O golpe se afunda no mar

(*) Carlos Brickmann

A manobra parecia fantástica: um comício de Bolsonaro em Copacabana que, como é 7 de Setembro, seria chamado de festa cívico-militar de 200 anos da Independência. Esquadrilha da Fumaça no ar e, no mar, navios de guerra da Marinha, incluindo o primeiro submarino produzido pelo Brasil, que acaba de ser incorporado à frota, o Riachuelo (ver nota abaixo). Os malucos pedindo golpe e vídeos mostrando ao fundo o poder militar.

Só que não: neste ano, a Operação Unitas, treinamento naval realizado por 21 nações, ocorre no Brasil, a partir de 10 de setembro. Os Estados Unidos se ofereceram para participar do desfile naval da Independência, com uma flotilha comandada pelo porta-aviões nuclear Ronald Reagan, um dos mais modernos do mundo. Porta-aviões não anda sozinho: caças e navios o protegem o tempo todo. Outras 19 nações aderiram à festa da Independência, entre elas duas potências nucleares, França e Reino Unido, países vizinhos como Paraguai, Peru, Uruguai, Chile, Colômbia, nem todos bem-vistos por Bolsonaro. Será um belíssimo desfile naval para quem for a Copacabana. E não haverá muita chance para fazer com que tudo pareça apoio militar para uma aventura golpista. Mas será a demonstração de um feito tecnológico dos estaleiros da Marinha, a entrada do Brasil no restrito grupo mundial de construtores de submarinos. Vale cumprimentar os profissionais da Marinha.

Quanto a uma eventual tentativa de golpe, pode ficar para depois.

Detalhe

Até o final de agosto, a Operação Unitas deveria envolver 20 barcos de guerra, um submarino e 21 aviões, mobilizando 5.500 militares. Mas só o Ronald Reagan tem 3.200 oficiais e marinheiros (não se sabe quantos estarão a bordo durante o desfile), e pode transportar 90 aviões e helicópteros, tripulados por 2.480 militares. Há ainda um número desconhecido de navios de combate e de submarinos nucleares para sua proteção.

Mas falemos da França: Bolsonaro já destratou diplomatas franceses, Paulo Guedes já disse que a França “está ficando descartável”. Mas são os franceses do Naval Group os parceiros de tecnologia naval que dialogam amigavelmente com o almirante de Esquadra Petronio Augusto Siqueira de Aguiar, diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha. Profissionalíssimo.

Mundo pequeno

Hoje, quem produz submarinos nucleares são os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Inglaterra, França, Rússia e China), mais a Índia. Por que o Brasil quer um? Para evitar problemas nas 200 milhas de mar territorial (que incluem campos de petróleo submarino) e que o Brasil quer estender por toda a placa continental, algo como 300 milhas. Bloqueio? OK: o Brasil terá um submarino mergulhado sabe-se lá em que lugar, com armas convencionais, mas que podem causar grandes problemas ao inimigo.

Os EUA não querem problemas e não cederam tecnologia – nem os ingleses, cujo império inclui as ilhas Falkland/Malvinas, que uma ditadura argentina já invadiu há alguns anos. No Ocidente, restou a França, que oferece tecnologia de submarinos convencionais e nucleares. Bolsonaro é grosseiro? Sim; mas para os franceses, Bolsonaro passa e o Brasil fica. O Brasil é um antigo aliado; é vizinho de território francês, a Guiana; tudo dá para negociar.

O x do problema

O casco do submarino nuclear brasileiro, de alta tecnologia, está pronto. São na verdade dois cascos, separados por um campo magnético e que não podem se encostar. O reator é de desenho brasileiro. Faltava fazer com que o gerador fizesse o submarino se movimentar (isso é o que Bolsonaro pediu a Putin, que logo em seguida passou a enfrentar o desafio ucraniano). Isso foi resolvido pelos próprios franceses. Agora é o Brasil ter recursos para montar um laboratório específico e fazer outros investimentos. Se tudo correr bem, espera-se que o submarino nuclear fique pronto para os testes em 2030.

Tá faltando um

O Brasil não perde oportunidades de perder oportunidades. Quem tocava o projeto do submarino nuclear era o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, que foi apanhado no turbilhão lavajatista e exposto de tal maneira que o projeto foi paralisado. Perdeu-se muito tempo e se prejudicou o trabalho de um homem honrado – ao mesmo tempo que se prejudicou um grande projeto. Seria uma bela homenagem convidá-lo para assistir à apresentação ao povo do submarino Riachuelo, que ele tanto lutou para produzir.

Salve as eleições

Incrível, há quem não goste de democracia. Não fossem as eleições, não veríamos uma firme garantia de renda mínima, não haveria baixa de preços de combustíveis, não presenciaríamos todos os candidatos propondo algum tipo de combate à fome e à insegurança alimentar. Não se sabe se o eleito vai cumprir as promessas, mas pelo menos há algo que se cobre dele. Quem sabe algum dia alguém se convença de que é possível ao Estado gastar menos?

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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