Golpe do golpe

(*) Gisele Leite

Quando fora concluído o relatório da Polícia Federal, em novembro de 2024, que resultou no indiciamento do ex-presidente da República, da extrema-direita e também de muitos de seus seguidores por tentativa de golpe e mais outros crimes igualmente graves.

Há quem contabilize sete golpes de Estado, outros, porém, apontam nove… “Se um golpe de Estado é definido como subversão da ordem institucional, então, podemos afirmar que, no período aqui abordado (de 1822 até os dias atuais), tivemos pelo menos nove golpes no Brasil.”

O atual Procurador-Geral da República passou por provação pois questionava-se se teria as mesmas tendências de seu antecessor. A denúncia conta com duzentas e setenta páginas que endossam todas as revelações arrecadadas pela Polícia Federal e ainda solicitar a prisão de trinta e quatro investigados, incluindo-se a do ex-Presidente da República.

Em si, a denúncia já representa um marco histórico e arrastará muitos militares e policiais para o banco dos réus que terão que prestar contas de sua participação nos atentados contra a democracia.

Há uma lauta fartura de provas e, não apenas a delação premiada de Mauro Cid, o que nos envergonha, pois como isso tudo aconteceu tão invisivelmente. A impunidade não pode ser o resultado.

Enfim, a peça acusatória não nos trouxe surpresas, exceto da exclusão de alguns, como Valdemar Costa Neto, atual presidente do Partido Liberal (PL) que apresentou uma mentirosa contestação às urnas eletrônicas, logo depois do segundo turno de 2022, apesar de ter sido indiciado pela Polícia Federal.

Tal fato não garante que sairá lépido e fagueiro, além de ileso. Pois, o Procurador já alertou que não descartou apresentar novas denúncias. A maior das esperanças dos bolsonaristas é que o Congresso Nacional venha aprovar uma anistia.

Durante uma operação de busca e apreensão na sede do Partido Liberal (PL), a Polícia Federal encontrou um documento que seria roteiro de perguntas e respostas relacionado à delação de auro Cid. O referido material situava-se na mesa do coronel Flávio Peregrino, que era assessor de Braga Netto na época.

O ex-Presidente é apontado na denúncia como principal líder, ao lado do General Braga Netto (que está preso desde dezembro de 2024), e praticou os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, ⁠⁠golpe de Estado, ⁠⁠dano qualificado pela violência, deterioração de patrimônio tombado e organização criminosa. Somadas, as penas máximas podem passar de quarenta anos de prisão, caso todos os crimes resultem em condenação. Ressalte-se que, em verdade que penas máximas quase nunca são aplicadas.

A denúncia descreveu as diversas maneiras pelas quais o ex-presidente agiu para tentar materializar o golpe de Estado, sua atuação foi de um líder carismático e populista. Cumpre ressaltar que desde a pandemia de Covid-19, Bolsonaro vinha se desentendendo com o Ministro do STF Alexandre de Moraes, cujo ápice culminou com o discurso feito no Sete de Setembro de 2021.

Com a quebra de sigilo sobre o texto da delação e sobre os áudios e vídeos de Mauro Cid que confessou toda a trama e, ainda, um plano chamado ‘punhal verde e amarelo’ e outro “operação Copa 2022”. Além de bizarros, tais planos eram de violência visceral.

Frise-se que como líder supremo das Forças Armadas, reuniu a cúpula militar para expor o plano de romper com a ordem constitucional; como residente do Palácio da Alvorada, e lá realizou pronunciamentos contra as urnas e sediar reuniões que trataram do golpe, ainda deu cargos de prestígio a militares dispostos a executar as trapaças, a começar por Mauro Cid; como titular privativo das relações internacionais brasileiras, convocou embaixadores para desacreditar mundialmente o sistema eleitoral brasileiro, tudo em benefício da fraude que pretendia cometer.

A Polícia Federal chegou a tais conclusões com base em vídeos, registros de entrada e saída dos palácios, logs de acesso a sistemas, mensagens recuperadas de WhatsApp, arquivos apreendidos em computadores e celulares.

Vige uma intensa ironia pois Bolsonaro exerceu a Presidência da República se nutrindo da ilusão ou crença de que as redes e a internet iriam libertá-lo da liturgia do cargo, e, no final, vieram destas as provas que podem, logo em breve, levá-lo à condenação e, ipso facto, para a prisão. Mas, Bolsonaro já alertou que para fugir do país, não precisa de passaporte que, aliás, se encontra retido.

Sobre a minuta do golpe que fora apresentada ao então Comandante do Exército numa reunião no Palácio da Alvorada em 7 de dezembro de 2022 e que fora apreendida depois com tenente-coronel Mauro Cid, onde era decretado o estado de sítio e a Operação de Garantia da Lei e da Ordem. Martins foi responsável por realizar a leitura dos fundamentos jurídicos da dita minuta.

In litteris, íntegra da minuta golpista: “Ordem e Progresso: o lema de nossa bandeira requer nossa constante luta pela “segurança jurídica” e pela “liberdade” no Brasil, uma vez que não há ordem sem segurança jurídica, nem progresso sem liberdade.

A Constituição Cidadã, reúne normas gerais favoráveis à “segurança jurídica” e à liberdade da sociedade brasileira na medida em que direitos e garantias (como o direito à vida, a liberdade e a igualdade), princípios fundamentais (como o devido processo legal, o contraditório e a imparcialidade) e remédios constitucionais (como o Habeas Corpus ou o Habeas Data) foram criados pelo Constituinte em linha com os interesses de todos os membros da sociedade brasileira”.

Em grande parte das querelas e julgamentos a serem produzidos pela Suprema Corte já foram enfrentados pelo tribunal, sobretudo, após oito de janeiro e, as tradicionais defesas arguidas tais como acumulação abusiva de acusações, dosimetria da pena pesada, competência excessivamente ampliada da Suprema Corte e, a parcialidade do Ministro Alexandre de Moraes, formam críticas que já obtiveram as fundamentadas respostas do STF e não trazem resultado favorável para os acusados.

O principal desafio de todo Judiciário brasileiro e, quiçá do STF é fazer enxergar os brasileiros que nos julgamentos há e haverá o exercício de jurisdição justa, técnica e imparcial, tendo respeitado o amplo direito de defesa e o contraditório, além, naturalmente o devido processo legal.

Uma pergunta perturbadora nos aflige: Por que não deu certo? Creio que aconteceu um golpe dentro do golpe. Enfim, o golpe de Estado não se consumou graças a resistência dos comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes e o da Aeronáutica, Carlos Baptista Júnior. Afinal, ninguém pretendia, principalmente aos militares mais graduados, que um militar de carreira medíocre inaugurasse uma nova ditadura militar.

Referência:

MAFEI, Rafael. O Golpe na Marca do Pênalti. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/golpe-bolsonaro-denuncia-pgr Acesso em 21.2.2025.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

As informações e opiniões contidas no texto são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo obrigatoriamente o pensamento e a linha editorial deste site de notícias.

Se você chegou até aqui é porque tem interesse em jornalismo profissional, responsável e independente. Assim é o jornalismo do UCHO.INFO, que nos últimos 20 anos teve participação importante em momentos decisivos do País. Não temos preferência política ou partidária, apenas um compromisso inviolável com a ética e a verdade dos fatos. Nossas análises políticas, que compõem as matérias jornalísticas, são balizadas e certeiras. Isso é fruto da experiência de décadas do nosso editor em jornalismo político e investigativo. Além disso, nosso time de articulistas é de primeiríssima qualidade. Para seguir adiante e continuar defendendo a democracia, os direitos do cidadão e ajudando o Brasil a mudar, o UCHO.INFO precisa da sua contribuição mensal. Desse modo conseguiremos manter a independência e melhorar cada vez mais a qualidade de um jornalismo que conquistou a confiança e o respeito de muitos. Clique e contribua agora através do PayPal. É rápido e seguro! Nós, do UCHO.INFO, agradecemos por seu apoio.