(*) Ucho Haddad –
Quem foi ao cinema para ver “A Dama de Ferro” por certo buscou o prazer de contemplar mais um espetáculo de competência de Meryl Streep, a atriz norte-americana escolhida para protagonizar na telona ninguém menos que Margareth Hilda Roberts Thatcher, ex-primeira-ministra da Grã-Bretanha.
A preciosidade da escolha recai sobre um detalhe que pode passar ao largo da atenção dos amantes do cinema. Thatcher e Streep têm no currículo um ponto em comum: a obstinação. Competentes, cada qual em sua seara, Margareth e Meryl seguiram o caminho dos respectivos ideais, da vocação. Passados os primeiros minutos, a mágica do filme se revela de forma quase imperceptível. Sai de cena a magistral Meryl Streep, que levou milhões de terráqueos aos cinemas do planeta, para dar lugar à primeira mulher a comandar o governo no sisudo reino dos Windsor e que provocou ira em muitos estadistas ao redor do globo. Essa metamorfose é a resposta para a décima sétima indicação da atriz ao prêmio máximo do cinema mundial.
Alguns críticos têm tentado minimizar a atuação de Meryl no papel de Margareth Thatcher, mas tudo não passa de operação mal orquestrada para desinflar a conquista do prêmio de melhor atriz. Cinema é negócio milionário e, como tal, tem nos bastidores pílulas de sordidez. Um prêmio como o que Streep deve conquistar normalmente turbina a bilheteria de uma produção, neste caso impecável. E desqualificar o concorrente é a arma dos que não sabem perder.
O preciosismo com que Meryl Streep leva Thatcher à tela chega a impressionar, mas há em “A Dama de Ferro” ingredientes interessantes e com reflexos na atualidade. Descendente de britânicos, Meryl, no papel de Margareth Thatcher, em dado momento vocifera uma frase da conservadora ex-primeira-ministra. Que medidas impopulares não agradam os frequentadores do presente, mas certamente serão reconhecidas pelas gerações futuras. A fala de Margareth Hilda Thatcher estava ancorada na sua tentativa de erradicar a ação nociva dos sindicatos de trabalhadores britânicos, que levaram o país a um retrocesso econômico preocupante.
Contudo, tal declaração se faz ainda mais lógica quando o filme aborda a decisão da ex-chefe de governo de não aderir à União Europeia, algo que nos dias atuais tem beneficiado os britânicos, que sentem com menos intensidade o impacto da crise que chacoalha o Velho Mundo. No momento em que decidiu não embarcar na teoria da moeda única, o que foi acertado, Thatcher foi duramente criticada por muitos estadistas que firmaram o agora vintenário Tratado de Maastricht, mas os britânicos devem agradecer à lucidez e à visão futurista da senhora que hoje luta contra o Mal de Alzheimer.
Outra mensagem importante de “A Dama de Ferro” tem a disputa pelas Ilhas Falklands (Malvinas para os argentinos), tema que novamente agita o mundo da diplomacia internacional. Enquanto os britânicos enviam suas naus beligerantes para o Atlântico Sul, a Casa Rosada insiste em recuperar o arquipélago. O desfecho desse novo entrevero pode ser antecipado em um trecho do filme, no qual a então primeira-ministra ordena aos seus comandados o afundamento do cruzador argentino General Belgrano.
Se Margareth Thatcher acertou ao não inserir o Reino Unido na União Europeia, evitando que os súditos da rainha saíssem novamente às ruas protestando contra medidas impopulares, a atriz Meryl Streep faz um alerta sobre o desfecho de nova disputa por um pedaço de terra no meio de águas marítimas.