Desinteresse do brasileiro pela política é responsável por tragédias como as de Brumadinho e Mariana

Passadas as primeiras horas da tragédia de Brumadinho, o Brasil incauto busca os culpados pelo episódio que ceifou vidas, sepultou o futuro de famílias, devastou parte da cidade mineira. Se o ordenamento jurídico exige uma investigação por parte das autoridades para que se abra caminho para eventuais condenações, a lógica do pensamento dispensa esse cumprimento de tabela. O culpado por essa tragédia e outras tantas – passadas e vindouras – é o brasileiro, um preguiçoso contumaz em termos políticos.

Há algum tempo, mais especificamente desde que os escândalos de corrupção protagonizados pelo PT ganharam destaque, o brasileiro só teve olhos para aquilo que pudesse sacar o partido esquerdista do poder, como se isso fosse a chave do enigma verde-louro. Na esteira dessa pantomima tupiniquim, embalada pelo som da aldrabice direitista, a grande imprensa dedicou-se a noticiar aquilo que lhe garantisse audiência, por consequência, dinheiro. Assuntos menores em termos de escândalos, mas não menos importantes, foram deixados de lado.

Jornalismo independente, ético e responsável, sempre comprometido com o Brasil e os brasileiros, é para poucos. Custa caro, não rende louros e quase ninguém ousa fazê-lo. Mesmo assim, o UCHO.INFO não abre mão do compromisso assumido desde antes de sua primeira edição. Por isso alerta o governo federal há muitos anos sobre os escândalos que reinam nos departamentos oficiais responsáveis por regular o setor de mineração do País.

Não é preciso nenhuma dose extra de massa cinzenta para descobrir que o canhestro esquema que dominava no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) migrou integralmente para a Agência Nacional de Mineração (ANM), criada para substituir o órgão.

A ANM é dirigida por Victor Hugo Froner Bicca, então diretor-geral do Departamento Nacional de Produção Mineral. Bicca suou frio quando um dos seus subordinados, Marco Antonio Valadares Moreira, à época diretor do departamento de Procedimentos Arrecadatórios do DNPM, foi preso pela Polícia Federal na Operação Timóteo, em 16 de dezembro de 2016. Juntamente com Marco Antonio foi presa sua esposa, sócia de uma das empresas de consultoria que estão entre os alvos da operação. De acordo com a investigação, o grupo fraudava valores de royalties de mineração devidos por mineradoras a municípios.

A Operação Timóteo foi iniciada em 2015, após a Controladoria-Geral da União (CGU) enviar à PF uma sindicância que apontava incompatibilidade na evolução patrimonial de um diretor do DNPM, que pode ter recebido valores que ultrapassam R$ 7 milhões.

A informação de que a Vale teria sido prejudicada causou estranheza, pois na ocasião em vários órgãos públicos ligados à mineração haviam pessoas que mantinham relações com a mineradora ou são ex-funcionários da empresa. É preciso fazer um “pente-fino” para checar se essas pessoas ainda ocupam esses cargos. Em 2012, uma negociação com o DNPM suspendeu informalmente por quase três anos a concessão de licenças para pesquisa mineral, o que prejudicou outras empresas do setor. No contraponto, a Vale reinou absoluta.

Participou da negociação, pelo DNPM, o atual diretor-geral do órgão, Victor Hugo Froner Bicca, alçado ao posto pelo atual ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, a quem serviu durante muito tempo com fidalguia e obediência. A negociação aconteceu com o conhecimento do então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), e com a chancela do Palácio do Planalto, na ocasião sob a batuta da agora ex-presidente Dilma Rousseff.


Em 2013, a Vale teria negociado com o DNPM o repasse de R$ 2 bilhões a 23 municípios por conta de pendências no pagamento dos valores devidos pela exploração mineral. A negociação teria ocorrido nos mesmos moldes da que levou Marco Antonio Valadares Moreira à prisão na esteira da Operação Timóteo.

De acordo com as investigações, a organização criminosa operava em quatro frentes distintas: captação, operacional, político e colaboração. Entre os investigados, que prestou depoimento à PF, está o pastor evangélico Silas Malafaia, suspeito de ter cedido contas bancárias de instituição religiosa para ocultar a origem ilícita dos valores.

Farra na mineração nacional

Victor Hugo Bicca, que chegou à direção do DNPM pelas mãos benevolentes do chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, pressionou os servidores do órgão para que fosse liberada uma base de dados com informações sobre 22,5 mil áreas já mapeadas e prontas para a pesquisa mineral. Muitas dessas áreas foram abandonadas por antigos pesquisadores, mas guardam jazidas minerais que representam alguns bilhões de reais.

Informações desse naipe devem ser tratadas como segredo de Estado, mas no Brasil a onda do “faz de conta” permite que uma bilionária base de dados transforme-se em vedete de apresentações internacionais.

Em novembro de 2016, o então presidente da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), também conhecida como Serviço Geológico do Brasil, participou do Mines & Money, em Londres, considerada o maior evento de mineração da Europa, que reuniu 3,6 mil participantes, entre os quais dirigentes e executivos de 150 empresas de mineração e investidores de 75 países em busca de novos negócios ao redor do planeta.

O dirigente reuniu-se com representantes de companhias mineradoras internacionais e fundos de investimentos interessados em conhecer os projetos da CPRM e detalhes do setor mineral verde-louro. A principal mensagem do presidente da CPRM aos investidores foi que o “jogo mudou no Brasil” e que naquele o País partia para o ataque em busca de investimentos para aumentar e diversificar a matriz mineral e incentivar a inovação no setor.

Criação da Agência Nacional de Mineração

A “bomba” que está armada nas proximidades do gabinete presidencial materializa-se na tentativa de transformar o DNPM em agência reguladora, nos moldes das já existentes. Trata-se de devaneio de encomenda, pois nos bastidores há uma avalanche de interesses escusos em relação a esse plano, começando pelas maiores mineradoras do País. Vale lembrar que o Ibama, o DNIT e a Funasa controlam setores específicos, sem a roupagem de agência reguladora.

Durante alguns anos, ao longo da era Dilma, o DNPM funcionou como verdadeira Casa de Noca, permitindo que a mineração brasileira fosse comandada por aqueles que deveriam ser controlados. Em troca, as empresas mineradoras despejaram dinheiro grosso no caixa 2 de campanhas políticas e nos bolsos de alguns alarifes de plantão. O jogo de interesses no setor é tamanho, que no Ministério de Minas e Energia alguns setores ligados à mineração eram ocupados por representantes de mineradoras, no melhor estilo “raposa tomando conta do galinheiro”.

O bisonho projeto que tenta transformar o DNPM em agência reguladora é ode à irresponsabilidade, pois antes de qualquer medida é preciso dar ao órgão a possibilidade de existir de forma plena, fazendo jus ao recebimento daquilo que lhe é devido. De acordo com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), o DNPM deve receber do Tesouro Nacional 9,8% do valor pago pelas mineradoras em decorrência da exploração de recursos minerais. Considerando que esse valor gira em torno de R$ 2 bilhões anuais, o DNPM deveria receber quase R$ 200 milhões por ano. Porém, o órgão sequer recebeu um terço desse valor. O que explica uma série de fatos, em especial a falta de fiscais para monitorar as mineradoras.