O presidente Jair Bolsonaro não pensa duas vezes antes para, recorrendo à covardia, modular seu discurso de acordo com a temperatura da opinião dos apoiadores. Quando foi eleito presidente da República, em 2018, Bolsonaro não demorou muito para pegar carona na popularidade do então juiz federal Sérgio Moro, que naquele momento era visto por parte dos brasileiros como o novo herói do País.
Sabem os leitores que o UCHO.INFO sempre foi crítico de Moro em razão da forma como se deram alguns julgamentos e muitos acordos de delação premiada no âmbito da Operação Lava-Jato. A questão não é ser a favor da corrupção e dos corruptos, mas exigir que a Justiça aja dentro do que determina a legislação vigente.
Incompetente e sem estofo para um cargo da responsabilidade e da relevância da Presidência da República, Bolsonaro colou sua imagem à de Sérgio Moro no afã de convencer a população de que sua bandeira de governo, assim como a da campanha, era o combate à corrupção.
Não foi preciso muito tempo para essa falsa promessa evaporar, algo que vem acontecendo ao longo dos últimos dezessete meses e teve seu primeiro capítulo com a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf) da pasta da Justiça para a da Economia.
Com a saída de Moro do governo e as graves denúncias feitas pelo então ministro da Justiça, a postura do presidente mudou ao sabor do vento, seguindo o clamor da horda de apoiadores e as orientações do generalato palaciano. Em outras palavras, o outrora aliado tornou-se inimigo figadal e de longa data.
Nesta segunda-feira (1), Bolsonaro afirmou que o ex-ministro da Justiça agiu de forma “covarde” e servia a outra “ideologia”. Após criticar as posições de Moro em relação ao armamento da população e às medidas de isolamento social, o presidente disse que “graças a Deus” ficou “livre” dele [Sérgio Moro].
“Vocês estão entendendo um pouquinho sobre quem estava no meu lado. Essa IN 131 é da Polícia Federal, mas por determinação do Moro. Ignorou decretos meu e ignorou lei, para dificultar a posse e o porte de arma de fogo para cidadão de bem”, disse o presidente a apoiadores que o aguardavam na saída do Palácio da Alvorada.
O comentário de Bolsonaro serviu de resposta a um dos apoiadores, que criticou instrução normativa (IN) da Polícia Federal. Contudo, a mencionada medida (IN 131) foi publicada pela PF em novembro de 2018, ou seja, antes de Moro assumir o Ministério da Justiça, em janeiro de 2019.
Bolsonaro emendou seu discurso falacioso fazendo referência a uma portaria, assinada por Moro e pelo então ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), que autorizava o uso de força policial para forçar suspeitos de contaminação pelo novo coronavírus a permanecer em isolamento ou quarentena. A medida foi revogada na última semana.
“Tem uma portaria também, que o ministro novo revogou, apesar de não ter força de lei, ela orientava a prisão de civis. Por isso que naquela reunião secreta o Moro, de forma covarde, ficou calado. E ele queria uma portaria ainda, depois, que multasse quem estivesse na rua. Esse era o cara que estava lá perfeitamente alinhado com outra ideologia que não era nossa. Graças a Deus ficamos livres dele”, disse o presidente.
O processo de “demonização” de Sérgio Moro segue as orientações de integrantes da cúpula do governo, que veem na denúncia feita pelo ex-juiz da Lava-Jato potencial de produzir estragos. Isso mostra que se por um lado o ex-ministro ainda não assumiu publicamente que será candidato ao Palácio do Planalto em 2022, por outro o presidente está preocupado apenas com a própria reeleição. Tanto é assim, que Bolsonaro defende pautas que agradam apenas ao seu eleitorado cativo, que em tese poderia garantir votos suficientes para um novo mandato presidencial.