No olho da guerra cultural

(*) Ipojuca Pontes

Entre as denúncias encaminhadas pelo ex-ministro do PT Antonio Palocci à Polícia Federal, todas elas amparadas em farta documentação, destaca-se uma, em especial, a merecer urgente atenção de Paulo Guedes, ministro das pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior para que ele fique cônscio da criminosa instrumentalização da política cultural empreendida no País e, de modo particular, do uso daninho da degenerescente Lei Rouanet, reprodução vergonhosa da corrupta Lei Sarney estabelecida em 1986.

A denúncia de Palocci transita numa fulminante gravação de vídeo sobre as resoluções tomadas no Foro de São Paulo e repassadas por Lula à cúpula do PT e respectivos “formadores de opinião”. O vídeo, até então guardado a sete chaves, foi gravado numa sala do Instituto Lula. Nele, antes de ser preso, o líder petista, vestido de camisa vermelha, afirma, aos trancos, o seguinte:

“Deixa eu dizer uma coisa pra vocês. Olha… é preciso convencer as pessoas a destruírem tudo o que o Estado faz. Na campanha, o que menos interessa é o País. O Estado nacional deixa de existir, em época de eleição, a gente tem mais é que estar discutindo, sistematicamente, política cultural. A gente tem de financiar, sabe, muito patrocínio. E aí eu acho que a gente vai convencer muita gente a entrar no PT… E esse pessoal tem de dizer em quem vai votar, do que ele gosta… todo santo dia. Nós precisamos convencer a juventude sobre o que nós queremos fazer. E aí a gente vai convencer muita gente a “vim” prô PT. O problema não é falta de jantar… O projeto daqui a pouco é o “vamo que vamo”, daqui a pouco é “nós é nós”, daqui a pouco é “nos pudemo”… A palavra é: nós nascemos PT e queremos terminar sendo o PT!”.

Na sua cantilena histérica, tendo ao fundo a bandeira do PT, Lula caminha de um lado para o outro, professoral, dir-se-ia tocado por algumas doses do fino “Royal Salute”. Quando fala em “política cultural”, “patrocínio” e “financiamento´” o líder vermelho é especialmente enfático no agitar de braços e no arregalar de olhos.

Para ser justo é preciso dizer que Lula não foi o primeiro presidente (vermelho ou não) a corromper a atividade cultural com dinheiro fácil e a fundo perdido. Com efeito Lula, em função do aliciamento político e ideológico do setor, expandiu como ninguém legiões de ativistas, aliados, parasitas e viciados em geral para mamar com descaro irrefreável nas tetas dos cofres públicos, via diferentes formas de incentivos fiscais, subsídios, financiamentos e doações sugados do erário.

De fato, tipos estatizantes como Sarney, Collor (numa segunda fase), Itamar Franco, FHC e Dilma, embora avessos e até desprezando a fruição de concertos sinfônicos, museus, óperas, balés, teatros e salas de cinema, mantêm o bilionário aparato com o fito de amarrar a vasta clientela aos seus propósitos de poder e mando. São seguidores, conscientes ou não, da tradição firmada pelos carniceiros Lenin, Stalin, Mussolini. Hitler e os tiranos Fidel e Raúl Castro.

(Entre parênteses, nunca é demais lembrar a frase atribuída a Sam Goldwin, o pirata da Metro: “Quando me falam em cultura eu saco com receio o meu talão de cheque”; ou aquela legenda de Giovanni Gentile, ministro da Educação da Itália fascista: “Tudo pelo Estado, nada contra o Estado, tudo dentro do Estado”; ou ainda a frase-recado do tirano Fidel Castro aos artistas e intelectuais cubanos: “Dentro de la Revolución, tudo. Fora de la Revolución, nada”).

“O Globo” (e as organizações Globo), principal porta-voz do famigerado clientelismo cultural e um dos interessados na manutenção dos subsídios e isenções fiscais na área conflagrada, bem, “O Globo” solta matérias cavilosas falando do clima de apreensão que reina “no setor” com a vitória de Jair Bolsonaro. Seu conselho editorial, composto por esquerdistas de todos os tons, azeita as baterias. Pelo visto, seu alvo é a manutenção da fraudulenta Lei Rouanet, forma de incentivo incontrolável, socialmente irresponsável e economicamente doentio, centrado, invariavelmente, na apropriação, pelo privado, de qualquer tipo resultado, e na socialização, pelo contribuinte, dos acachapantes prejuízos avaliados hoje em bilhões de reais.

Como qualquer interessado pode saber, está imerso no âmbito orçamentário do Ministério da Cultura uma verdadeira caixa preta. Tanto a burocracia engajada como a casta clientelista sonegam os números reais e suas fontes ou origens. Mas todos concordam, em coro, que são sempre necessários orçamentos mais elevados, pois o “Minc custa pouco”. O País em crise, portanto, que se dane.

O fato é que o ministro Leitão falou, recentemente, em orçamento de R5 2 bilhões e 700 milhões – o que é muito dinheiro em qualquer lugar do mundo, principalmente quando extraviado em atividades industriais (cinema, por exemplo) próprias da iniciativa privada. (Lembro aqui que o cinema brasileiro até os anos 70 viveu e progrediu longe do dinheiro corruptor do governo).

Mas as cifras da cultura oficial, que, sabe-se, fulminaram com a real cultura brasileira, preenchem múltiplos escaninhos: tem as polpudas verbas das loterias, tem as verbas dependidas por Estados e municipais da Federação e tem ainda as verbas especiais para custeio, gratificações, viagens, festas e mordomias de praxe, etc.

E tem ainda os fundos bilionários da Lei Rouanet, da qual falaremos no próximo artigo para a necessária leitura do ministro Paulo Guedes e seus assessores.

Até lá!

(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.