Mico pela frente – Quase um mês após a data inicialmente anunciada para a inauguração, o Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, abrirá as portas no sábado (18). A construção, que custou mais de 1 bilhão de reais, terá capacidade para 72 mil pessoas, um moderno sistema de captação de água da chuva para posterior reutilização e funcionará como uma “usina de energia solar”, como ressaltam os engenheiros, a partir de painéis fotovoltaicos de última geração instalados em sua cobertura.
Modelo de sustentabilidade para outros estádios, o Mané Garrincha, no entanto, poderá carecer exatamente daquilo que justificaria sua existência: torcedores. Há anos o Distrito Federal não tem um representante na primeira divisão do futebol brasileiro – atualmente o Brasiliense, na série C, é a equipe de melhor situação. Difícil, assim, garantir público ao longo do ano para encher as fileiras do estádio erguido para receber a abertura da Copa das Confederações, no mês que vem, e sete partidas do Mundial de 2014.
A situação não é exclusiva de Brasília. Críticos alertam que Manaus, Natal e Cuiabá podem estar diante de grandes elefantes brancos – ou seja, obra grandes e dispendiosas, porém sem utilização após a Copa. Além da pequena projeção dos times locais, há dúvidas se as arenas conseguiriam garantir público para grandes eventos, como shows.
O deputado federal e ex-jogador Romário engrossa o coro das críticas. Em entrevista recente, a estrela da seleção tetracampeã em 1994 disse que os estádios de Manaus, Cuiabá, Brasília e Natal “dificilmente terão vida própria”. E chamou as quatro arenas de “mico”.
“Em Brasília, Manaus, Cuiabá e Natal as pessoas gostam muito de futebol”, rebateu o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, em entrevista. “Tradição é ter clubes antigos, marcas conhecidas? O maior clássico do futebol amazonense, entre Nacional e Rio Negro, completou 100 anos neste ano”, disse o ministro.
Rebelo admite, no entanto, que estádio cheio no Brasil hoje em dia é raridade. Ele garante que o Campeonato Gaúcho, um dos mais fortes do país, não conseguiu atrair mil torcedores por partida.
“Devemos examinar em conjunto a questão da frequência aos clubes”, afirma. “A liga de futebol dos EUA, que alguém poderia dizer que não tem um futebol de tradição, tem levado o dobro do público do Campeonato Brasileiro aos estádios – cerca de 20 mil pessoas por jogo.”
Futebol e shopping
Os governos dos estados que não contam com times grandes garantem que darão um destino rentável às arenas. O secretário especial para a Copa em Brasília, Claudio Monteiro, explica que o Mané Garrincha vai se tornar um shopping logo após a realização da Copa do Mundo. Por meio de uma Concessão Onerosa de Uso, o governo permitirá a exploração comercial dos quatro pavimentos inferiores do edifício. O grupo vencedor da licitação internacional pagará uma taxa aos cofres públicos e poderá administrar tanto o shopping quanto a agenda de shows e, eventualmente, de jogos.
“Estádio nenhum no mundo se mantém apenas com público de futebol. Teremos uma arena de uso diverso. Uma parte é o espetáculo, o futebol, o show. E a outra parte é a comercial. Teremos lojas de departamento, restaurantes, bares, cinema, teatro. É a primeira obra no mundo com essa concepção”, afirmou Monteiro.
Antes de sediar o jogo Brasil e Japão, no dia 15 de junho, pela abertura da Copa das Confederações, o Mané Garrincha receberá ainda duas partidas: a final do Campeonato Brasiliense, com o duelo Brasília e Brasiliense, no sábado da inauguração, e no dia 26 de maio, quando Santos e Flamengo se enfrentam na rodada de abertura do Brasileirão. A expectativa do governo é, com o novo estádio, atrair para o DF mais jogos de times de massa de outros estados.
Rodrigo Prada, coordenador do site Copa2014.org – criado pelo Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco) para acompanhar as obras lançadas com vistas ao Mundial – concorda que as chances de o Mané Garrincha ficar jogado para escanteio são menores do que a de outras cidades. Isso graças à alta renda per capita dos moradores da capital federal, que poderiam pagar ingressos caros de eventos internacionais, por exemplo.
Indefinições sobre o uso
No entanto, Natal, Cuiabá e Manaus correm grande risco de ganharem belos elefantes brancos depois de julho do ano que vem, avalia Prada. Um estudo feito pelo Sinaenco em 2011 já alertava para o fato de que os estádios nessas cidades poderiam ficar vazios por não terem nem times de futebol muito populares, nem um número de habitantes que justificasse seu tamanho. E, como fator complicador, tais arenas ainda têm um alto custo de manutenção.
Os governos estaduais agora correm para encontrar maneiras de compensar os investimentos. Em Cuiabá, um estudo já em fase de conclusão pretende verificar a viabilidade de se usar os camarotes da Arena Pantanal como salas de aula para faculdades ou mesmo quartos de hotel. O estádio, com capacidade para 43 mil espectadores, deve ser entregue até outubro.
Também o governo amazonense pretende até o final deste ano lançar uma licitação para a administração da Arena da Amazônia. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão responsável pelos projetos da Copa no estado, um estudo deverá indicar qual o melhor modelo para exploração comercial do complexo onde se encontram, além do estádio, um ginásio, um centro de convenções e o sambódromo de Manaus, onde já são realizadas festas populares.
Em Natal, a expectativa é a mesma: transformar a Arena das Dunas em um espaço comercial, a fim de conseguir gerar renda para bancar sua manutenção.
Mesmo diante da incerteza sobre o futuro uso desses estádios, os valores investidos neles alcançaram cifras exorbitantes. A custo da ecoarena de Brasília ultrapassou 1 bilhão de reais; o estádio de Cuiabá custará 519 milhões de reais; o de Manaus chegará a 515 milhões; e o de Natal, a 350 milhões. O governo federal defende que, dada a grandiosidade do evento, a construção nesses estados de arenas para a Copa – geralmente mais caras, por atenderem a uma série de exigências impostas pela FIFA – era imprescindível.
Para Rodrigo Prada, porém, a outra justificativa dada pelo governo, de que os jogos no Amazonas e no Pantanal são importantes para atrair turistas, não procede. “O mundo certamente conhecerá esses lugares porque são os mais bonitos do Brasil. Não precisava construir elefantes brancos para divulgar pontos turísticos”, critica. Ele faz uma previsão pessimista para os estádios: “Serão desperdício de dinheiro público”. (Do Deutsche Welle)