Longo prazo – Em reunião do Conselho de Administração da Petrobras, em dezembro do ano passado, a então presidente da empresa, Maria das Graças Foster, afirmou que qualquer valor que fosse colocado no balanço anual da empresa para medir as perdas com corrupção decorrentes da Operação Lava-Jato seria inverídico.
“Essa de dizer que eu só posso mostrar para o mercado a certeza absoluta dessa questão da Operação Lava Jato é uma inverdade, porque jamais acontecerá. Só daqui a três, cinco ou dez anos. Quando isso tudo for julgado e sair o valor dessa operação toda”, disse Foster aos conselheiros.
À época o balanço estava atrasado e, em dado momento, foram apresentadas as datas-limite para a empresa apresentar o documento contábil auditado. Diante do calendário, um dos participantes perguntou se “o juízo final” era no dia 28 de fevereiro, quando a ex-presidente respondeu: “Não há a menor perspectiva racional de ter esse número exato. Não há”, para logo em seguida lançar o desafio: “Se o jurídico acha que há, por favor, pode se manifestar”. Ficou sem resposta.
O balanço da estatal referente ao terceiro trimestre de 2014 sofreu atrasos quando, em novembro de 2014, a PriceWaterhouseCoopers se recusou a assiná-lo sem antes saber os resultados das investigações da Operação Lava-Jato.
A Petrobras divulgou em abril o balanço auditado do terceiro trimestre de 2014, dois meses após Maria das Graças Fostes deixar o cargo e ser substituída por Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e um dos obedientes ao Palácio do Planalto. No balanço foi incluída estimativa de perda da ordem de R$ 6,194 bilhões em razão da corrupção entre os anos de 2004 e 2012.
A divulgação do balanço é obrigatória para empresas de capital aberto tanto pela legislação brasileira quanto pela dos Estados Unidos, onde a estatal também é listada em bolsa e alvo de várias ações judiciais por conta do escândalo que ficou conhecido como Petrolão. A falta do balanço, além de criar instabilidade nos preços das ações da empresa no mercado, pode levar credores a exigir o pagamento antecipado de dívidas, prejudicar o caixa da companhia e comprometer a nota de crédito da estatal. O resultado informa ao mercado e aos acionistas sobre a saúde financeira da empresa, como a capacidade de honrar pagamentos, de fazer novos investimentos e de obter financiamentos.
A avaliação da ex-presidente da petrolífera registrada em áudio não consta da ata oficial daquela reunião de 12 de dezembro. A Petrobras costuma gravar em áudio ou vídeo as reuniões. Esse material foi enviado à CPI da Petrobras na última semana. A estatal não comenta a divulgação do conteúdo dos encontros, pois afirma se tratar de um “vazamento ilegal”.
Cálculo distante da realidade
Ainda na reunião do conselho em dezembro, Graça Foster posicionou-se a favor da divulgação do balanço, mesmo com os dados imprecisos sobre o valor das perdas com a corrupção. “A minha preocupação é que o mercado diga: pô, a Operação Lava-Jato acontecendo desde março (de 2014), sei lá quando, e até agora a diretoria da Petrobras ainda não se prontificou a ter uma perspectiva de método de valor estimado. Parece que a gente vai estar agindo como se a Operação Lava Jato não tivesse acontecendo. A gente não enxergou nada porque a gente era cego, mudo e surdo (…). Até agora os incompetentes aqui não conseguiram sequer estimar um efeito?”, indagou.
Naquela época, o valor das perdas calculado foi de R$ 4 bilhões. Chegou-se ao número a partir de menções de depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e do doleiro Alberto Youssef prestados realizados ao Ministério Público Federal. Também colaboraram para a realização do cálculo os depoimentos de delação premiada de Julio Camargo e Augusto Mendonça, da empresa ToyoSetal.
Logo depois, já sob o comando de Aldemir Bendine, a Petrobras elevou a estimativa de perda com desvios em contratos para os R$ 6,194 bilhões, também tentando buscar alguma objetividade no cálculo a partir das delações e dos valores das propinas sobre os megacontratos, que, de acordo com Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, eram de até 3% em cada grande acordo fechado pelas empreiteiras e a estatal petrolífera.
As perdas da Petrobras em 2014 incluem, ainda, o cancelamento de projetos. Na reunião de dezembro, Graça se queixou: “O estrago feito com essa questão toda de Lava Jato, quem fez parte desse teatro não sabe as consequências de tudo isso, porque se param obras, trabalhador despedido, não recebe, você não fecha balanço, não sabe como faz a conta, é um inferno”.
O Conselho de Administração da estatal é o órgão responsável pela definição e aprovação do plano estratégico de negócios, pela eleição da diretoria e pela fiscalização da gestão e das contas da empresa. Tradicionalmente, suas reuniões são gravadas em áudio ou em vídeo e, segundo a estatal, esse conteúdo é posteriormente registrado em ata, cujo acesso não é público.
Roubalheira consentida
Antes da Operação Lava-Jato, deflagrada pela Polícia Federal em março do ano passado, as gravações em áudio e vídeo eram apagadas assim que a ata do encontro era elaborada. Segundo a versão da estatal, apenas a partir de setembro de 2014, com o desenrolar do escândalo envolvendo megacontratos da empresa, os registros eletrônicos passaram a ser preservados.
A CPI da Câmara dos Deputados que investiga a corrupção na Petrobras solicitou à estatal os registros em áudio e vídeo, além das atas, de 2005 até agora. Apesar da demora, a companhia entregou o material disponível na última semana. A partir de então, ficou claro que nem tudo o que é dito nas reuniões está nas atas.
A Petrobras considera sigilosas as atas e as gravações, não comentando as recentes divulgações de seus conteúdos. Trata o assunto como “informações supostamente oriundas de vazamento ilegal”.
Que a Petrobras e o Palácio do Planalto tentam varrer a sujeira para debaixo do tapete todos sabem, mas que os palacianos não venham com a conversa fiada de que a perda da estatal com o escândalo do Petrolão foi de apenas R$ 6,1 bilhões, apesar de o valor em questão ser estratosférico. O esquema criminoso, que passou a funcionar logo após o escândalo Mensalão do PT vir a público, sangrou os cofres da Petrobras em dezenas de bilhões de reais, como sabem os que frequentam os diuturnamente os subterrâneos do poder central.
O Brasil tornou-se palco do maior caso de corrupção da história da humanidade, mas a população continua acreditando que isso não é suficiente para exigir que Dilma Rousseff deixe o poder debaixo de pressão jamais vista. Não bastasse a roubalheira que derreteu o caixa da Petrobras, os brasileiros enfrentam uma crise econômica grave, ao mesmo tempo em que Dilma balança no rastro de uma crise político-institucional preocupante. (Por Danielle Cabral Távora)