O candidato Serra

    (*) Ipojuca Pontes

    Para alguns especialistas em marketing político, o nome define o candidato. Melhor dizendo: segundo tais especialistas, em determinadas eleições, um nome considerado fatídico pode criar na cabeça do eleitor, consciente ou inconscientemente, certo tipo de – vá lá o termo – resistência. Por exemplo, Covas. Com um nome assim, que sempre se pode associar à imagem de caverna, buraco, tumba ou prenúncio de morte, o sujeito dificilmente chegaria à presidência da República.

    Outro nome, por assim dizer, sombrio: Serra. Ao ouvir a articulação da palavra “Serra”, pode-se logo imaginar uma lâmina longa, dentada, a serrar os ossos do cidadão. Ou até, quem sabe, a boca de um tubarão, com fileiras de dentes pontiagudos, prontos para abocanhar as cartilagens do infeliz banhista. Se os profissionais do marketing político estiverem certos, José Serra, o candidato à Presidência da República (e atual governador de São Paulo), carrega nome designativo de maus presságios e, por ilação, incapaz de comover o eleitorado (nacional) em suas pretensões presidenciais – pretensões que já foram repudiadas, em 2002, pela vontade do eleitor.

    Mas o candidato Serra não carrega grau de animosidade eleitoral apenas no nome: sua cara insulsa, por guardar permanente ricto de desgosto, causa sempre uma sensação de desconforto em quem o observa por mais de dois minutos. De fato, bem examinado, parece não haver naquele semblante resquício notável de alma, calor, vida emotiva ou paixão. De minha parte, por mais boa vontade que mantenha, ao encarar o político José Serra, tenho o pressentimento de que por trás daqueles olhos de palhaço triste efervescem, num só caldo, ressentimento, maquiavelismo e ambição.

    Ademais, para além dos maus presságios acima levantados, acresce que o passado político do candidato Serra, pelo menos para a ótica democrata, não inspira a menor confiança: ele foi presidente da famigerada UNE (eterno instrumento da sanha comunista no meio estudantil) e, pior, um dos fundadores da AP – Ação Popular –, a organização radical (depois clandestina) da igreja católica esquerdista (apostata), toda ela comprometida, desde os tempos de Jango (o presidente latifundiário), em implantar, também pela via armada, a ditadura revolucionária no país.

    Por outro lado, como homem público, José Serra se insere naquele padrão de gente que acredita cegamente na eficiência do Estado intervencionista, planejador e assistencial, por definição, promotor da oligarquia político-burocrata especializada em espoliar quem trabalha e pensa em lucro, crescimento e riqueza. Com efeito, difuso cultor da macumba “estruturalista” tocada nos anos 1960 pela Cepal (a folclórica Comissão Econômica para a América Latina, estabelecida no Chile), o político paulista até hoje faz da panacéia do governo empreendedor, regulador e fiscalista a razão imperativa de sua existência pública – e pouco importa que se diga, na atualidade, por estratégia, estar ele alinhado a correntes esquerdistas mais “liberalizantes”.

    Neste particular, seu fascínio pelo controle da vida social (típica manifestação do caráter totalitário) extrapola o tolerável: ele tornou São Paulo um laboratório de proibições punitivas, sobretudo para quem procura no ato individual ou coletivo de fumar algum estímulo para ir levando a vidinha. Um controle social relativista, diga-se, pois o político Serra, tal como o seu mentor, Fernando Henrique Cardoso, faz parte do bloco que defende “amplo debate sobre a questão da droga” e admite um “tratamento diferenciado” para quem a consome – o que equivale dizer que, no futuro, para governantes que nem Serra, o Estado corrupto pode muito bem fornecer cocaína ao viciado por conta do Erário.

    No tocante ao tema do aborto, queira ou não um crime premeditado, pois elimina conscientemente a vida em gestação, Serra pronuncia-se contra a sua legalização, mas, curiosamente, o encara como “uma questão de saúde pública” – o que, no frigir dos ovos, é o mesmo que se manifestar, em escala relativista, favorável ao aborto. Por sua vez, como candidato politicamente correto, Serra se declara “favorável ao casamento gay”, caso tal proposta seja aprovada pelo Congresso Nacional.

    Mas há projeto mais perigoso na agenda do candidato Serra: como homem público avesso “aos militares”, leia-se Exército Nacional, ele pretende, caso chegue à Presidência da República, propor a criação de Ministério da Segurança Pública. Seu entendimento, segundo propala, é de que “a União precisa estar à frente da coordenação das ações de segurança, inclusive com maior presença no controle das fronteiras”.

    O que significa isto? Um caso de rancor acumulado? Mais um ministério? E o da Defesa, para que serve? Estaria, neste caso, o engajado Serra, tal como Hugo Chávez e o trêfego Barack Obama, querendo uma força especial subordinada aos feitiços ideológicos da “social-democracia”? Na sua agenda de intenções, o candidato Serra não esclarece a questão – o que nos leva a desconfiar dos propósitos totalitários da medida.

    De minha parte, penso que políticos como José Serra devem ser responsabilizados pela ausência de oposição real no país, uma ausência criminosa, que, de modo clamoroso, permite o arbitrário Lula exercer o seu governo facinoroso sem o menor temor ou constrangimento. Como justificativa, em geral, associa-se a omissão oposicionista do PSDB à completa identidade ideológica entre este partido e o partido do governo.

    De resto, o próprio Lula, consagrando o óbvio, confessou estar articulando encontro amistoso entre José Serra e Dilma Rousseff, a candidata (ainda) do governo, para acertar o “modus operandi” da transição do poder em 2010. Antes, o presidente-sindicalista tinha declarado que, Dilma ou Serra, qualquer um que fosse eleito o “deixaria tranquilo”, pois ambos são “do meu agrado” – o que, partindo de Lula, transparece dose certa de malícia, visto que a cada dia fica mais factível o projeto do terceiro mandato.

    O Brasil está numa sinuca de bico. Nele, não existe mais a possibilidade da alternância de idéias na condução do poder. Lula, Rousseff, Serra, Ciro Gomes, um pouco menos Aécio Neves, todos pensam do mesmo modo e agem em função da supremacia do “Estado Forte” – ente insaciável que vê no indivíduo (e na sociedade) mera fonte de arrecadação de tributos para o sustento da gigantesca máquina burocrática.

    Dir-se-ia que se instalou no país o sistema feudal do pensamento único, a sustentar malandramente os alicerces apodrecidos do Estado provedor, responsável direto pelo abastardamento político e o conseqüente esfacelamento moral do povo brasileiro.

    Dentro desta perspectiva, tal como ocorreu com a União Soviética, levar-se-ão décadas até que a exacerbação do pessimismo social, provocado pela inviabilidade do sistema, carregue o Ogro Filantrópico, para todo o sempre, numa tempestade de poeira tóxica.

    E, com ela, os seus mentores, cultores e descendentes.