(*) Marli Gonçalves
Esse mundo virtual que funciona fora da realidade está muito esquisito porque para ele estão sendo transferidas todas as coisas, criando realmente um mundo paralelo e onde o que acontece lá vem parar na vida real criando a maior confusão. Entendeu? Explico.
Vejam só. Um exemplo, as traições. Essa semana mesmo soube de um noivado lindo, onde tudo corria bem, mas desfeito. Motivo alegado: traição. O noivo foi descoberto pagando contas no tal OnlyFans, ou seja, traição por imagem. Não foi como em outras épocas em que a gente pegava o flagra bem na real, na cama, pele com pele, andando por aí, falando baixinho ao telefone (fixo) de um cantinho, corando e gaguejando quando perguntávamos com quem era a cuidadosa conversa; o mais perto do virtual que se chegava era achar um bilhetinho esquecido no bolso do casaco com um telefone, uma marca de batom na camisa, o perfuminho de outra, o achado de algum objeto dentro do carro, às vezes deixado ali de propósito pela parte contrária. E, claro, ver a cara de tacho do mentiroso, negando. O advento do celular deu mobilidade. Dá para ligar de qualquer lugar, dizendo que está em outro. Claro, se não estiver rastreado, o que já ocorre bastante nas novas relações, sempre trêmulas, e digamos, perigosas e inconstantes.
Outra história que abalou a geral essa semana foi a da cantora Iza, linda, grávida, mas vindo a público totalmente abatida e séria em gravação para anunciar o rompimento com o tal Iuri Lima, com quem estava e de quem espera a bebê que se chamará Nala. Motivo: traição. Nossa, que sacana, e foi bem atacado, bastante até para sua inexpressível pessoa, apagado jogador de futebol de segunda divisão – como pôde tal traste ousar trair uma deusa como Iza, como pode, aliás, conquistá-la, tão sem graça? – A dúvida mais comum. Traição, claro, inadmissível, principalmente se tratando de personalidade pública, muito querida, grávida prestes a parir. Mas foi pele com pele o flagra? Não. Foram mensagens trocadas do Iuri com uma ex, e essa ex, tipa daquela linha “tudo por algum sucesso”, resolveu tentar vender a história para um dos maiores fofoqueiros de plantão da imprensa. Teria pedido 30 mil reais pra vazar as conversas. O fofoqueiro, que não é besta nem nada, alertou Iza. E assim todos ganharam milhares de cliques com essa história.
Não estou discutindo, claro, a traição. Mas o seu novo formato. As pessoas se conhecem por aplicativos ou nas redes sociais, onde o botãozinho curtir e coraçãozinho de “amei” é quase igual a aquela piscadela, e quanto mais aparecem, dizem, marcam interesse. Ali mesmo combinam encontros, se seguem em todas as outras, ficam namorando por WhatsApp e aí vai. Vai que também vejo que stalkeiam, seguem, tudo o que o outro faz, e também quem entra nos seus perfis, o que comenta, quando, onde estava. “Quem é essa aí, papai?” – como gritou Ivete lá do palco, no meio de um show, uma vez que de lá avistou umazinha se aproximando do seu marido.
Rola que às vezes vira uma obrigação, prova de amor, anunciar no Facebook estarem em um relacionamento sério. Publicam fotos de tudo o que fazem juntos, presentes, viagens, dias especiais, Dia dos Namorados, então, é obrigatório. Marca a posse. Abrem e fecham acesso aos perfis. Rola ciúmes de fotos – decotes, biquínis, sungas, caras e bocas – e brigas por isso e mais aquilo. Rompem. E lá vem o corre-corre para se bloquearem, apagarem todas as fotos, mudar o tal status de relacionamento. O amor virou mesmo um assunto público. E virtual. Mas mesmo assim extremamente perigoso, por incontrolável, quando chega no mundo real.
Nada me tira da cabeça, inclusive, que o absurdo e visível aumento do número de feminicídios e de violência contra a mulher vem também disso, dessa disseminação de tudo por redes sociais, a necessidade de se mostrar, muitas vezes sobrepondo um relacionamento ao outro. Costumo dizer que o ciúme – e já fui vítima disso, de forma terrível, e antes do advento de tanta tecnologia e formas de contato – é um bicho, estranho, feio, que afeta todos os sentidos de quem o sente, e que torna a quem infecta incapaz de processar o que vê, pensa ou ouve. Faz daquilo que pode não ser nada, um furacão, cria histórias onde elas não existem. Cega. O cérebro constrói e destrói castelos. O que, transferido ao mundo real, com tanta saúde mental abalada como temos visto, transforma-se fácil, fácil, em violência.
(*) Marli Gonçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de “Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também”, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.
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