Bolsonaro desmonta equipe de combate à tortura, mas órgão promete recorrer à Justiça

Em decreto publicado nesta terça-feira (11), o presidente Jair Bolsonaro exonerou os 11 peritos do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura (MNCPT). Os cargos (DAS4), com salários em torno de R$ 10 mil, foram remanejados para o Ministério da Economia e serão preenchidos por voluntários não remunerados. Ou seja, o trabalho poderá ser exercido pessoas sem a qualificação necessária e que estarão sujeitas a interferências do governo.

A decisão de Bolsonaro contraria indicações do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, ao qual o órgão é vinculado e inviabiliza as atividades do mecanismo. “A rigor houve a extinção do órgão”, disse o perito José Ribamar Araújo e Silva. “Os voluntários estarão vulneráveis às ingerências governamentais”.

Criado em 2015, o MNCPT é o braço executivo do Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura e tem por objetivo fiscalizar unidades públicas onde haja privação de liberdade (desde cadeias até hospitais de internação compulsória), realizar diagnósticos e recomendar ações, nem sempre acatadas por governos estaduais.

O caso mais relevante é o relatório de janeiro de 2016 em que o MNCPT apontava risco de chacina em presídios de Manaus (AM), caso não fossem tomadas providências imediatas. Um ano depois, em janeiro de 2017, 56 homens foram assassinados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), na capital amazonense. No último dia 26 de maio, outras 55 pessoas foram mortas em uma guerra entre facções criminosas em presídios do Amazonas.

A interlocução com integrantes das facções criminosas que atuam nos presídios e a apresentação de propostas para esvaziar o poder do crime organizado são também atribuições dos peritos do MNCPT.


“Fazemos um trabalho de aproximação e diálogo”, disse Silva. Além disso, o MNCPT costuma avaliar as condições de trabalho dos agentes carcerários e os resultados da terceirização de serviços nos estabelecimentos penitenciários.

Além de não receber salário, os voluntários não podem ter vínculos com entidades da sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa, entidades representativas de trabalhadores, estudantes e empresários integrantes do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNCPT), de acordo com o decreto.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou que o MNPCT permanece ativo, sem prejuízos ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, mas sabe-se que o trabalho realizado pelos peritos não será o mesmo, especialmente pela possibilidade de ingerência de um governo cujo presidente aposta no encarceramento desumano como solução para os problemas da segurança pública.

Em nota divulgada no final da tarde desta terça-feira, o MNCPT diz que o decreto de Bolsonaro “acaba com a autonomia e as condições de funcionamento” do órgão e acusa o governo de agir “em nítida retaliação à atuação desses órgãos (MNCPT e CNPCT) que, incansavelmente, vêm denunciando práticas sistemáticas de tortura nos locais de privação liberdade em todo Brasil, notadamente, nos recentes relatórios referentes a Comunidades Terapêuticas, aos Massacres no Sistema Prisional do Rio Grande do Norte, Roraima, Amazonas e de atuação irregular no Ceará da Força Tarefa de Intervenção Federal do Ministério da Justiça”.

A ONG Human Rights Watch afirmou em nota que “na prática, o decreto não só enfraquece como pode inviabilizar a atuação do Mecanismo, pois dependerá da atuação de voluntários que, além disso, não poderão ter vinculação com organizações da sociedade civil e acadêmicas que atuam na área do combate à tortura”.