Bolsonaro recorre ao autoritarismo e tira Joice Hasselmann da liderança do Governo no Congresso

A crise que tomou conta do PSL, partido do presidente da República, Jair Bolsonaro, cresce com o passar do tempo. O que vinha acontecendo a passos moderados acabou ganhando velocidade nas últimas horas, principalmente por conta da disputa em torno do cargo de líder da legenda na Câmara dos Deputados.

Com o presidente agindo nos bastidores para derrubar o líder do PSL na Casa, Delegado Waldir (GO), e “entronar” no posto o filho Eduardo Bolsonaro, a difícil situação partidária foi às alturas, na esteira de ferrenha disputa pela liderança da legenda.

Gravado em conversa telefônica por um dos integrantes do partido, Jair Bolsonaro falou na manhã desta quinta-feira (17) em “desonestidade” quando questionado por jornalistas sobre o tema. O presidente se recusou a avançar no assunto, mas deixou evidente sua contrariedade com o revés que empresta ao governo mais uma dose de descrédito.

“Eu não trato publicamente desse assunto. Converso individualmente. Se alguém grampeou telefone, primeiro é uma desonestidade”, disse Bolsonaro. “Falei com alguns parlamentares. Me gravaram? Deram de jornalista?, completou o presidente ao dirigir-se aos profissionais da imprensa que o aguardavam à saída do Palácio da Alvorada.

No momento em que a crise que chacoalha o PSL deveria caminhar na direção de uma solução parcimoniosa, o revanchismo mais uma vez se fez presente. Inconformado com a decisão da maioria da bancada do PSL de manter o deputado Delegado Waldir na liderança da legenda, Bolsonaro não perdoou o fato de Joice Hasselmann ter se juntado aos parlamentares que contrariaram a manobra palaciana.

Em nova investida totalitarista, Bolsonaro decidiu apear Joice Hasselmann do posto de líder do Gverno no Congresso Nacional. Ato contínuo, o presidente da República indicou o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) como líder do Governo no Parlamento.

Bolsonarista de primeira hora, Joice foi escolhida líder do Governo em fevereiro passado, pela indicação dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Além disso, a agora ex-líder mantinha boa interlocução com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que até meses atrás era responsável pela articulação política do governo.

A situação de Joice Hasselmann como líder do Governo passou a enfrentar certa deterioração com o esvaziamento da Casa Civil e a transferência da articulação política do governo para a Secretaria de Governo, ministro Luiz Eduardo Ramos, que direcionou as atenções ao líder do Governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO).

Porém, o que já era considerado difícil acabou recrudescendo, pois Joice Hasselmann foi criticada pelo presidente da República por se aproximar do governador de São Paulo, João Doria Júnior (PSDB).

Acusada publicamente por Bolsonaro de estar com “um pé em cada canoa”, Joice flerta com a possibilidade de concorrer à prefeitura paulistana com o apoio de Doria, que teria acertado nos bastidores do tucanato que o atual prefeito da capital paulista, Bruno Covas, não tentará a reeleição.

Essas amarrações políticas visando às eleições municipais do próximo têm como pano de fundo a corrida presidencial de 2022. Para que um virtual candidato chegue à disputa com cacife eleitoral, estar bem posicionado politicamente nas principais cidades brasileiras é condição primeira. Por isso os presidenciáveis se movimentam nas coxias do poder para emplacar prefeitos Brasil afora.

Para piorar, Joice Hasselmann envolveu-se nas últimas horas em discussões, pelas redes sociais, com Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República, e o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP).

O cenário que se formou no entorno de Joice Hasselmann favorece a deputada a mudar de partido, sem correr o risco de perder o mandato, como determina a legislação. Se isso acontecerá é cedo para afirmar, mas não se pode ignorar o fato de que os olhos de João Doria brilharam com o entrevero.


“Guerra das Listas”

O racha no PSL ganhou contornos mais expressivos na noite de quarta-feira (16), com uma disputa acabou batizada como “guerra das listas”. Horas depois, já na madrugada desta quinta-feira, a deputada federal Alê Silva (MG) divulgou dos nomes dos parlamentares do PSL que estavam de cada lado: uns do lado de Bolsonaro, outros do lado de Luciano Bivar, presidente nacional da legenda.

Com 26 deputados de cada lado, faltava apenas convencer mais um parlamentar para cantar vitória. Foi nesse momento que Jair Bolsonaro entrou em cena e acabou gravado por um dos seus interlocutores. Contudo, quatro mensagens de áudio enviadas pelo presidente da República por WhatsApp acabaram vazando no Congresso, dificultando ainda mais a situação do Palácio do Planalto.

“Olha só, nós somos 26, falta uma assinatura para a gente tirar o líder e botar o outro. Entrando outro, agora, em dezembro tem eleições para o futuro líder a partir do ano que vem”, diz Bolsonaro em uma das mensagens.

“Da maneira como está, que poder tem na mão atualmente o presidente, o líder aí? É o poder de indicar pessoas, arranjar cargos no partido, é promessa para fuga eleitoral por causa das eleições. É isso que o cara tem. Mas você sabe que o humor desses caras mudam”, completou o presidente.

Nos áudios, Bolsonaro afirma alega “nunca ter sido favorável a listas, para deixar bem claro, mas no momento você não tem outra alternativa”. Na sequência, o chefe do Executivo diz que ligaria para outras pessoas para, “quem sabe, passar com folga até (das 27 assinaturas)”.

“Já tinha 25. Consegui o Peternelli agora. Vou ligar para outras pessoas”, ressalta Jair Bolsonaro nos áudios – a bancada do PSL na Câmara dos Deputados tem 53 deputados federais.

Para quem diz defender a democracia e respeitar o contraditório, mesmo não sendo verdade, o presidente é uma ode ao totalitarismo. Sua atitude impensada, típica de quem desconhece o convívio partidário, explica o fato de ter passado 28 anos no Congresso como integrante do “baixo clero”.