(*) Ucho Haddad –
Escrever tornou-se aos poucos uma obsessão, vício que jamais quero largar. Essa relação de intimidade com as palavras começou há muito tempo, quando sequer imaginava que um dia me dedicaria à escrita com tanta devoção. Tudo surgiu da imagem, da fotografia, arte da qual sou devoto confesso. Certa feita fui obrigado a dividir o tempo entre os cliques da minha velha Rolleiflex e os “cleques” de uma máquina de datilografar encostada na redação. Os “cleques” começaram a soar com mais frequência que os cliques. Não teve jeito, era uma questão de sobrevivência. E lá se foram os “cleques”, muitos deles, milhões, “zilhões”… Foi então que me descobri jornalista, ofício que até hoje exerço com paixão e prazer, sinais sempre evidentes em cada sílaba que grafo.
Fotografar continua sendo um afago na alma, um momento de introspecção, um jeito diferente de anotar a vida. Escrever é o ar que respiro, é a garantia do amanhã, é a dieta da consciência, é o prazer da realização. Há quem diga que a vida é cíclica, um carrossel em que fatos se repetem sem cerimônia e qualquer aviso. Não faz muito tempo resgatei uma situação do passado, do início da minha carreira profissional. Consegui mais uma vez conciliar a crença no jornalismo com a paixão pela fotografia. Continuo escrevendo como nunca, não mais com a encostada máquina de datilografar, e retomei a fotografia com carinho redobrado, também não mais com a velha câmera.
Sem alternativa, a vida acabou por se misturar ao ofício e vice-versa. Virou uma coisa só, com pé e cabeça, com começo, meio e fim. Com fatos, imagens, notícias e letras de sobra. Nesse coquetel do impossível encontrei obstáculos diversos. Transformei dores pontuais em analgesias duradouras, erros particulares em acertos altruístas. De minúsculos detalhes extraí inspirações grandiosas, da parte relegada fiz o todo desejado. Nessa longa missão como “troca-letras”, distintas foram as situações que enfrentei. Diante de algumas fui contemplativo, cauteloso, às vezes medroso. Diante de outras agi como kamikaze da informação, ultrapassei a última fronteira do perigo, existi sob o manto do “tudo ou nada” como se estivesse no front de batalha derradeira. Em algumas ocasiões fui obrigado a me equilibrar na ponta da agulha, em outras atuei como intrépido espadachim.
Ao longo de mais de três décadas de convivência com as palavras, li, ouvi e vi de tudo um pouco. De cada pouco fiz uma notícia diferente, verdadeira, com a minha cara. Nem sempre inusitada, mas longe da mesmice alheia. Noticiei com a singeleza do poeta, rimei com o compromisso do jornalista. O tempo passou, a prudência foi ocupando lentamente o lugar da ousadia, mas continuo não me rendendo ao desmando alheio. O destemor de antes alcançou a temperança da maturidade. A justeza ao noticiar ganhou força, cresceu e transformou-se em alvo maior, de todos os dias, de todos os momentos, de todas as notícias, de uma vida, de uma história. Nesses anos, que não voltam, tornei-me ainda mais reflexivo, o que possibilitou lapidar o viés da crítica, manter a coerência, ajustar a mira da caneta, reforçar a contundência.
Há mais de uma década fui obrigado a tomar difícil decisão. Deixar os Estados Unidos para me juntar à equipe do saudoso embaixador Sérgio Vieira de Mello no longínquo Timor Leste ou voltar ao Brasil para brigar pelo meu país. Escolha complexa, pois na alma existia uma quase obrigação de dedicar-me aos mais necessitados, algo facilmente explicado pelo fato de ter vencido difícil prova da vida. Minha foi a atitude de retornar à terra natal, do Criador decerto foi a decisão que me trouxe de volta. Homem de fé inabalável, parti para a nova missão ciente de que o futuro seria pouco sombrio.
Aqui instalado mais uma vez, senti a necessidade de transferir à prática o aprendizado teórico a que tive acesso nos anos em que estive longe da pátria. Tão ousada quanto abusada, a ideia era passar o Brasil a limpo. Maior do que a possibilidade, a vontade de interromper o status quo prevaleceu naquele momento. Era preciso dar um basta com mais firmeza e convicção. De muitos incautos ouvi que se tratava de projeto absurdo, que daria em nada, que era impossível mudar o que se tornara definitivo. Que era tudo uma grande loucura. Assim, dentro da “camisa de força” que me ofertaram, toquei adiante o meu hospício particular.
Por não dar ouvidos a esses críticos de ocasião, minha crença no possível foi galgando a escada da pujança. O desejo de acertar foi tamanho, que, como se fila fosse, os fatos entabularam uma sequência que desistir tornou-se impossível. Em alguns momentos os golpes adversários foram verdadeiros nocautes, mas como Fênix ressurgia das cinzas. Voltava com mais força, mais gana, mais vontade de acertar e de mudar.
Onze anos se passaram, mas parece que tudo aconteceu dias atrás. Em 17 de julho de 2001, quando surgiu oficialmente o que em seguida tornar-se-ia o ucho.info, reforçada estava a minha convicção sobre a dureza do caminho a ser percorrido. Assim foi, assim continua sendo. Ao mesmo tempo não imaginei que pudesse ir tão longe. Nesse período enfrentei de tudo um pouco. Ameaças que ficaram no discurso, outras que se consumaram. Ataques levianos, intimidações sórdidas. Armadilhas aos bolhões, privações de toda ordem. Julgamentos, atentados, sequestros, ameaças, condenações, perseguições. Tentaram comprar meu silêncio, ousaram calar minha consciência. Resisti a tudo e a todos, tornei-me refém de um ideal.
O projeto de outrora é uma inquestionável realidade, respeitada e temida até pelos inimigos e adversários. O que pode ser considerado como o melhor dos prêmios. O objetivo foi e continua sendo escrever como forma de defender o Brasil e os brasileiros, sem jamais perder a coerência e a clareza do pensamento. Críticas colecionei nesses vastos anos, pois impossível é agradar aqui e acolá. Ganhei hordas de inimigos, conquistei legiões de adeptos. Mereci orações fervorosas, fui alvo de despachos inócuos. Acenderam-me velas, dedicaram-me maus agouros.
Dias atrás, ao me dar conta de que o ucho.info completaria onze anos, lancei mão de um “ufa” suspirado e mais longo. Espécie de pausa merecida para rearranjar a coxia e seguir adiante. Consciência tranquila é o despertador de cada dia, sensação do dever cumprido é o ninar de todas as noites. Fiz o que pude, fiz o que fiz até então sem arrependimento algum. Começaria tudo outra vez, se preciso fosse, pois sei que, mesmo merecendo, não posso parar. Só cruzarei os braços diante dos fatos quando a vida chegar ao seu posfácio. E isso depende do Senhor. Que a despedida, quando acontecer, seja inevitavelmente como a minha estreia no mundo das letras, entre um “cleque” e um clique, pois assim existi e quero ser lembrado, como um apontador incansável dos detalhes da vida.
Obrigado a todos os que permitiram esses onze anos do ucho.info. Obrigado a cada um que enxergou no meu sonho uma realidade possível. Obrigado a todos que vieram para ficar. Obrigado a cada um que por aqui passou. Obrigado a todos que torceram a favor. Obrigado a cada um que torceu contra. Obrigado a todos que criticaram. Obrigado a cada um dos que fizeram do ucho.info “A MARCA DA NOTÍCIA”. Obrigado a todos, obrigado a cada um. Por tudo, por todos, por cada um. Ontem, hoje e sempre, obrigado!