(*) Ucho Haddad –
No costumeiro café da manhã de final de ano com os jornalistas que cobrem o dia a dia do Palácio do Planalto, ocorrido na quinta-feira, 27 de dezembro, a presidente Dilma Rousseff disse aos profissionais de imprensa que em 2013 a economia brasileira crescerá muito mais. É verdade que nesta época do ano as pessoas ficam mais sensíveis e renovam suas esperanças, mas enganar o povo dessa maneira e mais uma vez é no mínimo um ato de covardia. É preciso responsabilidade e coerência quando planejamos as nossas próprias metas, como para o ano vindouro, por exemplo. Em termos comparativos, ignorar a realidade e ultrapassar os próprios limites é como prometer a si mesmo escalar o Monte Everest se você tem medo de altura, vertigem ou sofre de labirintite. A probabilidade de que isso fique na promessa é tão grande quanto a de uma tragédia, caso o desafio seja levado adiante. Superar é preciso, mas com a devida parcimônia.
Atendendo à sugestão da leitora Cristina Benevides, analiso a realidade da economia brasileira, assim como comento de maneira pontual a crise europeia, a partir da entrevista concedida pelo economista Kenneth Rogoff, professor da Harvard University, ao jornalista Jorge Pontual.
Confesso que em nenhum momento da entrevista fui surpreendido pelo professor da conceituada universidade, pois Kenneth Rogoff disse ao jornalista brasileiro exatamente o que penso e venho escrevendo há anos. Não se trata de profecia da minha parte ou bola de cristal, mas apenas a certeza de que estou no caminho certo do pensamento e da razão. Rogoff, assim como e eu outras pessoas ao redor do mundo, analisa a economia e seus pedúnculos com pensamento lógico e sem qualquer espaço para devaneios.
Embalada pelo messianismo de Lula, a presidente Dilma continua acreditando que é possível dirigir o Brasil com o planejamento passando a léguas de distância. E o planejamento a que me refiro é o de longo prazo. Kenneth Rogoff começou destacando um ponto crucial. O governo brasileiro fez a lição de casa e criou o que os economistas chamam de “macroestabilidade”. O que isso significa? Que as mudanças econômicas necessárias para colocar o Brasil na rota do crescimento foram implementadas há anos, por Fernando Henrique Cardoso, e seguidas à risca por Lula, o que deu ao mercado financeiro internacional confiança para apostar no País. E permitiu a Lula flanar, mesmo que por fidalguia alheia, nas alturas de uma aprovação popular duvidosa. Esta opinião é minha, não de Rogoff.
Contudo, o Brasil precisa não apenas continuar fazendo a lição de casa, mas acelerar a feitura da tarefa para recuperar o tempo perdido, se é que a atual situação econômica permite essa celeridade. No começo de 2009, Lula disse que a crise financeira internacional que surgiu no vácuo do “subprime” norte-americano não atingiria o Brasil. Fanfarrão como sempre, Lula chegou a dizer que por aqui a crise chegaria como “marolinha”. E por questões óbvias o estrago foi maior do que previu o então presidente, na verdade, foi, sim, um tsunami que provocou maremotos em várias economias, inclusive na nossa.
“Isso não vai nos atingir. Fizemos nosso dever de casa, estamos em terreno firme, desta vez é diferente. “Certo?”, disse Lula à época. “Nós não vamos ser atingidos. Nós vamos crescer”, completou o ex-metalúrgico.
O Brasil cresceu em 2010, no rastro da redução temporária da carga de impostos para alguns setores da economia e do desejo reprimido de consumo de uma enorme parcela da sociedade, que foi às compras de forma desbaratada e sem pensar no futuro. Foi o suficiente para Lula acreditar que era a reencarnação de Messias, vendendo aos incautos do mundo uma bolha de virtuosismo que começa a estourar, causando sérios danos ao País.
Três anos se passaram e agora o Brasil enfrenta uma crise econômica preocupante, cuja culpa o PT tenta colocar no colo do turbilhão que chacoalha a União Europeia há algum tempo. Até porque, como sempre afirmo em meus textos, os petistas são tomados por insuportável soberba e creem que jamais erram. De nada adianta se agarrar a desculpas esfarrapadas, quando o verdadeiro culpado está no quintal de casa. Há um conjunto de fatores que transformam o Brasil em um Estado paquidérmico, que a continuar assim rumará na direção da letargia econômica e continuará sendo alimentado pelo soro do fiasco.
Não existe fórmula mágica para estimular a economia quando a carga tributária beira a casa dos 40%, sem a devida contrapartida por parte do governo, que deixa de fazer os investimentos necessários para que a engrenagem continue rodando. É utopia de economista incompetente querer rodar a economia em um cenário em que dois quintos da riqueza produzida anualmente no país tenham origem na cobrança de impostos. E o que deveria diminuir com o tempo, só faz crescer.
De igual modo, é irresponsabilidade desmedida manter durante muito tempo a tese de que é possível usar apenas o consumo interno para manter a economia aquecida. Essa fórmula mágica tem prazo de validade curtíssimo em um país cuja população, em sua maioria, ganha menos do que dois salário mínimos por mês. Com o baixo rendimento dos cidadãos, o consumo só existe ancorado no crédito fácil e irresponsável, como de fato ocorreu com o ufanismo de Lula. Na sequência surge o endividamento, assustando as famílias, tomadas de assalto, em seguida, pela inadimplência. Economia é uma bicicleta que exige do ciclista determinação e força distribuída de maneira planejada para se chegar ao destino. É preciso pedalar continuamente, pois do contrário a bicicleta para, o ciclista cai e, dependendo do tombo, há o risco de morrer.
Para este ponto que ora abordo, Kenneth Rogoff usou um exemplo muito preciso. O do sujeito viciado em droga, que desmorona após o efeito da mesma. Assim funciona o crédito fácil. O cidadão se entrega ao consumismo, mas esgotado o crédito acaba dragado pela ineficácia do falso milagre. Foi por esse caminho sinistro que surgiu a crise do “subprime” nos Estados Unidos. O crédito imobiliário cresceu de forma assustadora e sua concessão se deu no altar da facilidade. Quando a primeira arruela do sistema emperrou, a máquina simplesmente parou. Não fossem a competência e a rapidez das autoridades monetárias norte-americanas, os Estados Unidos teriam quebrado e o planeta já estaria vivendo uma profunda recessão.
Enquanto as autoridades culpam a União Europeia pela atual crise, que é nossa e continua sendo empurrada com a barriga dos palacianos, a economia da China, principal parceiro do Brasil, desacelera. O governo precisa mudar a forma de jogar e deixar de apostar a maioria das fichas na China, pois um eventual solavanco econômico na terra da Grande Muralha é capaz de provocar uma ação devastadora na economia brasileira.
No contraponto, a China, sem leis que protegem os trabalhadores locais, há anos exporta aos bolhões para o mercado brasileiro de forma predatória em termos concorrenciais, movimento que ao longo do tempo vem corroendo a indústria verde-loura. Desde 2005, alerto o governo para o processo de desindustrialização que tomou conta do Brasil, mas, soberbos, seus integrantes preferiram e ainda preferem ignorar o óbvio.
O grande erro do PT, atualmente no poder, é querer governar inserindo cada vez mais o Brasil na seara globalizada do capitalismo, o que é inevitável, sem perder seus vínculos com as ultrapassadas e obtusas teorias do esquerdismo. Tivesse Lula acompanhado a lufada esquerdista que sopra na América Latina, o Brasil já teria ido à bancarrota como a vizinha Argentina.
Voltando à absurda carga tributária nacional… De tudo o que o governo arrecada, o que não é pouco, boa parte é destinada às chamadas despesas de custeio, pagamento de servidores e de juros da dívida. O que sobra é insuficiente para investir na proporção da necessidade do País e das mentiras que descem a rampa do Palácio do Planalto e ganham o território nacional. Mudar esse quadro é preciso, mas será como tirar o pote de ração de um pitbull faminto que está a comer. Por isso tenho insistido na necessidade de mudanças profundas e definitivas na economia, como forma de tirar do Brasil o já quase secular status de “país do futuro”.
A situação se agrava sobremaneira porque o governo é conivente com a corrupção. Com a eclosão do escândalo do Mensalão do PT, o que permitiu a Lula governar o Brasil como fosse um boteco de porta de fábrica, a compra de políticos e partidos continuou, porém o método passou a ser outro. Saiu de cena o criminoso pagamento de mesadas, dando espaço à estreia do já conhecido loteamento da máquina estatal.
Crescimento econômico não acontece à sombra de conchavos políticos e de seguidos escândalos de corrupção. Muito menos com a entrega de importantes ministérios a políticos venais, que têm na mira não as premências do Estado, mas os interesses pessoais e partidários. Esse modo de governar com o apoio de uma maioria quase que disfarçadamente comprada, adotado pelo PT palaciano desde o fim do mensalão, é perigoso e passível de desmoronamento a qualquer instante. Prova maior foi a não aprovação do orçamento da União para o próximo ano, o que deixou de acontecer porque os parlamentares sentiram-se traídos diante da impossibilidade de votar os vetos presidenciais ao projeto dos royalties do petróleo. A relação entre governo e Estado deve ser simbiótica, pois ao contribuinte é devido o retorno de cada centavo pago em imposto. Não há como uma nação, como o Brasil, apostar em crescimento econômico sustentável quando o próprio governo abusa da cafetinagem administrativa ao mesmo tempo em que é refém de um sistema político conhecidamente prostituído.
Em relação à crise econômica que vem tirando o sono de milhões de europeus, o resultado já era esperado por muitas razões destacadas nos artigos e matérias que levam a minha rubrica há décadas. Em 1982, dez anos antes da assinatura do Tratado de Maastricht – marco que permitiu a unificação dos países que formam a União Europeia –, percebi que amontoar culturas econômicas distintas era tão perigoso quanto fumar dentro de um paiol cheio até o teto.
O Mercado Comum Europeu, que antecedeu o Tratado de Maastricht, foi um avanço em termos de desenvolvimento regional, pois permitia o intercâmbio comercial, com um cipoal de vantagens, mas preservava a individualidade econômica dos países integrantes do bloco. Para que a União Europeia se tornasse uma realidade viável era preciso encontrar a mediatriz que atendesse a todas as culturas econômicas dos países-membros, mas quem estava no topo não quis e nem mesmo poderia descer um degrau sequer. De tal modo, o nivelamento se deu por cima, culminado com a criação de uma moeda única, o euro. Foi a partir desta decisão que algumas economias adquiriram a senha para o colapso futuro. Esse nivelamento econômico pelo topo obrigou alguns países, em dado momento do processo, a comprometer mais do que 80% do Produto Interno Bruto. Há situações específicas na União Europeia em que o comprometimento do PIB ultrapassa a casa dos 100%, o que levou essas economias à beira do abismo, algumas delas agarradas a um frágil graveto surgido no percurso do precipício.
Em termos pragmáticos, a saída seria acabar com a União Europeia, devolvendo a cada país a sua identidade econômica própria. Porém, na prática tal solução causaria uma hecatombe na economia mundial. Excluir do bloco os países mais problemáticos em termos econômicos seria o mesmo que desvencilhar-se de um cachorro, atirando-o de cima do caminhão de mudança. O que fazer diante de tamanho impasse? Continuar cercando a vaca, evitando que ela vá definitivamente para o brejo, enquanto os economistas europeus se dedicam a curar as chagas provocadas por um projeto econômico regional que, no âmbito da teoria é perfeito e viável, mas que na prática é um pavio sempre aceso.
Quando um jornalista decide usar o cérebro e atuar emoldurado pela lógica, abrindo mão de informações privilegiadas junto ao governo e aos políticos, sempre obtidas com adulações e salamaleques de encomenda, o exercício da profissão torna-se quase impossível. Criticar o Estado e suas mazelas, assim como os erros cometidos por governantes, faz com que o jornalista se isole do cotidiano da reportagem, optando por outro tipo de jornalismo, o das análises e das críticas, que dependendo do perfil de quem está no poder pode render dividendos desagradáveis.
Para finalizar, sem desistir do meu posicionamento crítico em relação ao Estado e aos donos do poder, o Brasil não é o país de Alice que os ocupantes do Palácio do Planalto tentam vender à sociedade em seus discursos ufanistas e nas campanhas publicitárias que nos remetem ao eldorado. A realidade brasileira é outra, e bem dura, diga-se de passagem. Desistir, jamais, mas sempre mantendo intactas a lógica e a coerência.