My name is Mito, Parmito

(*) Ucho Haddad

Após longos anos vivendo fora do Brasil, voltei à terra natal apenas e tão somente para ajudar a mudar a realidade do País. Era um compromisso como cidadão. Quase vinte anos depois, deparo-me com cenário marcado por clara ameaça à democracia, um convite espúrio ao retrocesso.

Preguiçoso em termos políticos, o brasileiro não quer ter trabalho e acostumou-se à coisa pronta. Prefere uma democracia à meia carga, talvez nem isso, com a esperança de que as leis sejam cumpridas, mesmo que à base de coices de coturnos. Essa é a tese defendida pelos seguidores de Jair Bolsonaro, um despreparado confesso que sonha subir a rampa do Palácio do Planalto como se fosse o Guarda Belo. Levando a reboque, segundo ele, quinze “postos Ipiranga”. Eis seu programa de governo. Ou de Estado, como querem alguns.

Democracia é bom e todo mundo gosta, mas com Bolsonaro na corrida eleitoral a história é diferente. E como é diferente! A seita em que se transformou sua chusma de seguidores não admite críticas ao guru, sob pena de ser deflagrado um contra-ataque marcado por intolerância ao extremo, desvarios do pensamento, ofensas gratuitas e palavras chulas. Não importa a realidade dos fatos, desde que o dono da seita seja preservado e o crítico, desconstruído a qualquer preço. Coisas que refletem a personalidade de um candidato que se apresenta como democrata e liberal. Quem dera!

O grande problema, que os adeptos se recusam a aceitar, é que qualquer retrocesso no ambiente democrático significa violação do Estado de Direito. O que na sequência abre caminho para o totalitarismo. Isso nos dias atuais passa facilmente despercebido sob a fantasia da democracia de araque. É fato que durante a campanha nenhum candidato ousa empunhar publicamente essa bandeira, mas nas entrelinhas é fácil decodificar as más intenções.

Em questão não está a busca de novos caminhos para o Brasil, mas o extermínio da esquerda nacional, como se a democracia não dependesse do equilíbrio das forças opostas. Querem os “bolsonáticos” (o termo é da lavra do jornalista Carlos Andreazza) tirar do caminho a esquerda bandoleira que levou o País à ruína. Contudo, por conveniência, esquecem que em muitas ocasiões o próprio Bolsonaro, como deputado federal, votou com o PT e seus puxadinhos ideológicos. Mas isso não conta, pois estamos diante do imaculado.

Admitir as históricas gafes políticas de Jair Bolsonaro não convém a essa altura dos acontecimentos, pois agora só há espaço para alçar à mira os tropeços dos adversários. Não faço referência aos crimes cometidos e devidamente comprovados, como manda a lei, que devem ser punidos com rigor, mas os desvarios e patranhas do candidato da direita ultrarradical não podem ser minimizados ao bel-prazer como se fossem bamboleios de sacristia. Para justificá-los sempre entra em cena o malfadado “contexto”, que não vale para os adversários. Mas essa é a democracia defendida pelos descontrolados seguidores do candidato.

Nas duas entrevistas – Roda Viva (TV Cultura) e Central das Eleições (GloboNews) – Bolsonaro abusou da gazeta debochada e das frases prontas, acreditando ter sido protagonista do maior espetáculo da Terra. Como esperado, seus seguidores invadiram as redes sociais para destroçar os entrevistadores, não sem antes elevar ao Olimpo da falsa competência o dono da seita. Traduzindo para o idioma oficial da Botocúndia, um despreparado foi alçado à condição de último gênio da raça. O pior é que ao divino (sic) não se pode fazer perguntas que atente contra seu baixo intelecto, pois do contrário seus quejandos entram em polvorosa.

O problema de colocar em xeque o intelecto de Bolsonaro é que de chofre seus idólatras puxam à cena os petistas Lula e Dilma Rousseff. Se por um lado Dilma dispensa apresentações quando a pauta é estupidez, por outro às vezes me pego pensando que Bolsonaro é Lula ao avesso ou vice-versa, talvez com vestes ideológicas distintas. Ambos são populistas e falam besteiras, mas a diferença é que Lula, mesmo sendo ignorante, é inteligente politicamente. E Bolsonaro já provou que não é. Haja vista o calvário para conseguir um candidato a vice. Foram três tentativas fracassadas (tratarei do assunto mais adiante). Sem contar os espetáculos mambembes, Brasil afora, em que aparece como politólogo de plantão.

O candidato a salvador da pátria continua acreditando ser legal, na acepção da palavra, usar dinheiro público para “comer gente”, mas seus eleitores não toleram corruptos (também não tolero). Em suma, para os “bolsonaristas” não vale o dito popular “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Questionado sobre o tema na GloboNews, rodopiou como frango de jacá e fugiu da resposta. Afinal, uma atitude desse naipe não tem explicação.

Causa-me náuseas ver um candidato que abusa das brejeirices para tentar justificar, sem convencer, declarações absurdas que relegam as mulheres a segundo plano, como se fossem inferiores. Disse que falhou ao ser pai de uma mulher e afirmou que nada poderá fazer, se eleito, para reduzir a diferença salarial entre homens e mulheres. Aldrabice da pior qualidade, sem direito a contestação. Mesmo assim, os aduladores de Jair Bolsonaro ficam irados quando o chamam de misógino. Se isso não for misoginia, que alguém explique o que é.

Bolsonaro garante que não é homofóbico, mas a Justiça condenou-o por homofobia. Ele diz que não é racista, mas é alvo de denúncia do MPF por racismo. Como se não bastasse, arrumou um candidato a vice à altura e na bacia das almas. O general Antonio Hamilton Mourão, adorador de torturadores, disse, um dia após ser confirmado como candidato a vice, que o Brasil herdou a “indolência” dos indígenas e a “malandragem” dos africanos. Tal declaração, se proferida no bar da esquina, terminaria na delegacia mais próxima, pois trata-se de crime de intolerância.

O candidato-xerife quer armar o Brasil como forma de resolver o problema da insegurança no País. Transfere ao brasileiro a responsabilidade de enfrentar à bala um profissional do crime e hábil com armas de fogo, transformando o País em um faroeste caboclo. Bolsonaro disse, na GloboNews, que com a liberação do porte de arma uma mulher que está a trocar o pneu furado do carro em uma estrada poderá se defender de eventual assalto ou até mesmo de um feminicídio. Resumindo, as mulheres idealizadas pelo candidato farão curso de tiro e de malabarismo, pois trocar o pneu do carro e atirar ao mesmo tempo somente no Cirque du Soleil. E olhe lá!

Há dias, conversando com oficiais militares formados em Agulhas Negras e contemporâneos de Bolsonaro – são meus amigos, para desespero dos direitistas ultrarradicais -, ouvi considerações surpreendentes a respeito do candidato, todas impublicáveis. Dos cinco amigos miltares, todos, sem exceção, me perguntaram em quem votar. Entre idas e vindas, conclui que o capitão da seita está mais para Sargento Tainha.

Cada um tem o livre arbítrio para escolher esse ou aquele candidato, mas é preciso doses rasas de bom senso diante de determinados comportamentos. Sei que a turba há de dizer que prefere um capataz de estrebaria honesto a um lorde corrupto, mas não é esse o assunto.

Um presidenciável que se preze não pode, em entrevista, arregaçar a calça quase até o joelho e mostrar a canela para explicar aos jornalistas a origem da alcunha dada por seus seguidores. Considerando que Bolsonaro continua acreditando ser o James Bond de Pindorama, só me resta concluir com “My name is Mito, Parmito”.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.