(*) Roberto Romano da Silva
O Brasil é um resquício do absolutismo, doutrina do poder hegemônica nos séculos 17 e 18. Quando a Inglaterra fez sua Revolução democrática com os Niveladores (os Levellers), ela atenuou o mando irresponsável dos reis. Ganharam os cidadãos que pagavam impostos, sem usufruir direitos públicos. A prestação de contas passou a ser exigida dos parlamentares, dos ministros, dos juízes ingleses. É o que explica a diferença de hoje entre o Brasil, com um Congresso que se “lixa para a opinião pública” e a Inglaterra, onde caiu o responsável pela Câmara dos Comuns, com possível convocação de eleições para mudar o governo.
As sementes da Revolução democrática inglesa foram levadas para o solo norte-americano, onde brotaram até a ruptura entre Colônia e metrópole. A independência consagrou a responsabilização pública dos governantes, legisladores e magistrados. As mesmas sementes voltaram ao continente europeu na figura de norte-americanos, que lutaram com revolucionários franceses.
Mas veio o Termidor, a ruptura com os princípios da responsabilização dos governantes. Com Napoleão 1 começa a hegemonia do Executivo sobre o Estado. Quando fugiu do imperador, João, futuro rei, trouxe na comitiva o plano de aqui instaurar um Estado reacionário, contra as normas de responsabilidade dos governos. Ele seguiu o projeto, bem sucedido, de instaurar um Estado absolutista no Brasil. As formas legais e as práticas administrativas inauguradas em nossa terra garantiram o Estado com base em ações irresponsáveis, bem de acordo com o absolutismo. Assim foi criado o Banco do Brasil, para imprimir moeda sem lastro, com o fito de financiar o Estado que deveria dominar o imenso território nacional. As dificuldades administrativas e de outros teores foram resolvidas pelo reforço do Estado central, com impostos salgados e nenhum retorno às regiões escorchadas. É em tal situação que, na Independência, com uma fraude teórica e prática, foi instaurado o Poder Moderador.
Fraude: Benjamin Constant (o francês liberal) ideara aquele sistema para estabelecer os limites dos poderes, garantir sua harmoniosa relação. Neutro, o poder Moderador seria o apanágio da realeza, os ministros seriam responsáveis pelo governo e os legisladores não seriam pagos. O julgamento pelo juri seria a norma e haveria liberdade de imprensa. (B. Constant: Cours de Politique Constitutionelle ou collection des ouvrages publiés sur le gouvernement représentatif, Paris, Guillaumin et Cie. 1872), Erra, diz o autor, quem ignora limites de qualquer poder. “Crime é crime, pouco importa a fonte de poder alegada por quem o comete: indivíduo, partido, nação. Com o Poder Moderador segundo Constant se tentou idear os limites dos três poderes, impedindo a hipertrofia de um deles como ocorreu na ditadura napoleônica, em nome do Executivo, e da ditadura jacobina, em nome do Legislativo. Ambos seguiram a tendência ao absolutismo, o que, segundo Constant, é idêntico a despotismo sem barreiras.
A fraude cometida no Primeiro Império contra aquela doutrina gerou uma estrutura política monstruosa na qual o Chefe do Estado não foi neutro, como queria Constant, mas superior, com prerrogativas para interferir nos demais poderes. A República conservou, silenciosamente, tais prerrogativas na Presidência da República. Esta, segundo a sua gênese e costume, opera como se estivesse acima dos outros setores estatais. É ditadura perene.
Daí que, para todo presidente, investigações do judiciário ou legislativo no Executivo são crimes de lesa majestade. É o que assistimos hoje com Lula, na CPI da Petrobrás. Trata-se de um retorno dos lemas antidemocráticos instaurados por João VI. Um político e seu partido, que se diziam “progressistas”, voltam ao Antigo Regime. O pior é ver grupos que ainda hoje se dizem socialistas e marxistas, mas exibem sem pudor trejeitos do absolutismo, incluindo a corrupta venalidade dos cargos e os benefícios auferidos para apoiar os governantes. Que vergonha, companheiros!