Não saqueei o Banco do Vaticano e nem convenci Bento XVI a desistir do pontificado

    (*) Ucho Haddad –

    Millôr Fernandes, o saudoso e genial, certa vez escreveu que “democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”. Tão brilhante quanto Millôr, o jornalista Carlos Brickmann, durante um dos muitos ataques sórdidos que sofri, saiu em minha defesa e escreveu-me que “ninguém chuta cachorro”. E se me chutam é porque incomodo, disse o jornalista.

    Acontece que no Brasil há pessoas ignaras que desfilam na passarela da vida ora com a fantasia de gênio, ora com a fantasia de tirano. Às vezes a imbecilidade faz com que o desavisado vista uma fantasia sobre a outra. E nessas condições não há quem segure um ser que é tomado pela idiotia e aposta que o próprio nome consta da árvore genealógica de Aladim. Nesse palco da sandice é que uma pessoa, que acredita ser virtuosa e estar acima de todos, faz com que o seu conceito oblíquo de democracia se transforme em uma nesga da ditadura obtusa.

    Para não alimentar o ego de algumas mentes doentias e sequer patrocinar fama a quem não merece, omito o nome desses apedeutas oportunistas, que usam a própria ignorância como arma de intimidação, não sem antes acreditar que são donos da verdade suprema. Decidi escrever esse artigo em respeito aos leitores e seguidores, que não podem ter a honra achincalhada apenas porque exercem o direito de escolher aquilo que desejam ler. Quanto a mim, já estou acostumado com esses ataques repentinos e constantes dos contrariados.

    Sobre a decisão de Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI, de deixar o comando do Vaticano, assinei matéria que relata fatos comprovados por autoridades, alguns deles por mim testemunhados in loco. Bento XVI sofre de doenças típicas de uma pessoa com 85 anos, mas não foi a anunciada artrose que o levou à decisão de interromper o próprio pontificado. Ratzinger não conseguiu conviver com o crime organizado que grassa nas coxias do Vaticano. Quem não aceita tal realidade ignora a verdade, o óbvio, o que foi provado e comprovado por investigações de todos os naipes.

    Ter escrito sobre o tema causou uma revolução na banda católica que frequenta a rede mundial de computadores, os ortodoxos se rebelaram, sem contar os que pegaram carona no tema sem saber uma vírgula sequer sobre o assunto. É aquela velha história dos oportunistas que nada são, mas aproveitam um momento para ganhar os quinze minutos de fama a que se referiu, um dia, o artista plástico Andy Warhol. E até os desprovidos de inteligência e conhecimento têm direito a esses escassos minutos de fama, algo que será regurgitado aos bolhões nas conversas dos botecos de esquina, para que a claque canalha aplauda um herói de mentira, um sabereta de araque.

    Gostem ou não os incomodados, não há como fugir da verdade dos fatos, da história. A patifaria circula pelos corredores do Vaticano desde o fim da era de João XXIII, o que não significa que antes a sacanagem por lá deixou de reinar em algum momento. Entre ser católico e acreditar no que fazem e dizem os inquilinos do Vaticano existe uma abissal distância. E é exatamente essa distância que torna muitas pessoas cegas diante da realidade.

    O Estado paralelo e criminoso que existe na Praça São Pedro ganhou força quando Licio Gelli, que foi próximo de Benito Mussolini, se juntou ao então arcebispo Paul Marcinkus e a Roberto Calvi, que presidia o Banco Ambrosiano e ficou conhecido como o “banqueiro de Deus”, no rastro de um dos maiores escândalos político-financeiros da história da Itália. Com a morte de Giovanni Montini, o papa Paulo VI, chegou ao cargo máximo da Igreja Católica o ex-patriarca de Veneza, Albino Luciani, o papa João Paulo I. Homem correto, probo e humilde, Luciani durou pouquíssimo tempo no cargo.

    Nos trinta e três dias de seu pontificado, João Paulo I tentou acabar com o crime organizado que dominava o Vaticano desde muito. A Santa Sé anunciou que Albino Luciani morreu em decorrência de um infarto, mas na verdade ele foi envenenado. Um assessor próximo, integrante da quadrilha que agia desde os tempos de Paulo VI, colocou cianureto no chá de Luciani. Enquanto aguardava-se a escolha de um novo pontífice, Gelli, Marcinkus e Calvi agiam livremente e contavam com a mente criminosa de Michele Sindona, o “Tubarão”, destacado integrante da loja maçônica Propaganda Due ou P2, um dos vértices do escândalo, banqueiro e membro da Cosa Notra, a máfia siciliana.

    Escolhido como novo papa, o polonês Karol Wojtyla, ou João Paulo II, também tentou fazer uma faxina nas entranhas do Vaticano, pois fora avisado sobre o funcionamento do esquema criminoso que imperava na Santa Sé. Wojtyla havia mal começado a adotar medidas moralizadoras quando sofreu um atentado em plena Praça São Pedro, episódio que teve como atirador, não por acaso, o turco Mehmet Ali Agca.

    O criminoso, que foi preso imediatamente pelos seguranças do Vaticano e depois foi perdoado por Wojtyla ainda no cárcere, era membro do grupo Lobos Cinzentos e estava a serviço da máfia turca, que por sua vez contava com o apoio operacional e estratégico do soviético Leonid Brejnev. A máfia turca era a outra ponta do esquema que usava o Banco Ambrosiano como central de branqueamento de capitais.

    Os Lobos Cinzentos participaram da Operação Gladio (a qual detalho mais adiante), mas tinham em seus quadros agentes soviéticos que se infiltraram a mando de Brejnev, que queria detalhes sobre a atuação do grupo clandestino de informações secretas.

    Na ocasião em que o escândalo veio à tona, descobriu-se que o rombo no Banco do Vaticano, acionista do Ambrosiano, era de quase US$ 2 bilhões. Nos bastidores, a ação criminosa – que levou o Ambrosiano à quebra e provocou um rombo no Banco do Vaticano – foi comandada por Roberto Calvi, Paul Marcinkus, Licio Gelli e Michele Sindona.

    Por conta desse enredo criminoso, que levou um internauta debochado e abusado a afirmar que a minha matéria mais parecia um roteiro de Dan Brown, autor do best-seller “O Código da Vinci”, desço aos detalhes do esquema que levou Bento XVI a optar pela renúncia. Não criei qualquer história e muito menos estória, mas relatei fatos que acompanhei de perto, além de muitos outros que acompanhei e estudei ao longo de mais de vinte anos. Quando integrantes da Igreja Católica entram em contato para, sob a promessa do sigilo, reconhecer que estou certo, fica claro que não sou roteirista de filme de suspense e nem recebo para ovacionar descompensados mentais.

    Quem era quem na trama

    Paul Marcinkus

    Nascido nos Estados Unidos, Paul Marcinkus, o Gorila (que já havia presidido o Banco Ambrosiano), chegou ao posto de terceiro homem mais importante do Vaticano e, durante dezoito anos (1971 a 1989), presidiu o Banco do Vaticano (Istituto per le Opere di Religione), que era sócio-controlador do Ambrosiano. Por seu porte físico avantajado e jeito truculento, Marcinkus passou a atuar como guarda-costas do papa Paulo VI e foi acusado de participar da trama que levou João Paulo I à morte.

    O escândalo do Ambrosiano foi tamanho, que o Vaticano funcionou como refúgio para que um marginal, que falava em nome de Cristo, não fosse preso e condenado. Para proteger Marcinkus, a Santa Sé colocou sua rede criminosa para atuar nos bastidores da Justiça italiana, a quem coube investigar o caso. Para justificar a não punição a Marcinkus e aos outros administradores do Banco Ambrosiano, a Justiça italiana invocou o Tratado de Latrão, que transformou o Vaticano em Estado e prevê, em um dos seus artigos, que “os entes centrais da Igreja Católica estão isentos de qualquer ingerência por parte do Estado italiano”. Marcinkus viveu no Vaticano à sombra do Tratado de Latrão até voltar para os Estados Unidos, onde morreu em 2006.

    Licio Gelli

    Licio Gelli, chefão da loja maçônica P2, onde é mestre venerável, e criminoso conhecido que agia nos escaninhos do poder, foi informante da Gestapo durante a 2ª Guerra Mundial. Gelli participou da Operação Gladio, uma organização clandestina que funcionava como central de informações secretas, cujo objetivo era evitar a invasão da Itália pela União Soviética. Em muitos momentos, a Gladio, que teve sua existência reconhecida oficialmente pelo ex-primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti, usava estratégias baixas para desestabilizar o sistema político do país. O que explica o apoio logístico dado à máfia turca por Leonid Brejnev, que tinha na Itália dúzias de espiões infiltrados e almejava enfraquecer o Vaticano por sua postura contra o comunismo. nessa empreitada ideológica a Santa Sé agia em conluio com Washington, especialmente durante a chamada Guerra Fria.

    Licio Gelli foi acusado de participação nas mortes do ex-primeiro-ministro italiano Aldo Moro, do jornalista Carmine “Mino” Pecorelli, de Roberto Calvi e de João Paulo I. Prestes a completar 94 anos, Gelli cumpre prisão domiciliar na propriedade que tem na Toscana.

    O jornalista Pecorelli, que era um desafeto de Licio Gelli, foi assassinado porque em um livro deu detalhes do planejamento do assassinato de Aldo Moro, ex-primeiro-ministro da Itália. Moro, que era ligado à Igreja Católica, foi sequestrado e morto pelas “Brigate Rosse” (Brigadas Vermelhas), organização terrorista italiana com que Gelli mantinha estreitas relações por causa da Operação Gladio, que foi o pano de fundo para as atrocidades cometidas por Cesare Battisti, o criminoso que contou com a ajuda de Lula para continuar impune no Brasil.

    O grupo “Brigadas Vermelhas”, que participou da Gladio, foi responsável pela explosão de um trem em Bologna, em 1980, que ao deixar a estação da cidade foi alvo de bomba dentro de um túnel, matando dezenas de pessoas e deixando duzentos passageiros feridos.

    Em 2002, a Justiça italiana condenou Giulio Andreotti e o mafioso Gaetano Badalamenti a 24 anos de prisão pela morte do jornalista Mino Pecorelli. Um dos chefões da Cosa Nostra, a máfia siciliana, Badalamenti foi também condenado à prisão nos Estados Unidos por ser um dos líderes da organização mafiosa que ficou conhecida como “Pizza Connection”, uma rede pizzarias que funcionava como lavanderia do dinheiro dos mafiosos que atuavam em território norte-americano.

    Roberto Calvi

    Nascido em Milão, Roberto Calvi presidiu o Banco Ambrosiano e ficou conhecido, à época do escândalo, como “Banqueiro de Deus”. Envolvido diretamente na trama que levou o Ambrosiano à falência e provocou um rombo bilionário no Banco do Vaticano, com direito a desvios de dinheiro para uso pessoal de muitos dos integrantes do esquema e pagamentos indevidos à loja maçônica P2, Calvi fugiu da Itália e acabou sendo assassinado em Londres.

    Em junho de 1982, o corpo de Calvi foi encontrado em um terreno debaixo de uma ponte da capital inglesa, pendurado em uma corda, dando a entender que o ex-presidente do Banco Ambrosiano cometera suicídio. Na ocasião, afirmei que Calvi fora assassinado, mas apenas em 2002 essa tese foi confirmada por uma equipe de médicos-legistas, após a exumação dos restos mortais do integrante da quadrilha que operava sob as bênçãos do Vaticano.

    Durante o período em que presidiu o Banco Ambrosiano, Roberto Calvi tinha como principal assessor e braço direito um ex-agente do serviço secreto italiano, Francesco Pazienza. Acusado de envolvimento no atentado terrorista de Bologna, na morte de Calvi e no escândalo que levou à quebra do Ambrosiano, Francesco Pazienza fugiu da Itália e prestou serviços a agências de inteligência de vários países latino-americanos e serviu a Manoel Noriega, traficante de drogas panamenho de quem era amigo.

    Pazienza foi preso nos Estados Unidos e extraditado para a Itália, onde cumpriu pena e foi colocado em liberdade condicional em 2009. Por ser um arquivo ambulante, pois muitas informações sobre a quebra do Ambrosiano ainda são ignoradas, Pazienza não deve durar muito tempo.

    Michele Sindona

    Michele Sindona, banqueiro inescrupuloso que era conhecido como “Tubarão” e que dirigia uma instituição financeira na Suíça e levou à bancarrota a Banca Privata Italiana, atuou durante décadas como o braço financeiro da Cosa Nostra, a máfia siciliana. Sindona também foi acusado de pagar propina de US$ 5,5 milhões a Marcinkus e Calvi.

    Em 1986, Michele Sindona foi condenado à prisão perpétua pela morte do advogado Giorgio Ambrosoli, ocorrida em 1979. Ambrosoli foi indicado pela Justiça italiana como síndico da massa falida da Banca Privata Italiana, quando descobriu a atuação criminosa de Sindona na instituição financeira. Antes disso, Michele Sindona foi nomeado pelo papa Paulo VI como assessor financeiro do Vaticano e membro do conselho de administração do Banco do Vaticano.

    Diante dos fatos, o Vaticano, sem ter como explicar a nomeação do criminoso, informou por meio de nota que fora enganado por Sindoma. Cumprindo pena em prisão de segurança máxima na Lombardia, Michele Sindona prometeu revelar detalhes dos escândalos, mas morreu em sua cela, em março de 1986, enquanto tomava café. Durante a perícia, a polícia descobriu que a bebida continha cianureto, a mesma tática usada para assassinar João Paulo I.

    O caso Emanuela Orlandi

    Filha de um funcionário do Vaticano, Emanuela Orlandi não foi protagonista do escândalo, mas vítima da organização criminosa que era liderada por Paul Marcinkus. Emanuela desapareceu em 1983, quando tinha 15 anos, e jamais foi encontrada.

    O que era para ser um caso corriqueiro de desaparecimento transformou-se, em pouco tempo, no capítulo mais sinistro do escândalo que teve na proa o Banco Ambrosiano e envolveu o Vaticano, o Banco do Vaticano e uma organização criminosa conhecida como “Banda della Magliana”, que atuava na capital italiana.

    A “Banda della Magliana” era comandada por Enrico de Pedis, um delinquente que, junto com seus parceiros de crimes, atuava no tráfico de drogas, turfe e lavagem de dinheiro. Ao lado da Gladio, a “Banda della Magliana” participou de ataques terroristas realizados, ao longo da Guerra Fria, com o objetivo de desestabilizar a política italiana durante o período que foi chamado de “Anos de Chumbo”.

    A “Banda” foi acusada de participar dos assassinatos do jornalista Carmine Pecorelli, do ex-primeiro-ministro Aldo Moro e do então presidente do Banco Ambrosiano, Roberto Calvi, além de envolvimento no atentado na estação de ferroviária de Bolonha. A “Banda della Magliana” era uma espécie de apêndice criminoso das Brigada Vermelhas.

    O desaparecimento de Manuela Orlandi foi relacionado com a tentativa fracassada de assassinar Karol Wojtyla, o papa João Paulo II, na Praça São Pedro. Em junho de 2008, Sabrina Minardi, ex-namorada de De Pedis, afirmou em depoimento que Emanuela foi sequestrada e morta pela “Banda della Magliana”, tendo seu corpo arremessado em triturador de cimento. O crime, segundo Sabrina, foi ordenado pelo arcebispo Paul Marcinkus.

    Enrico de Pedis se aproximou de Marcinkus por intermédio de Roberto Calvi, então presidente do Ambrosiano, que acolhia e lavava o dinheiro sujo da “Banda dela Magliana”. De acordo com o depoimento de Sabrina Minardi, a ordem de Marcinkus tinha o objetivo de calar o pai de Emanuela Orlandi, um funcionário do Vaticano, que sabia demais sobre os bastidores imundos da Santa Sé.

    De Pedis morreu em fevereiro de 1990, assassinado por seus antigos comparsas. A sua proximidade com a cúpula criminosa do Vaticano garantiu-lhe o sepultamento ao lado de papas e cardeais na Basílica de São Apolinário.

    Após denúncia, o Ministério Público de Roma decidiu abrir o túmulo para investigação e confirmou que De Pedis de fato tinha sido sepultado em uma basílica pertencente ao Vaticano. Os procuradores prosseguem na investigação para apurar os motivos que levaram a tão estranho sepultamento.

    Há informações desconexas no caso, mas a ex-namorada de Enrico de Pedis não tinha razão para mentir, em depoimento, depois de quase vinte anos da morte do líder da “Banda della Magliana”.

    As denúncias de Viganò

    Joseph Ratzinger não é um homem inocente e desprovido de inteligência. Se assim fosse, jamais teria chegado a Sumo Pontífice da Igreja Católica. Contra Ratzinger pesa o fato de ter integrado a Hitlerjugend (Juventude Hitlerista), divisão da SS criada por ordem de Adolf Hitler e composta por jovens alemães. Em outras palavras, ao então jovem Joseph Ratzinger não restou opção, que não a de cumprir a determinação de um facínora que acreditava na supremacia da raça ariana e na possibilidade de dominar o mundo. E esse detalhe tem sido usado por alguns que querem dar conotação distinta à decisão de Bento XVI de encerrar seu período à frente da Santa Sé.

    Sabendo do que acontecia no Vaticano antes de sua escolha como papa, Joseph Ratzinger foi alertado pelo arcebispo Carlo Maria Viganò sobre o esquema criminoso que ainda domina a sede do Catolicismo.

    Na carta que enviou ao papa, cujo conteúdo acabou vazando para a imprensa, Viganò, que foi secretário-geral do governorado do Vaticano, afirmou que lá “trabalham as mesmas empresas, ao dobro (do custo) de outras de fora, devido ao fato de não existir transparência alguma na gestão dos contratos de construção e de engenharia”. Para que o caso não se transformasse em mais um escândalo na seara da Igreja Católica, o Vaticano informou que as afirmações de Carlo Maria Viganò resultavam de “avaliações incorretas”.

    Viganó seguiu em suas denúncias e na carta endereçada a Ratzinger destacou: “Jamais teria pensado em me encontrar diante de uma situação tão desastrosa”, que apesar de ser “inimaginável, era conhecida por toda a Cúria”. Além disso, o denunciante afirmou que banqueiros que integram o chamado Comitê de Finanças e Gestão se preocupam muito mais com os próprios interesses do que com os do Vaticano, lembrando que em dezembro de 2009 “queimaram US$ 2,5 milhões” em uma operação financeira. Ou seja, o desvio de dinheiro para despesas pessoais dos que integravam o concílio criminoso e que levou o Banco Ambrosiano à quebra continua em pauta na Praça São Pedro.

    O escândalo Vatileaks

    Mordomo do papa Bento XVI desde 2006, Paolo Gabriele foi preso sob a acusação de ter roubado documentos secretos da cúpula do Vaticano, encontrados pela polícia em seu apartamento.

    O escândalo Vatileaks, uma alusão ao Wikileaks, veio à baila em janeiro de 2012, quando o jornalista italiano Gianluigi Nuzzi publicou o conteúdo da carta do arcebispo Carlo Maria Viganó ao papa.No documento, Viganó pedia ao Sumo Pontífice para não ser transferido apenas por conta de suas denúncias. Contudo, a decisão de Ratzinger de mandar um dos ex-administradores do Vaticano para os Estados Unidos pode ter salvado a vida de Carlo Maria Viganó.

    Ainda no primeiro semestre de 2012, o escândalo ganhou reforço com o vazamento de documentos que tratam de uma ferrenha luta pelo poder no Vaticano e relatam os esforços de Bento XVI para mostrar maior transparência financeira e cumprir à risca as normas internacionais de combate à lavagem de dinheiro. Nesse período, uma carta anônima, que ganhou o noticiário, fazia um alerta sobre ameça de morte contra o papa.

    O imbróglio ganhou novos e explosivos contornos com o lançamento, em maio de 2012, do livro “Sua Santidade, as Cartas Secretas de Bento XVI”, do jornalista Gianluigi Nuzzi, que em sua obra tratou das correspondências confidenciais trocadas entre Bento XVI e seu secretário pessoal. Polêmico, porém verdadeiro, o livro mostra a face oculta do Vaticano, onde intrigas, armações e disputas intermináveis pelo poder acontecem diuturnamente. O livro de Nuzzi também revela detalhes sobre as finanças pessoais de Ratzinger, casos de pagamento de suborno para conseguir agendar uma audiência com o papa, além de relatórios secretos sobre políticos italianos, como o presidente Giorgio Napolitano e o primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

    Gianluigi Nuzzi garante não ter desembolsado um euro sequer pela papelada, o que confirma que importantes e secretos documentos do Vaticano foram vazados propositalmente na tentativa de intimidar os criminosos que agem na Santa Sé. Escolhido para ser o operador desse vazamento de documentos, o mordomo Paolo Gabriele foi preso, mas por saber demais acabou solto e no final de 2012 recebeu um indulto do papa, o que mostra que a operação foi previamente combinada, mas não surtiu o efeito desejado e levou Ratzinger a anunciar o fim do seu pontificado.

    Minhas considerações finais

    Ser informado no Brasil é crime para aqueles que nada sabem e se julgam a personificação da sabedoria. Revelar a verdade dos fatos, narrar a história em sua sequência real e fiel, também é crime na visão de um bando de revoltados que não se conformam com a própria ignorância e usam rapapés e declarações chicaneiras para atacar quem não conhecem.

    Faço jornalismo da maneira como deve ser feito, sem sensacionalismo barato. Se o Criador, aquele que não frequenta a Santa Sé, resolveu me colocar no lugar certo e na hora certa em determinados momentos, não tenho culpa. Não sou um inerte diante da história e muito menos um conformado que não reage às mentiras que a grande imprensa divulga sem parar.

    A história mostra que o Vaticano se cerca, não é de hoje, de bandidos profissionais, mas sou acusado de inventar fatos e chutar outros. Nada tenho contra a ignorância consentida de alguns, mas que esses se contentem com a própria insignificância, pois do contrário a melhor receita está no divã do analista mais próximo.

    Há mais de trinta anos me dedico a acompanhar e estudar os escândalos que emolduram o Vaticano e não será um grupelho facinoroso, que age como se fosse uma filial de Treblinka, que roubará minha consciência e muito menos a competência, reconhecida por muitos e que a cada dia busco melhorá-la, pois não me contento com o pouco saber e nem saio batendo no peito para gazetear que sou gênio, como fazem alguns dos meus críticos.

    Discordar é um dos pilares da democracia, cujo segredo é a convivência pacífica das opiniões divergentes. Atacar gratuitamente por discordância ou oportunismo burro e barato é sinal inconteste de incompetência e ignorância. Esses merecem conviver com os falsos santos que circulam nos subterrâneos do Vaticano, porque afinal são iguais.

    Joseph Ratzinger tomou a decisão mais acertada, pois entre viver em paz e ser conivente com criminosos que posam de oráculos do Senhor sem ter gabarito para tal, a primeira opção é a mais lógica. Por outro lado, continuo acreditando que aquele que incomoda uma minoria burra é porque está no caminho certo.

    (*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, comentarista e analista político, cronista esportivo, escritor, poeta e palestrante.