(*) Marli Gonçalves
Jogando fora deveres, adquirindo direitos, criando regras e negando verdades, simplificando os passos, garantindo certezas. O melhor é ser uma história, para que o tempo que passou, e o que virá, se eternizem. Na estrada, outros 50 virão.
Estou aqui tentando frear, mas não consigo. Derrapa. Fez até marquinha de solado no chão. Está chegando mesmo mais uma curvinha de minha vida. Resolvi encarar. A gente vive em décadas, e descasca. Os primeiros 10, chegou no 20, correu para o 30, driblou o 40! 50, Gol! Igual camaleão, só que ao invés de mudarmos de cores, mudamos nossas camuflagens de acordo com outros quinhentos, incluindo os financeiros, para sobreviver. Cortamos os cabelos, cobrimos as tatuagens, piercings e excessos só no fim de semana, engordamos, emagrecemos, grisalhamos e, fundamental, parecemos ouvir: siga o Exército! Perfile-se.
Sou como sou para poder ser um pouco rebelde, sempre quis ter esse direito, que parece os artistas têm, quase uma transgressão permitida e até esperada. É uma espécie de liberdade literária. Se tivesse tido que servir ao Exército, sei não, penso que desertaria. Sempre achei meio absurdo, embora entenda as mulheres que o procuraram. Acho que entendo mais as que procuraram a Marinha (e os marinheiros) ou a Aeronáutica (e os ares).
Hoje, comparando esses anos todos de minhas particularidades, digamos assim, acho que estou melhor. Ou pior, dependendo do ângulo. E da modéstia. Decida você, que eu tenho mais o que fazer de agora em diante. Poderia estar muito melhor, talvez, se tivesse sido mais mansa. Mas se mais mansa tivesse sido, poderia não estar viva, ou não ter o que contar, do que me orgulhar e orgulhar alguém. É tudo mais difícil para quem não é manso, não é casado, não é usual, não é da família real, não tem sobrenome sonoro, não vem de linhagem. Ultimamente as coisas não andam muito simples nem para os morenos e morenas, também. Somos o meio-termo. Qualquer dia quando perguntarem minha cor, responderei: “Meio-termo, sem cotas.” Posição política: “Libertária”. Credo: “Todos”.
Pior, o tempo passa e chegam pesadelos agora povoados por hordas de loiras tomando o mundo de assalto. Já reparou o perigo? Fique de olho aberto. Acordo suando, até meio tonta de ouvir tanta vozinha fina. O perigo é real: viram a passeata que um monte delas fez na Letônia? Aqueles peitões, cabelões, caras e bochechas rosadas, bem desenvolvidas. Todas de rosa. Um pesadelo. E se dispararem mísseis?
Mas, com loiras, com verdes, e até com amarelos assanhados nos impondo o terror, lá vamos nós nesta ladeira da vida. Nunca curti fazer festa, porque na hora não quero ir, quero fazer outra coisa, e aniversário é dia normal, ou de sumir, como tenho amigos que conseguem fazer. Lá vamos nós – cada camada, um balanço. O que fizemos de nossa infância, como foi a adolescência e como saímos dela errando, acertando, batendo cabeça. Decidiu certo? Errado? Emoções que vivi. Vícios que venci. Inimigos que derrubei. Amigos que feri. Corações que parti, tristezas que me moldaram, alegrias que me levantaram. Visões que tive, de um dia melhor, decepções com humanos, castelos desmanchados, príncipes vilões. Lascas arrancadas, cicatrizes. E uma sabedoriazinha qualquer, de troco, que isso é muito bom. E saber que o ídolo, Prince, está na mesma. Será que ele pira nisso?
No circo, malabarista, equilibrista, trapezista, palhaça e domadora. No jogo, as cartas embaralhadas. Pronto, abri as comemorações e espero que elas durem essa década e as próximas, que eu ainda tenho muita curiosidade em saber o que vai acontecer por aqui. Deus me presenteia de vez em quando, de uma forma como se me tocasse, suavemente. Peço a ele apenas espaço para aprender, forças para conseguir, ímpeto para ultrapassar. Já sofri muito e passo por poucas e boas. Nesta passarela já desfilei vestida de baiana, de índia, de operária, de mulher, de travesti, de gueixa e de guerreira. De fada e de bruxa. De trouxa e de esperta. De rainha e de escrava. Conserva, Senhor, meus pequenos bens, meus grandes amores, e que eles jamais me esqueçam, e que eu ainda seja a melhor, a mulher!
Já posso ter vontade de gritar, de dançar, de chorar, de sorrir, de brigar, e de amar. E de esquecer de fazer tudo isso, sem dar satisfação. Você sabe: difícil é não ter crise, que é igual quando a gente cai e raspa o joelho e fica ardendo. Não é assim, fácil, como soprar machucado, passar 50 anos, passar qualquer barreira. Mas, quer saber? Isso já não é mais problema meu. Superei. Passei. Cheguei na boa idéia. Estou em outra. Que venham!
São Paulo, meia-vida, meio ambiente cheio de onda, 2009.
Marli Gonçalves, jornalista, morena. Espero poder ajudar, contando como sinto. Poderia reclamar de muita coisa, mas prefiro dizer que é preciso clamar para que as coisas mantenham graça, mantenham vida. Outro dia estranhei assistir a um show de jazz, de uma diva. Faltou o ar da noite, a fumaça, o dlindlin das pedras de gelo. Que tenhamos academias, mas que preservemos os cabarets. Nem oito nem oitenta. O infinito.
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