(*) Carlos Brickmann
Hoje, a partir do brilho da primeira estrela, nós, judeus, comemoramos o Rosh Hashaná – o início do ano. Mas o dia de hoje, no calendário hebraico, não é o primeiro dia do ano. E o mês de Tishrei não é o primeiro mês do ano.
Mas, sem ser o primeiro dia do ano, estando no sétimo mês, Rosh Hashaná simboliza o Ano Novo. De acordo com a Bíblia, foi nesse dia que Deus criou Adão e Eva, os primeiros seres humanos. Rosh Hashaná é o primeiro dia da História da Humanidade, é o aniversário de todos nós.
O Judaísmo e a Bíblia Sagrada são carregados de simbolismos. Se a criação dos primeiros seres humanos é tão importante que seu aniversário é o dia inaugural do Ano Novo, por que não é o primeiro dia do primeiro mês do calendário? Porque Nissan merece ser o primeiro mês: em Nissan se iniciou o Êxodo, a libertação do cativeiro no Egito, que formou a nação judaica; porque a liberdade nele conquistada é tão importante quanto a vida.
O Rosh Hashaná poderia ser comemorado alguns dias antes, quando, ensina a Bíblia, o Senhor iniciou a criação do Universo. Mas Adão e Eva foram criados no sexto dia, o mais importante de todos. Deus criou o Paraíso, nele criou Adão e Eva, e no dia seguinte descansou.
Rosh Hashaná é nosso aniversário, pois – seja qual for nossa aparência, tenha nossa pele a cor que tiver, sem distinção de sexo, de ideias, de crenças, de idade, de cultura. São irmãos os amigos, são irmãos os inimigos. São irmãos os que creem; são irmãos os que não creem, porque crer ou não crer não faz a menor diferença, não vai mudar os fatos que ocorreram ou não há 5.781 anos. Criados no mesmo dia, como negar-se à confraternização?
Que cada um confraternize em sua própria língua, já que neste momento de pandemia o grande gesto humano de confraternização, o abraço, não seja aconselhável. Confraternizemos à distância, não importa a língua, pois todas, no fundo, nasceram naquele distante dia da criação de Adão e Eva.
Os próprios judeus confraternizam em várias línguas. As quatro maiores são o Hebraico, antiga língua semítica que, por milhares de anos, foi usada quase exclusivamente em orações, renascendo modernizada para se tornar a língua nacional de Israel; o Yiddish, derivado do alemão popular com mistura de vários idiomas, falado pelos judeus da Europa Central e Oriental; o Ladino, derivado do castelhano medieval, assemelhado ao português das obras de Gil Vicente; e o Hakitia, falado por judeus do Marrocos, Venezuela, Amazônia brasileira e Canadá, mistura de hebraico, castelhano medieval e árabe marroquino. Cito três saudações, em três línguas (não achei nenhum exemplo de Hakitia), três bons exemplos de confraternização:
Hebraico: “Shaná Tová” – Um bom ano. “Shaná Tová Umetuká” – Um ano bom e doce.
Yiddish: “A Guit Yur” – Um bom ano.
Ladino: “Aniada Buena” – Bom Ano.
E uma bênção em ladino (“benditcho”) que me enviaram e da qual gostei: “Que nuestros caminhos sean de leche i miel”.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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