Uma campanha muito esquisita

(*) Marli Gonçalves

Acompanho de perto campanhas há muitos anos, já vi de tudo, mas esquisita – quase esquizofrênica – como está essa campanha, especialmente aqui em São Paulo, não lembro. O primeiro turno da campanha municipal se encerrou, depois de polêmicas e pancadarias e com um sujeito muito esquisito e perigoso no meio ajudando a estragar ainda mais.

#spcidadeàstraças. Uma hashtag que uso muito nas fotos que flagro de absurdos que presencio em São Paulo, e parece que ainda vou usar durante muito tempo se depender dessa campanha desvairada que presenciamos. Foi um tal de promessas para lá e pra cá, culminando com um sujeito prometendo, entre outas sandices, teleféricos em favelas, outro, mais barquinhos, a resolução de velhas questões num estalo de dedos como se estas fossem fáceis e só dependessem deles. Um orçamento que certamente é bilionário, sem dúvida, mas que não é tão elástico para viabilizar tantas bondades prometidas.

Os temas realmente não saem, nem conseguem, sair disso, ou seja, tudo o que nos incomoda e que precisamos de soluções, os problemas urbanos: transportes, habitação, saúde, ação social, infraestrutura, mobilidade, segurança, a Cracolândia, o fantasma que anda e agora se divide por todas as regiões, zeladoria. Temo que daqui a quatro anos novamente todos eles estarão de novo na lista, nas urnas de sorteio dos debates, nas próximas promessas. Um looping de não soluções.

Para não dizer que está tudo ruim, tá aí, gostei dos jingles principais. Um sambinha, uma batucada, refrões que dão liga, até dá para mexer o pezinho acompanhando. Pronto. Falei uma coisa boa. Porque as campanhas que foram mostradas na televisão – e nisso o tal Marçal – graças! – não teve espaço, foram testemunhos do poder econômico de um, o que está com a caneta nas mãos, impressionante como Ricardo Nunes teve verba até para a última semana: foi um tal de Ele Fez, Ele faz, ele quer continuar fazendo. Fora os exageros, ora, se ele é o prefeito tinha mais que ter feito mesmo pelo menos alguma coisa – mas o que faltou fazer, os erros, foi o mote dos adversários, campanhas bem mais modestas. Não houve harmonização facial que resolvesse a tentativa de lhe dar mais carisma e credibilidade, nem as companhias, especialmente a do atual governador (aliás, todo o Estado de São Paulo deve estar ótimo, porque o Tarcísio dedicou bom tempo de sua gestão para lhe empenhar apoio, desafiando até o seu criador, Bolsonaro).

As campanhas de Boulos, Tabata, Datena (a tal Marina Helena é fora de questão, só tem pose) seguiram o mesmo script. Mas Boulos mostrou sua vice, Marta Suplicy. Tabata aqui e ali lembrou da sua, Lúcia França, esposa do ministro Márcio França, e do partido. Parou aí. Datena tem como vice o antipático José Aníbal, que nos lembra só a decadência do PSDB e tucanos. Marçal, não lembro de ter ouvido uma só vez falar da sua vice, mostrá-la, aliás já mostrou, sim, mas o quanto despreza todas as mulheres. É Antônia de Jesus, negra, pastora e policial, que qualquer hora a gente descobre exatamente como foi parar lá e para o que serve, além de ter sido anunciada com chá revelação, todo rosinha. Nunes tem um coronel aposentado da Polícia Militar Ricardo de Mello Araújo que só vi aparecendo diante do prédio da Rota vociferando ameaças. Adora um verde e amarelo, bater no peito de patriota, direita tipo 8 de janeiro.

Esqueceram seus vices? Nunes está aí só por ter sido vice de Bruno Covas, bom lembrar.

O marketing político que já foi tão interessante, mesmo quando “vendia” sujeitos como Maluf, parece realmente em crise. Não há mais grandes nomes que se destaquem, grandes sacadas, slogans criativos. Os concorrentes aparecem vindos da periferia, pobres, locais que conheceram há muito tempo, as desgraças que visitam, agora vencedores com boas intenções: tornando de alguma forma todos iguais, acabaram abrindo o espaço para o surgimento e crescimento do engomado e perigoso do boné, o provocador da cenográfica mãozinha engessada, falando estultices embaladas para presente e prometendo o Éden da riqueza, manipulador das redes digitais.

Realmente não é de admirar, mas de temer, que estejamos agora com o coração nas mãos, e um empate triplo nas pesquisas. O Brasil dividido e a maior cidade do país repartida em três.

(*) Marli Gonçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de “Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também”, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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