Bolsonaro muda discurso e defende o filho Flávio: “Não é justo usar o garoto para tentar me atingir”

Ao cancelar a entrevista coletiva que concederia em Davos (Suíça), na manhã desta quarta-feira (23), o presidente Jair Bolsonaro alegou inicialmente cansaço, mas depois, por intermédio de assessores, soube-se que a decisão decorreu da sua irritação com a imprensa brasileira, que em sua maioria classificou como raso e genérico o seu pronunciamento no Fórum Econômico Mundial.

Além disso, Bolsonaro não gostou da repercussão da sua declaração à agência Bloomberg sobre o filho, eleito senador pelo Rio de Janeiro. O presidente disse que se for comprovada a culpa de Flávio Bolsonaro no âmbito do escândalo que tem Fabrício Queiroz como protagonista, ele terá de pagar por seus atos. “Se, por acaso, ele errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar”, disse Bolsonaro.

Horas mais tarde, em entrevista à TV Record, o presidente mudou radicalmente o discurso e saiu em defesa do filho, alegando que a investigação contra o filho é uma maneira de atingi-lo. “Acredito nele. A pressão enorme em cima dele é para tentar me atingir. Ele tem explicado tudo o que acontece com ele nessas acusações infundadas”, disse Bolsonaro.

A contradição entre as duas declarações é compreensível em se tratando de um pai, mas é inaceitável quando o declarante é um presidente que se elegeu a reboque de discurso moralizador e prometendo acabar com a corrupção, privilégios e a velha política. Em suma, o que Jair Bolsonaro prometeu durante a campanha está sendo ignorado de forma inequívoca.

Para justificar a defesa que faz do filho, o presidente afirmou que o Ministério Público cometeu uma “arbitrariedade” ao quebrar o sigilo bancário de Flávio Bolsonaro.

“Esteve, sim, com o seu sigilo quebrado. Fizeram uma arbitrariedade para cima dele. Nós não estamos acima da lei. Muito pelo contrário. Como qualquer outro, estamos abaixo da lei”, disse o presidente.


Ao contrário do que disse Jair Bolsonaro, o MP fluminense não quebrou o sigilo de Flávio. De acordo com a Lei nº 9.613 de 1998, instituições financeiras são obrigadas a informar ao Coaf sobre operações financeiras e transações de altos valores ou feitas em dinheiro vivo ao. O conselho, por dever de ofício, elabora relatórios de inteligência financeira e os encaminha para as autoridades competentes para a instauração de procedimentos de investigação, como o Ministério Público.

No caso de Flávio, o banco em que ele mantém conta registrou 48 depósitos em espécie entre junho e julho de 2017, no valor de R$ 2 mil cada, feitos no terminal de autoatendimento da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Em diversas datas, foram identificados depósitos em valores idênticos na conta do Flávio em intervalo de poucos minutos.

Bolsonaro disse que a questão envolvendo o filho será esclarecida “com toda certeza, mas seus principais assessores cobram uma explicação convincente há algum tempo.

“Não é justo atingir o garoto, fazer o que estão fazendo com ele, para tentar me atingir. O Brasil vai muito bem e nós não recuaremos no nosso propósito de fazer o Brasil e colocar no lugar de destaque que ele merece. Ao meu filho, aquele abraço. Fé em Deus que tudo será esclarecido, com toda certeza”, disse Jair Bolsonaro.

Vice-presidente da República, o general da reserva Hamilton Mourão é mais pragmático ao falar sobre o caso envolvendo Flávio Bolsonaro. Ele diz que o problema do filho do presidente é o sobrenome, pois se fosse um “Silva” ninguém daria importância. Porém Mourão defende que o caso seja apurado e, se for o caso, Flávio seja punido de acordo com a lei.

O comportamento oscilante de Bolsonaro em relação ao caso é ruim para o governo. E todos no Palácio do Planalto sabem disso, embora não admitam publicamente. Em casos como esse, o melhor a fazer é deixar que o envolvido no escândalo se vire sozinho, pois do contrário o governo poderá ser levado de roldão.

A questão não é condenar Flávio Bolsonaro por antecipação, até porque a Constituição em seu artigo 5º, inciso LVII, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A questão é que a fermentação do caso reverbera no universo político, causando danos imprevisíveis ao governo. Por isso a declaração matutina de Bolsonaro é a mais lógica.