Cobrado pela falta de espetáculo, Messi transformou-se em escudo para o deslumbrado Neymar

    (*) Ucho Haddad –

    O meu primeiro contato mais intimista com o futebol ocorreu em 1966, por ocasião da Copa da Inglaterra. Antes disso eu apenas chutava a bola no fundo do quintal de casa. Coube à minha finada e saudosa avó materna me apresentar ao esporte que com o passar dos anos se aproximou perigosamente do mundo dos negócios. Naquela época, ouvi pela primeira vez que futebol e política eram assuntos que não deveriam ser discutidos. Confesso que nada compreendi daquilo que me foi falado por aquela esguia, elegante e contundente senhora, mas hoje reconheço que minha avó foi profética.

    Certa feita, o genial e polêmico Nelson Rodrigues vociferou a frase “a seleção é a pátria de chuteiras”. Mesmo com muitos especialistas no esporte bretão discordando dessa teoria, creio que o Brasil dos dias atuais e a seleção verde-loura são sinônimos, para não afirmar que são irmãos siameses. A falta de vigor dos brasileiros para reclamar do que acontece no País e na seleção chega a assustar até mesmo o mais alienado dos seres humanos. No contraponto, endosso os discordantes de Nelson Rodrigues em apenas um quesito. Há muito que o brasileiro desconhece o significado de pátria. Sendo assim, sem pátria não pode haver seleção, e vice-versa, segundo Nelson Rodrigues.

    O tempo passou depois da Copa da Inglaterra e percebi ao longo desses últimos 45 anos que o futebol se transformou em uma farsa muito bem remunerada. Com o advento do marketing esportivo – algo que de cara não me convenceu – muitas foram as armações que com o apoio da mídia conquistaram a opinião pública, cuja consciência se deixou anestesiar por frases feitas e invencionices das mais distintas.

    Não faz muito tempo, aluem achou por bem endeusar o atacante Robinho, à época ainda jogando no Santos Futebol Clube. Depois de algumas circenses pedaladas durante partida contra o Corinthians, na Vila Belmiro, Robinho foi irresponsavelmente comparado a Pelé. Um atentado contra o maior gênio do futebol em todos os tempos. Há quem diga que sou um saudosista, mas quando o assunto é futebol não me furto o direito de sentir um aponta de nostalgia quando me lembro das jogadas mágicas do Atleta do Século. E todo esse “mise em scène” à volta de Robinho serviu apenas para turbinar o valor do passe do atleta, que desembarcou no Velho Mundo para contrariar aqueles que o compararam a Pelé. E por questões óbvias essa maracutaia, que na verdade é uma ode à mitomania, uniu o esporte e alguns representantes midiáticos e envolveu cifras milionárias. Ou seja, nessa brincadeira todos ganharam e continuam ganhando.

    Há dias, conversando com um rapaz – diria que é um quase senhor – com quase quarenta anos, pude perceber a virulência desses ícones do jornalismo verde-louro que vez por outra se dedicam a transformar em gênio da bola o primeiro galhofeiro com chuteira que aparece pela frente. O meu interlocutor, que admitiu jamais ter visto o mago Pelé com a bola no pé, confessou ser fã incondicional do garoto Neymar, que recentemente também foi comparado a Edson Arantes do Nascimento. No caso de Neymar, o esquema de marketing montado para promovê-lo foi tão acintoso, que uma revista semanal cometeu a insanidade de anunciar na capa que o Brasil enfim tinha um jogador da linhagem de Pelé. Reportagem que contou, inclusive, com foto do atacante do alvinegro praiano ostentando uma coroa.

    Desde que pisou em solo argentino para disputar a Copa América na condição de titular da seleção brasileira, Neymar continua devendo aos torcedores uma atuação minimamente convincente. De olho nos cofres do Real Madrid, que sonha em ter o atacante, Neymar tem se dedicado a manter em pé o seu penteado moicano, como se esse detalhe pudesse mudar o resultado de um jogo qualquer.

    Muito estranhamente, a imprensa brasileira tem encontrado tempo e espaço para cobrar de Lionel Messi um desempenho à altura do Barcelona, clube que deu ao argentino a possibilidade de ser eleito o melhor jogador do mundo da atualidade. Enquanto Messi está na berlinda midiática, alguns jornalistas brasileiros, que trocam a consciência por um punhado de dinheiro, preferem fingir que Neymar não existe. E quando são obrigados a criticar o jogador, o fazem apenas para não perder o bonde da história ou, então, para deixar evidente a venalidade que cada um carrega.

    Quando Cristiano Ronaldo naufragou com a seleção portuguesa na África do Sul, durante a Copa do Mundo de 2010, a imprensa brasileira creditou o fracasso à vaidade do atacante do Real Madrid, sempre preocupado com a aparência e o penteado. Algo que Neymar sabe imitar com competência invejável.

    Após dois empates pífios na Copa América, o treinador Mano Menezes, pressionado pelos veículos de comunicação da nossa tresloucada Terra de Macunaíma, disse, ao tentar explicar uma eventual mudança na escalação do onze canarinho, que “todo mundo é absolutamente titular e ganhador”. O primeiro a sair deve ser Robinho, que ganhou fama e dinheiro por conta de meia dúzia de pedaladas ridículas. Neymar logo mais descobrirá que corte arrojado de cabelo não muda o placar do estádio. E não será novidade alguma se o jovem jogador do Santos FC, em algum momento, vislumbre a realidade a partir do banco de reservas.

    E se todos são vencedores, como disse Mano Menezes, que alguém coloque as chuteiras nos pés da pátria, pois em algum momento Nelson Rodrigues retornará à voga.