(*) Ucho Haddad
Escrever sempre me proporcionou prazer. Nos últimos tempos, porém, escrever tornou-se quase um pesadelo, principalmente porque jornalismo profissional, com base na verdade dos fatos e longe do sensacionalismo, vem perdendo espaço cada vez mais.
Há mais ou menos 25 anos, fui alvo de uma patrulha de sindicalistas que discordavam das críticas que fazia, como ainda faço, ao governo de então. Sempre críticas consistentes. Na esteira de ameaças pífias e ineficazes, os detratores acusavam-me de ser falso jornalista e, em razão de não ter diploma universitário, desconhecer o significado da palavra ética.
Já escrevi várias vezes sobre o tema. Volto à carga porque é inaceitável a qualidade de muitas matérias publicadas por grandes jornais e portais de notícias.
O Brasil vive um processo de polarização político-ideológico que, ao que parece, não terminará tão cedo. Isso porque oponentes se valem de detalhes rasteiros e picuinhas para fazer tempestade em copo d’água. Pouco importa a informação de qualidade e os interesses do País, desde que uma notícia típica de folhetim de quinta categoria seja capaz de acionar a roda da fortuna.
Qualquer jornalista minimamente responsável sabe, creio, que o processo de compra de produtos e serviços por parte de entes públicos nem sempre acompanha os preços de mercado, quem em tempos de crise é marcado por ofertas de todos os naipes.
Matéria publicada no portal UOL afirma que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aprovou, em 2024, a compra de móveis escolares por preço 50% maior do que o praticado pelo mercado. Tal matéria me obriga a ressuscitar na memória a polêmica envolvendo a compra de bicicletas pelo Ministério da Saúde, no governo Collor.
À época dos fatos, o ministério era comandado por Alceni Guerra. As bicicletas seriam utilizadas por agentes sanitários em visitas a comunidades distantes dos grandes centros. Alceni caiu porque uma grande empresa de comunicação aceitou a argumentação torpe de um jornalista que, vivendo entre pompas e circunstâncias em Brasília, elegeu o ministro como alvo da vez. Alceni tem o Paraná como reduto político, o vencedor da licitação das bicicletas (Casa do Pedro) era de Curitiba.
Em processo de licitação ou de tomada de preços, dificilmente o valor do produto ou serviço equivale ao do mercado. A razão para essa diferença está nas exigências – não são poucas – para fornecer ao Estado, além da necessidade de saúde financeira para suportar atrasos nos pagamentos.
Se no âmbito da compra dos móveis escolares há sinais de eventual corrupção, o melhor a fazer é adiar a publicação da matéria jornalística e, com o pé na estrada, investigar o caso a fundo. Qualquer matéria precipitada e sem desfecho funciona como alerta para quem eventualmente está agindo de maneira ilícita.
Outra matéria desprovida de bom-senso foi publicada pelo jornal “O Globo” – replicada pelo “Estadão” – e foca na advogada Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, do STF. De acordo com a matéria, o nome de Viviane Barci consta em processos do Banco Master, que vendeu a “parte boa” da instituição para o Banco Regional de Brasília, o BRB. O polêmico negócio é alvo de questionamentos dos mais diversos e de investigação do Ministério Público.
O fato de Viviane Barci de Moraes representar o Banco Master em demandas judiciais nada significa. Para quem tem a mente fértil e chega ao êxtase quando o “circo pega fogo”, esse assunto é o que popularmente conhecemos como “prato cheio”.
Desconheço a existência de lei que proíbe cônjuges de juízes de manterem alguma atividade profissional. O mantra “bela, recatada e do lar” é coisa de um passado distante, devaneio de quem tem a mente ocupada por questões menores, rasas, que se dedica aos chamados “mexericos”.
Há no STF ministros cujos cônjuges estão à frente de grandes e disputados escritórios de advocacia, inclusive em casos que tramitam na Corte. Caso comprovado favorecimento ou tráfico de influência, é melhor investigar com responsabilidade, mas sem dó e piedade. Qualquer ministro que eventualmente se encaixa nessa situação tem o dever ético e moral de se declarar impedido de julgar ou relatar processo em que o cônjuge atua como advogado. Isso também vale quando julgador tem alguma relação, mesmo que transversa, com uma das partes. É o que espero, é o que manda a coerência.
Aproveitando que a ordem do dia no jornalismo nacional está calcada na venda do Banco Master e na atuação profissional da esposa do ministro Alexandre de Moraes, lembro que Flávio Bolsonaro financiou no BRB, com condições muito além de vantajosas, a compra de uma mansão em Brasília. Como se mágica fosse, o primogênito do réu por golpismo quitou o financiamento da noite para o dia, alegando ter obtido recursos atuando como advogado. Bom seria se algum jornalista garimpasse nos tribunais se o nome do senador consta de processos judiciais.
Minha preocupação reside no fato de que informações dessa natureza servem para nada, ou melhor, servem apenas para turbinar as maledicências do dia e fermentar a polarização. Notícias falsas formam o chamado senso comum, matérias vazias ou inconclusas servem para alimentar borbulhas de ódio. Ambos os casos serão explorados ao longo de mais alguns dias, para depois despencarem no abismo do esquecimento. Até lá, a caixa registradora há de suar de tanto trabalhar.
Reforço que escrever atualmente é algo cansativo, mas continuo acreditando que o jornalismo sério e responsável é a tábua de salvação de uma nação à deriva. Não faço jornalismo de aluguel, não hesito diante dos fatos, não tenho vocação para gazeteiro de camelô. Também não tenho político de estimação. Meu compromisso primeiro é com a verdade dos fatos.
Mesmo cansado, tenho a consciência tranquila em relação ao meu papel como jornalista. Gostem ou não, faço jornalismo como manda o figurino, abomino lacrações e outros bamboleios.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, fotógrafo por devoção.
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