A imprensa francesa destacou negativamente a atitude do presidente Jair Bolsonaro de cancelar, em cima da hora, encontro marcado com antecedência com o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian.
Na última segunda-feira (29), minutos antes de uma reunião prevista em Brasília, o ministro francês foi informado de que Bolsonaro enfrentava problemas de agenda e não poderia comparecer ao encontro, anunciando oficialmente na agenda do Palácio do Planalto. No entanto, minutos depois do horário original da reunião, Bolsonaro apareceu em uma transmissão ao vivo nas redes sociais cortando o cabelo.
Le Drian foi primeiro membro do alto escalão do governo do presidente Emmanuel Macron a visitar o País desde a posse de Bolsonaro.
“Jair Bolsonaro cancela um encontro com Jean-Yves Le Drian por causa de um corte de cabelo”, noticiou o jornal “Le Monde. “Na diplomacia, Bolsonaro prefere a provocação, mas, em um confronto, o chefe de Estado brasileiro privilegia a humilhação do adversário”, destacou o jornal, que lembrou que o governo Macron tem pressionado o Brasil em questões de preservação do meio ambiente, ainda mais depois da assinatura do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
A pressão do governo francês tem irritado Bolsonaro, que já declarou que aceitará “lições” de países europeus em matéria de preservação do meio ambiente. “Ao aparecer publicamente no cabeleireiro em vez de ao lado de um dos pesos-pesados do governo francês, Jair Bolsonaro reafirma seu soberanismo tanto quanto seu desprezo pelo discurso moralizador de Paris em relação ao meio ambiente”, escreveu o Le Monde.
Já o jornal de economia Les Echos abordou o gesto do presidente brasileiro em reportagem com o título “Bolsonaro despreza Le Drian em Brasília”. De acordo com o diário, a comunidade empresarial francesa com negócios no Brasil vinha pedindo que Paris enviasse algum ministro de destaque para visitar o país sul-americano após a posse de Bolsonaro.
O jornal destacou também que mil grandes empresas francesas têm sede no Brasil e entrevistou Fréderic Junck, presidente do Conselho de Comércio Exterior da França (CCEF) no Brasil, que disse que o “encontro perdido não agregou valor para nossas relações”.
O cancelamento do encontro em cima da hora, seguido pelo gesto de aparecer na internet cortando o cabelo, também repercutiu negativamente em reportagem do site da revista ultraconservadora Valeurs Actuelles, que no campo ideológico compartilha várias das ideias do círculo de Bolsonaro.
A revista costuma publicar reportagens sobre supostas conspirações do bilionário George Soros (alvo costumeiro da extrema direita global) e textos criticando ativistas ambientais.
“Algo jamais visto! Em matéria de diplomacia impulsiva, o presidente Jair Bolsonaro deve ultrapassar Donald Trump”, publicou a revista, que classificou o episódio como um “escândalo diplomático em Brasília”.
“O encontro foi cancelado pelo próprio Bolsonaro no último momento. Motivo: ‘um problema de agenda’. Mas isso não impediu que o presidente brasileiro aparecesse no Facebook cortando o cabelo…”
“Romper com os códigos da diplomacia do jeito que Trump faz com a Coreia do Norte é uma coisa. Já a falta de educação e de cortesia em relação a uma grande nação como a França nos deixa mortificados”, destacou a revista, tomando por base a declaração de um diplomata brasileiro.
“O gesto teatral brasileiro teve ainda um prelúdio inacreditável quando Bolsonaro abandonou qualquer discrição e declarou que Le Drian não ousaria lhe falar grosseiramente sobre questões ambientais”, enfatizou a revista Les Echos.
Por fim, a publicação francesa lembrou que mais cedo, no mesmo dia, Bolsonaro havia citado incorretamente o cargo do ministro do Exterior francês: “Contra todas as probabilidades, ele nomeou (Le Drian) como primeiro-ministro francês (sic).”
Para quem, mesmo nada tendo feito em relação ao tema, tentou se apoderar da “paternidade” do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, Bolsonaro é de magistral e preocupante despreparo. Somente alguém movido pela ignorância diplomática é capaz de tratar dessa maneira um representante destacado do país que é um dos principais fiadores do mencionado acordo. A postura de Bolsonaro deu motivos para a oposição francesa trabalhar contra o acordo, que ainda depende de aprovação dos Parlamentos de todas as nações envolvidas. (Com Deutsche Welle)