Na contramão – Na festa de comemoração dos 33 anos do PT e de dez anos do partido no poder central, Luiz Inácio da Silva, que se comportou como uma versão mambembe de Odorico Paraguaçu, cometeu a insensatez (para ser minimalista) de afirmar que foi sob o comando da legenda que o Brasil ressurgiu em termos sociais e a economia avançou. E Lula, como sempre, não perdeu a oportunidade para atacar os adversários, até porque reeleger Dilma Rousseff, que já é conhecida dos brasileiros por sua inoperância, será uma tarefa mais difícil do que quando a companheira era uma estreante nesse tipo de disputa.
“Eles estão inquietos, porque percebem que estão sem valores, sem discurso e sem propostas. Porque toda e qualquer coisa que eles pensaram em fazer, nós fizemos mais e melhor”, disse Lula com a desfaçatez que lhe é peculiar.
Qualquer cidadão minimamente esclarecido sabe que na última década o Brasil caminhou para trás. Foram dez anos de muita pirotecnia oficial, que serviu como cortina de fumaça para os seguidos escândalos de corrupção. Lula, que é um animal político, sabe que a situação do partido não é das melhores. O que o ex-presidente tenta fazer com a ajuda de alguns aliados de primeira hora é erguer um murro de arrimo para conter a avalanche que pode soterrar o partido.
Por certo os ufanistas que idolatram Lula contestarão essa tese, mas é preciso analisar a economia como um todo e acompanhar o que pensam os integrantes dos partidos aliados no palco e principalmente nos bastidores. Todos sabem que a memória do brasileiro é curta e as reticências de escândalos tendem a se diluir com o tempo, mas o caso do Mensalão servirá de moldura para um assunto que cada vez mais tira o sono dos brasileiros e até mesmo de políticos da base. A crise econômica que os palacianos insistem em fingir que não existe.
Quando políticos que sempre defenderam o governo, algumas vezes de forma até irracional, começam a assumir publicamente que a crise econômica é grave e preocupante, é porque a situação é muito pior do que imagina a extensa maioria da sociedade, que por questões culturais e de comodismo prefere manter-se à distância do cotidiano da política nacional. Eis o grande erro de uma nação, que deixa os governantes agirem livre e impunemente.
Nos bastidores da base aliada a situação é ainda pior. Políticos não apenas reconhecem a existência e a virulência da crise, mas admitem que, por razões eleitorais, podem mudar o discurso ou trocar de partido. E as eventuais mudanças de legenda devem acontecer nos próximos meses de acordo com o que determina a legislação eleitoral. Um dos partidos da base que ensaia carreira solo e fala abertamente sobre a crise é o PSB, do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que continua de olho na cadeira de Dilma.
Se isolados os números da economia não mentem, quando colocados simultaneamente sobre a mesa nenhuma desculpa, por mais elaborada que seja, é capaz de explicar o inexplicável. Como tem noticiado o ucho.info há alguns meses, o governo de Dilma Rousseff está em uma encruzilhada e nos próximos dias terá de escolher o caminho a ser seguido. Os discursos sobre a inflação, desconexos no primeiro escalão do governo, mostram que os palacianos estão perdidos em relação ao tema. Enquanto o ministro Guido Mantega, da Fazenda, discursa em determinada direção, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, direciona sua fala na direção oposta.
A grande questão que ficou explicita durante os últimos dois anos é que o centro da meta de inflação nunca foi levado a sério pelas autoridades econômicas do governo, que se acostumaram a conviver com o teto da meta, que é de 6,5%. Atualmente, a inflação está em 6,15%, o que confirma que o governo do PT tem uma política econômica muito semelhante ao cidadão que incorpora o limite do cheque especial aos seus ganhos mensais. E a partir do segundo mês a conta começa a não fechar. É o que tem acontecido com a inflação, que foi combatida pelos petistas de forma desordenada e pontual, sempre ancorada na falsa sensação de que o teto era a bóia de salvação.
Entre a realidade dos fatos e o discurso que escapa do Palácio do Planalto, o núcleo do governo e a cúpula petista terão de abrir mão da mentira e deixar a reeleição de Dilma Rousseff à beira do caminho pelo menos por enquanto. Defendida pelo presidente do BC, a alta das taxas de juro já é admitida por boa parte do governo, que no momento não tem outra ferramenta de combate à inflação.
Com essa medida, o problema migra para outro vértice da crise. O crescimento econômico, que preocupa o governo, deve continuar patinando com tal decisão. Com taxas de juro mais altas, o consumo diminui e a já castigada indústria nacional reduzirá a produção. Com isso, irá pelo ralo a aposta do Palácio do Planalto de reverter a crise com o consumo interno. Eis o enigma que mereceu destaque em inúmeras e seguidas reportagens anteriores deste site. Não há como agradar os dois lados da crise e o governo terá de decidir com celeridade, apostando no escuro.