. O chefe da Casa Civil pode dizer o que bem entender, até porque a Constituição garante a livre manifestação do pensamento, mas Fabrício Queiroz está na proa de um escândalo que envolve ao menos três integrantes da família Bolsonaro: Flávio, Jair e Michelle.
Se são culpados só cabe à Justiça decidir, mas ninguém deposita à esmo R$ 24 mil na conta bancária da primeira-dama sem saber o motivou ou porque acordou disposto a fazer caridade. De igual modo, Queiroz não recebia depósitos e transferências recorrentes de servidores do gabinete de Flávio Bolsonaro porque todos eram caridosos.
Da mesma maneira, Flávio e Jair Bolsonaro precisam explicar de maneira minimamente convincente as contratações dos parentes de Fabrício Queiroz, que, em tese trabalhavam para ambos os políticos, mas na prática exerciam outras atividades no horário de expediente. Mesmo assim, fizeram repasses de dinheiro a Queiroz.
Pois bem, se Flávio, que não é investigado no chamado “Bolsogate”, se antecipa e recorre ao Supremo Tribunal Federal para suspender a investigação, falar em tentativa de “desgaste” da imagem do presidente é devaneio em último grau. Na verdade, quem desgasta a imagem de Jair Bolsonaro é ele próprio, com a ajuda inequívoca dos filhos.
Sobre a declaração do ministro do GSI, somente um neófito em política é capaz de afirmar que a decisão do STF não causou danos ao governo. No Palácio do Planalto o clima é de apreensão, mas é natural que os palacianos insistam em demonstrar tranquilidade. Se tudo estivesse dentro da normalidade, Flávio Bolsonaro não teria feito o que fez.