Caso Marielle: “o lado B” do descontrolado presidente da República e do histriônico ex-juiz da Lava-Jato

A maneira intempestiva e colérica como Jair Bolsonaro reagiu à reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, sobre o caso Marielle Franco sugere que o presidente da República está preocupado além do necessário, especialmente se considerado o fato de que, segundo consta, o então deputado federal tem um álibi.

Visivelmente descontrolado, talvez porque o script que lhe foi passado pelos integrantes do chamado “gabinete do ódio” exigia a imagem de alguém enfurecido, como forma de jogar para a plateia e acionar a milícia virtual, Bolsonaro apareceu em transmissão ao vivo, direto da capital saudita, disparando impropérios para todos os lados e abordando temas sem qualquer conexão com a reportagem da emissora carioca.

Em dado momento da sua fala, Bolsonaro afirma que solicitaria ao ministro Sérgio Moro, da Justiça, a entrada da Polícia Federal no caso para apurar a citação do seu nome em depoimento prestado pelo porteiro do condomínio “Vivendas da Barra”, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.

Esse detalhe, que para alguns passou despercebido, enquanto para outros serviu de combustível para aumentar as labaredas da patuleia bolsonarista, causo-nos estranheza por questão de dualidade. No vídeo transmitido pela internet, Bolsonaro retoma o caso do ataque a faca de que foi vítima em 6 de setembro de 2018, não sem antes questionar a conclusão a que chegou a Polícia Federal acerca de Adélio Bispo, autor da facada.

Se o presidente da República desconfia da atuação da PF na apuração que concluiu que Adélio agiu sozinho e sofre de distúrbios psiquiátricos, algo comprovado na respectiva ação penal, causa estranheza o fato de Bolsonaro recorrer à mesma Polícia Federal para descobrir se o porteiro do condomínio mentiu em depoimento ou foi induzido a erro. Em suma, ou confia-se na PF de forma ampla e irrestrita, ou desconfia-se de igual maneira.

A grande questão é que Jair Bolsonaro tornou-se refém de algo que ele próprio condenou recentemente: o “coitadismo”. Ciente de que não tem como cumprir as absurdas promessas de campanha, o presidente abusa da vitimização para manter a claque bolsonarista coesa, algo que torna-se cada vez mais difícil com o passar do tempo e a ausência de soluções para a crise que chacoalha o País.

Moro, o garantista de ocasião que atropelou a lei

Que Sérgio Moro ainda não conseguiu mostrar a que veio todo brasileiro de bom senso sabe, mas o oportunismo que marca a permanência do ex-juiz na Esplanada dos Ministérios chega a ser vexatório. Enquanto responsável pelas ações penais decorrentes da Operação Lava-Jato, Moro não pensou duas vezes para condenar com base em depoimentos, muitos deles construídos em cima da hora para aplacar a obsessão dos investigadores e julgadores do maior esquema de corrupção de todos os tempos.


Muitos dos réus da Lava-Jato acabaram condenados com base em depoimentos esdrúxulos de delatores, que diante da possibilidade de passar anos a fio atrás das grades declamaram diante das autoridades aquilo que era conveniente a elas.

É importante ressaltar que depoimento de colaboração premiada é apenas e tão somente meio de prova, o que de chofre impede o uso das informações como conjunto probatório suficiente para aplicar a lei em sua inteireza. Aliás, Sérgio Moro, assim como os procuradores da Lava-Jato liderados pelo histriônico Deltan Dallagnol, ignoraram por diversas vezes o Código de Processo Penal no oferecimento de denúncia e durante os julgamentos.

Não obstante, os procuradores e o ex-juiz fingiram-se surdos diante dos depoimentos de funcionários da empreiteira OAS, que às autoridades da Lava-Jato desmontaram a fala do empresário José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, ao garantir que o apartamento triplex no Guarujá, que levou Lula à prisão, estava liberado para venda a qualquer interessado, ou seja, não existia reserva em favor do ex-metalúrgico. Como manda o bom Direito, indícios não são provas e por isso não servem de base para condenação.

Contudo, Sérgio Moro, no caso do assassinato de Marielle Franco, requereu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a abertura de inquérito para apurar as circunstâncias em que o nome de Bolsonaro foi citado no âmbito da respectiva investigação do duplo homicídio.

Sobre a solicitação feita à PGR, o ministro da Justiça disse que pode ter ocorrido “eventual tentativa de envolvimento indevido do nome do Presidente da República no crime em questão, o que pode configurar crimes de obstrução à Justiça, falso testemunho ou denunciação caluniosa”.

Pois bem, “falso testemunho” e “denunciação caluniosa” são crimes considerados a depender do caso ou vale de forma indiscriminada. Até porque, se o agora garantista e legalista Sérgio Moro está a se preocupar com possíveis crimes cometidos pelo porteiro do condomínio no Rio de Janeiro, deveria ter se comportado de igual maneira em muitos processos da Lava-Jato.

Isso só não aconteceu por conta de um lapso temporal, pois à época em que Moro era juiz seu objetivo maior era chegar ao Executivo, sendo que agora ele precisa de Bolsonaro para levar adiante seu bisonho projeto de poder. Bom seria que alguém avisasse ao ministro Moro que a Constituição estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Resumindo, em qualquer país que respeita e aplica a lei sem condicionantes, Sérgio Moro já teria sido defenestrado da cena política. Quanto a Jair Bolsonaro, o Brasil está diante de uma figura tosca que se faz de vítima todas as vezes em que, como diz a sabedoria popular, o “calo aperta”.