Por seis décadas, o Brasil se acostumou a parar diante da televisão aos domingos para assistir a Silvio Santos, um ex-camelô e ex-paraquedista que se dividiu entre as atividades de empresário e animador de auditório.
De carisma inquestionável e estilo único, “o patrão” do canal televisivo SBT, líder das “colegas de trabalho” que enchiam “o auditório mais feminino do Brasil” para vê-lo de perto, foi o primeiro a desafiar o poderio da Rede Globo, por acreditar em uma televisão diferente, com maior apelo popular. Silvio Santos morreu neste sábado, em São Paulo, aos 93 anos. O icônico animador de auditório deixa a viúva Iris Abravanel, seis filhas, 14 netos e quatro bisnetos.
De camelô ao “homem do Baú”
Senor Abravanel (o nome de batismo de Silvio Santos) nasceu no dia 12 de dezembro de 1930, na Lapa boêmia do centro do Rio de Janeiro, nas proximidades da Praça da Cruz Vermelha.
O pai, Alberto, era um comerciante judeu sefardita nascido na Grécia, e a mãe, Rebeca, uma jovem de origem turca que emigrou para o Brasil. Viciado em jogo, o pai esbanjava todos os ganhos, obrigando a mãe a se tornar costureira por encomenda para sustentar os filhos. Senor e seus cinco irmãos trabalharam desde cedo para ajudar nas despesas da casa.
A veia de empreendedor se manifestou aos 14 anos, quando se tornou camelô ao notar a margem de lucro obtida com a venda nas ruas. Começou com capas para título de eleitor e canetas, mercado aquecido naquele momento com o fim anunciado do Estado Novo de Getúlio Vargas e a realização da primeira eleição direta para presidente em 15 anos. O garoto chamava a atenção do público anunciando os produtos com truques de mágica, enquanto o irmão Leon ficava de olho no chefe da fiscalização.
Curiosamente, foi o próprio fiscal o primeiro a perceber o talento do jovem Senor e, ao invés de autuá-lo, mandou que procurasse um amigo na Rádio Guanabara. Concorrendo com outros 300 participantes, ganhou o primeiro lugar e foi contratado como locutor, porém, sem abandonar a profissão de ambulante.
Alguns anos depois, durante as viagens de barca entre o Rio e Niterói (onde batia ponto na Rádio Continental), fechou um contrato para instalar alto-falantes na barca e passou a anunciar produtos e tocar música para entreter os passageiros. Além da música e anúncios, na linha Rio-Paquetá foram acrescentados um bar e um bingo animado pelo próprio Senor – que, a essa altura, já se apresentava como Silvio Santos.
Passando uma temporada em São Paulo e trabalhando na Rádio Nacional, conheceu Manoel de Nóbrega (radialista e pioneiro da televisão brasileira, criador e apresentador da Praça da Alegria). O velho Nóbrega, a quem chamava de “meu pai de São Paulo” e amigo próximo até sua morte, em 1976, foi quem ofereceu participação no negócio que seria a grande virada em sua vida: o Baú da Felicidade.
A venda de carnês com pagamentos mensais para a retirada de um produto no final do processo foi a mina de ouro sobre a qual o ex-camelô construiu seu império.
Impulsionados pela propaganda nas caravanas de artistas e shows que Silvio fazia por cidades do interior, os carnês do Baú se tornaram um fenômeno. É dessa época o apelido “peru que fala”, por enrubescer ao cair na gargalhada na frente do público, muitas vezes envergonhado das próprias piadas.
À frente do SBT, nasce o “patrão”
Após a estreia na televisão em junho de 1960 com o programa Vamos brincar de forca, na TV Paulista (futura TV Globo de São Paulo), o já reconhecido Silvio Santos percebeu que seu lugar era em frente às câmeras. Com os dividendos do Baú, comprou duas horas de programação aos domingos na mesma emissora. No dia 2 de junho de 1963 iniciou o Programa Silvio Santos, reconhecido mundialmente pelo livro de recordes Guiness como o mais longevo programa televisivo de variedades de auditório com o mesmo apresentador.
Enquanto o programa abocanhava mais horas da programação dos domingos, a vida empresarial de Silvio Santos se desenvolvia de acordo com as necessidades geradas pelos próprios negócios. Ao notar o potencial comercial da atração, Silvio criou uma empresa de corretagem de anúncios e, em seguida, uma produtora para realizar os comerciais veiculados.
Cumprindo a legislação, abriu uma concessionária de carros para sorteá-los no programa e, pelo mesmo motivo, entrou para o ramo da construção com o objetivo de oferecer casas nos sorteios da televisão.
Assim também nasceu a ideia de ter o seu próprio canal de televisão, motivada pelas dificuldades na renovação de contrato com a Globo. Sobre o assunto, declarou certa vez: “Eu fui dono de televisão porque os donos de televisão fecharam as portas para mim. Quando se fecha uma porta, Deus abre uma janela. (…) Eu não nasci dono de televisão, eu nasci animador de programas, continuaria sendo animador de programas se os homens não fossem tão vaidosos, tão poderosos.”
Em 14 de maio de 1976, estreava sua primeira emissora, a TV Studios (TVS), no canal 11 do Rio de Janeiro, com uma programação baseada em filmes e séries estadunidenses. O programa do dono só estrearia três meses depois, após o término do contrato com a Globo.
O próximo passo aconteceria na década seguinte, com a fundação do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e uma grade de programação recheada de atrações populares. Por muitos anos, a emissora manteria a segunda posição isolada no Ibope, atrás apenas da Rede Globo.
Boa noite Cinderela, Tudo por Dinheiro, Namoro na TV, Qual é a música?, Domingo no parque, Cidade contra Cidade e Porta da Esperança são alguns dos mais de 120 formatos e quadros desenvolvidos pelo “patrão” desde a estreia do Programa Silvio Santos.
Para compor a banca de jurados do Show de Calouros, escolheu figuras que passaram a integrar o imaginário brasileiro, como Pedro de Lara, Sergio Mallandro e Elke Maravilha. Apostou em novos nomes, revelando apresentadores como Gugu Liberato (1959-2019), Celso Portiolli, as apresentadoras infantis Eliana e Mara Maravilha, a atriz e apresentadora Maisa Silva e a filha Patrícia Abravanel que, aos poucos, foi assumindo seu antigo posto na programação dominical.
Reinventou Jô Soares, à frente de um talk show diário, além de dar a Hebe Camargo o título definitivo de primeira-dama da televisão brasileira. A partir dos anos 1990, a popularidade de seus programas de auditório passou a influenciar o estilo de programação dos demais canais. (Com Deutsche Welle)
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