Pague, pague mais caro

(*) Carlos Brickmann

Encher o seu prato já custa 52% a mais do que há um ano. Vai subir mais: os produtos agropecuários se valorizaram no mercado mundial e a China está importando mais do que nunca. Como o Governo não providenciou nenhum estoque estratégico, os preços sobem e talvez faltem derivados de milho e de soja. Pode piorar: de janeiro para cá, os fretes do Centro Oeste aumentaram 25% em média. Parte dos aumentos parece temporária; porém até lá vai doer.

Mas há custos que o caro leitor está pagando e que são imorais. Neste Dia das Mães, o presidente Bolsonaro festejou com um churrasco todo especial: a picanha que foi servida custa R$ 1.799,99 o quilo. É carne wagyu, uma variedade de gado japonês, vendida em peças de 350 gramas, a R$ 599,00 cada, pelo Frigorífico Goiás. Coisa chique: na embalagem, uma caricatura de Bolsonaro, um slogan da campanha presidencial e a marca Picanha Mito.

No site do Frigorífico Goiás (https://friggoias.com/produto/picanha-wagyu/), não há Picanha Mito; mas há picanha de gado Wagyu, a R$ 599,00 a peça de 350 gramas – preço promocional, informam, já que o preço normal do bife de 350 gramas é de R$ 1.200,99. Tchê, “O Churrasqueiro dos Artistas”, foi importado de Belém do Pará, a quase 2 mil km do Alvorada.

Entre os convidados, só gente chique – nenhum daqueles que gritam Mito a cada palavra de seu ídolo. Neste churrasco todo selecionado, estava por exemplo o cirurgião plástico de Michele Bolsonaro.

Pague e não bufe.

O dia adequado

Foi uma festa digna do dia a ser festejado. Pena que a mãe sejamos nós.

A hora dos problemas

Dois jornais revelaram fatos que vão incomodar o presidente Bolsonaro por alguns dias. A Folha de S.Paulo descobriu os bifes milionários que Sua Excelência serve aos bons amigos. O Estado de S.Paulo pegou um escândalo de R$ 3 bilhões de reais – que, dissimulados no Orçamento, serviram para convencer parlamentares mais flexíveis a votar nos candidatos de Bolsonaro à presidência da Câmara e do Senado.

Um escândalo interessante: o dinheiro foi destinado aos gastos solicitados pelas Excelências mais colaborativas. E há indícios de compras altamente superfaturadas, como tratores com preços 259% superiores aos habituais. Um equipamento de R$ 100 mil pode ter custado R$ 359 mil, tudo discreto, na moita. Bolsonaro disse que é mentira e que foi tudo criado “pelos canalhas” do Estadão. O problema é que o jornal apresenta toda a documentação oficial, incluindo os ofícios de parlamentares indicando onde gastar o dinheiro. Será curioso seguir os desmentidos.

Lembranças

Até agora, as rachadinhas, as compras milionárias de bebidas alcoólicas e os 700 mil kg de picanha para as Forças Armadas, o caso Queiroz, a dúvida a respeito do motivo pelo qual Queiroz e senhora depositaram R$ 89 mil na conta da primeira-dama, os R$ 2,5 milhões gastos em férias só neste ano, as ordens de compra de insumos de cloroquina a preços bem superiores aos habituais, a estranha insistência em cloroquina, tudo isso quase não atingiu Bolsonaro.

Em outras épocas, saraivadas de acusações foram feitas contra o governador paulista Orestes Quércia, apelidado de Teflon porque nada grudava nele. Mas, quando grudou, custou-lhe tanto voto que seu partido, o PMDB, sempre forte em São Paulo, perdeu o poder político no Estado.

As pedras no caminho…

Na CPI da Covid, a semana é quente: devem ser ouvidos antigos pilares do governo Bolsonaro, como Fábio Wajngarten e Ernesto Araújo, o antigo chanceler. Wajngarten, em entrevista, deixou claro que considera o general Pazuello, ex-ministro da Saúde, no mínimo pouco competente. E devem ser ouvidos também dirigentes da Pfizer. Segundo Wajngarten, a Pfizer ofereceu vacinas ao Brasil e nem recebeu resposta; isso atrasou o início da vacinação.

…e um problemaço

Lembra-se de Felipe Martins, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, que foi filmado no Senado fazendo um gesto que, para alguns, significa aquilo que o público de um estádio costuma gritar para o juiz e, para outros, copia um gesto americano de supremacia branca?

A Procuradoria da República em Brasília deu prazo até o dia 13 para que Felipe Martins explique seu gesto. Se ele disser que foi um sinal obsceno para os senadores e o público, é ruim. Se disser que é supremacia branca, é crime.

Se disser, como até agora, que estava arrumando o terno, é ridículo.

Os donos do cargo

O normal seria que ele pedisse demissão “para que a má interpretação de seu gesto” não prejudicasse o Governo. Ou que o Governo o afastasse “para poupá-lo”. Mas demissão ele não pede. E seus padrinhos são Olavo de Carvalho e Carluxo, o filho 02, gurus de Bolsonaro. Quando Carluxo se irrita com o pai e se afasta, o pai sente sua falta. Quando Olavo se irrita, manda Bolsonaro enfiar uma condecoração no pazuello.

Ser presidente é dolorido.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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