(*) Ipojuca Pontes –
Conforme ia dizendo, a leitura do mapa da violência no Rio de Janeiro está longe de expressar os índices de felicidade que o jornal O Globo incensou em março último e que têm como emblemáticas as figuras do falso malandro Zeca Pagodinho e do indigesto Luciano Huck, animador de chatíssimos programas de auditório da Rede Globo.
De fato, a realidade vivida por sua população é bem mais trágica. Por exemplo: segundo o Instituto de Segurança Pública, a ocorrência de homicídios dolosos no Estado, que vinha sendo considerada estável a partir da criação das badaladas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), aumentou em janeiro de 2013 em 20%, perfazendo um total de 391 casos, contra os 345 ocorridos no mesmo período de 2012. Se considerarmos que os dados estatísticos oficialmente divulgados pelos órgãos de segurança são todos fajutos, é de se presumir que os números relacionados com homicídios dolosos no Rio sejam bem mais elevados – por baixo, algo em torno de 100%.
Por outro lado, os frequentes casos de latrocínios, furtos de veículos, seqüestros relâmpago, assaltos à mão armada, tentativas de homicídio e tudo mais que se possa imaginar em matéria de criminalidade, embora sonegados por pífios Boletins de Ocorrências distribuídos pelos órgãos de segurança, duplicaram nos últimos anos. Só para exemplificar: os roubos a residências, claramente subestimados, pularam em 2012 para 1.302 (contra 710, em 2009). E os atentados a pessoas idosas subiram de 37.677 (em 2006) para 71.000, em 2013. Os casos de estupros subiram de 3.102, em 2010, para 6.029, em 2012, numa avaliação que fica a anos-luz da brutal realidade do cotidiano carioca, onde velhos, mulheres, crianças e turistas são assaltados aos montes por pivetes e bandidos armados de revólveres, granadas, canos de ferro, facas e estiletes. Chamam a isso “felicidade de viver no Rio”?
No tocante às UPPs, criadas com estardalhaço pelo Governo Cabral com a pretensão de instituir “policias comunitárias” para desarticular quadrilhas que controlam as favelas do Rio – bem, elas foram logo transformadas em peças de puro marketing eleitoreiro, para anunciar de forma demagógica a extinção da violência no que passou a ser chamado, num mistificador apelo comunistóide, de “comunidades”.
Na ordem direta das coisas, tomando por base o que ocorre na junção de morros que formam o Complexo do Alemão, cartão-postal das UPPs, sua violência jamais foi extinta. Basta acompanhar o noticiário. Nele, o clima de tiroteios entre bandidos e policiais e também as constantes correrias dos seus moradores, demonstram que a festejada “pacificação” do Alemão não passa de um embuste descarado. Lá, o comércio da droga rola solto.
De fato, por trás da guerra que nada tem de clandestina, prevalece o imanente poder dos narcodólares, que, não raro, contamina a própria polícia: envolvidos com o dinheiro sujo do tráfico, considerável número de policiais, quando não se apropria da droga apreendida, se deixa corromper pelo rico propinoduto dos traficantes.
Por sua vez, há o dedo pernicioso da intervenção ideológica no combate ao crime. Em recente programa policial da TV Record, denunciando o despreparo das UPPs para enfrentar o tráfico, muito melhor armado, um PM declarou que a força policial carioca é instruída para evitar o confronto direto com os bandidos, sempre lesivo à imagem pacificadora das UPPs. Quer dizer: no frigir os ovos, Sérgio Cabral, o homem da “dança da garrafa” nas casas noturnas de Paris, mantém viva a irresponsável política de segurança pública adotada por Leonel Brizola, o alucinado criador do “socialismo moreno” que fez do Rio de Janeiro uma das cidades mais perigosas do mundo.
Resumo da ópera: a pergunta que me faço diante dos costumeiros assaltos a turistas no Rio de Janeiro (em geral cometidos com requintes de perversidade) é a seguinte: por que o cidadão pacato, seja americano, francês ou paraibano, deixa a sua cidade e vem enfrentar de peito aberto a violência maciça deste falso paraíso? A imagem do Cristo Redentor ou as promessas eróticas escondidas por trás do vasto paredão da Av. Atlântica, em Copacabana, seriam suficientes?
Penso que não. Mas lamento muito pelos que se deixam enganar tolamente pela propaganda enganosa.
(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.