Covarde, Bolsonaro mente ao afirmar que recebeu informações sobre a morte de Santa Cruz

Nada é mais preocupante do que um despreparado com poder. A situação piora sobremaneira quando o incapaz acredita ser gênio e sabedor de todas as coisas, mesmo depois de reconhecer publicamente a própria ignorância em relação a muitos temas. Esse é o retrato de Jair Bolsonaro, presidente da República, que na tentativa de conseguir espaço positivo na mídia recorre a estultices.

Em momento de covardia explícita, depois de atacar o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, Bolsonaro arriscou, em mais uma das suas enfadonhas transmissões ao vivo pela internet, mudar as próprias palavras, como se a memória do brasileiro tivesse duração meteórica.

Se parte menor da sociedade apoia as sandices do presidente, a porção maior sabe da necessidade de acompanhar as declarações de Bolsonaro, que não desiste de apresentar-se à opinião pública como herdeiro direto do folclórico Aladim, o gênio da lâmpada maravilhosa.

Ao atacar Santa Cruz, na manhã desta segunda-feira (29), Bolsonaro disse: “Um dia se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar e essas conclusões naquele momento”.

Horas mais tarde, enquanto cortava o cabelo, após dispensar o ministro de Negócios Exteriores da França, o presidente mudou o discurso, mostrando novamente sua devastadora covardia. Disse Bolsonaro enquanto aparava as madeixas: “Não foram os militares que mataram, não. Muito fácil culpar os militares por tudo o que acontece”, disse. “Até porque ninguém duvida, todo mundo tem certeza, que havia justiçamento. As pessoas da própria esquerda, quando desconfiavam de alguém, simplesmente executavam”.

Diante da reação imediata dos militares nas coxias do poder, o presidente se viu obrigado a consertar o estrago. E emendou seu discurso com novos devaneios. “Não quero polemizar com ninguém, não quero mexer com os sentimentos do senhor Santa Cruz, porque não tenho nada pessoal no tocante a ele. Acho que ele está equivocado em acreditar em uma versão apenas do fato, mas ele tem todo o direito de me criticar”, disse Bolsonaro.

“O pai dele, bastante jovem, foi ao Rio de Janeiro. Eu obtive essas informações com quem conversei na época, oras bolas. Eu conversava com muita gente na fronteira. E o pessoal da Ação Popular no Rio de Janeiro ficou estupefato. ‘Como pode esse cara vindo do Recife se encontrar conosco aqui?’”, declarou o presidente da República.


Que Bolsonaro alimenta-se no cocho da fanfarronice o mundo já sabe, mas apelar a mentiras para se fazer importante é caso para tratamento. Pai do presidente da OAB, Fernando Augusto de Santa Cruz foi morto por agentes do Estado, como confirmam documentos oficiais, em março de 1974.

Fernando Santa Cruz foi morto por agentes do DOI-CODI do Rio de Janeiro e, segundo depoimento do ex-delegado Cláudio Guerra (Dops do Espírito Santo) à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o corpo foi queimado. Guerra afirmou à CNV que incinerou uma dezena de corpos de militantes executados pela ditadura militar, inclusive o de Santa Cruz, e que teria utilizado a Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes (RJ), para realizar o que chamou de “queima de arquivo”.

A versão do ex-delegado do Dops foi registrada não apenas pela Comissão Nacional da Verdade, mas também no livro “Memórias de uma guerra suja”, de Rogério Medeiros e Marcelo Netto. Resumindo, Jair Bolsonaro mente de maneira acintosa, a ponto de fazer inveja ao líder dos hackers acusados de invadir celulares de autoridades, que, segundo relato, mente para alimentar o seu histrionismo.

Além disso, o pai do presidente da OAB nunca participou da luta armada e, como apontam documentos oficiais, “tinha emprego e endereço fixos e, portanto, não estava clandestino ou foragido dos órgãos de segurança”. Ou seja, não havia razão para ser preso pelos agentes da ditadura.

A covardia de Jair Bolsonaro é nauseante, mas a mitomania que marca muitas de suas declarações é motivo de preocupação. O atual presidente da República ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1973, tendo se formado em 1977. Se Fernando Santa Cruz foi assassinado em 1974, Bolsonaro não teve acesso a dados sobre o crime, como afirmou. Muito menos manteve contato com pessoas que lhe relataram o que aconteceu com o pai do presidente nacional da OAB. Esse é o raciocínio lógico e pragmático de quem pensa com o cérebro.

O presidente da República precisa ensaiar com muita antecedência as próprias mentiras para não cair em contradições. Até porque, um aspirante a oficial do Exército, mesmo que matriculado na AMAN, não tem à disposição um cipoal de informações sigilosas. E na ditadura militar o acesso era ainda mais restrito. Tal cenário de insensatez e mentiras permite concluir que ou Bolsonaro tinha relação próxima com os guerrilheiros de então ou era uma espécie de “longa manus” do grupo. Afinal, a história mostra que guerrilheiro jamais deu confiança a estranhos, pelo contrário.