Com ou sem diploma, a ética deve vir na frente

    (*) Ucho Haddad –

    A edição desta quinta-feira (18 de junho) do Jornal Nacional terminou com a leitura de alguns trechos do texto assinado por João Roberto Marinho, acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal de acabar com a obrigatoriedade do diploma universitário para o exercício do jornalismo. Na opinião do vice-presidente das Organizações Globo, as empresas do grupo continuarão buscando nas escolas de comunicação social do País os profissionais que necessita. Depois de anunciada a decisão da Suprema Corte, qualquer discurso nesse sentido não passa de retórica desnecessária e mentirosa, pois os maiores grupos de comunicação brasileiros – e nesse rol está a Vênus Platinada – trabalharam incansavelmente para que o veredicto fosse esse.

    Nessa barafunda criada na órbita de tão polêmico assunto, algumas situações devem ser consideradas para se chegar a um consenso. Escrever é uma vocação, uma relação de profunda intimidade com a palavra e suas reticências. Por isso há tantos jornalistas sem diploma. São pessoas que inexistem se o convívio com as letras lhes for tolhido.

    O segundo quesito a ser considerado é a formação acadêmica, que muito contribui para o exercício do jornalismo, mas nem de longe é suficiente. Quem convive com estudantes de comunicação social sabe muito bem o que esses incautos aprendem nos bancos da escola. Não faz muito tempo, em uma das mais conceituadas escolas de jornalismo do País, um professor universitário ousou dizer aos seus alunos que o jornalismo não pode transformar uma nação. Ou seja, os que conseguirem colocar a mão no tão sonhado “canudo” devem, quando muito, se contentar com a função de vaca de presépio dentro de uma redação. Não é bem assim. A realidade é bem distante desse triste cenário criminosamente ofertado aos universitários. Uma redação eficiente se faz através de um binômio democrático: experiência com entusiasmo. E com 100% de certeza é possível mudar uma nação através do jornalismo, desde que se viva em uma democracia.

    Tão logo foi anunciada a decisão do STF, muitos foram os que afirmaram que, de agora em diante, qualquer um pode ser jornalista. O que a Constituição Federal garante é a livre manifestação do pensamento. E se essa manifestação acontecer por meio da palavra escrita e falada, possível será pasteurizar o discurso e afirmar que todos os pensantes manifestos são jornalistas. Sendo assim, agora o Brasil é um País de 200 milhões de jornalistas. Menos mal, pois uma nação com 200 milhões de técnicos de futebol era algo extremamente chato.

    Quando os defensores do diploma entravam em cena, a desculpa era sempre a mesma: os jornalistas não diplomados desconhecem a ética. Ora, se jornalismo é vocação e ética se aprende na escola, o melhor é frequentar um curso de ética, e não de comunicação social. Diferentemente do que afirmam alguns, ética aprende-se em casa, na grande maioria das vezes no primeiro setênio de vida. Resumindo, ou chega-se à faculdade sabendo o que é ética, ou nada feito. Nem mesmo no mais dourado dos sonhos professores universitários, quase sempre mal remunerados e cansados, serão capazes de ensinar a um adulto o que é ética.

    Tendo como pano de fundo a teoria de que ética se aprende esquentando os bancos das universidades, coloco no palco da verdade algumas situações jornalísticas aéticas capitaneadas por diplomados.

    Em 1989, Luiz Inácio da Silva conheceu a ética jornalística. Ao disputar a presidência da República com Fernando Collor de Mello, o candidato petista teve a vida pessoal devassada por conta do interesse espúrio de um veículo de comunicação. À época, a filha de Lula da Silva, Lurian, até então desconhecida do povo brasileiro, virou celebridade às avessas da noite para o dia. Obra de um ético e diplomado jornalista.

    Médico, homem público de trajetória ilibada e de caráter idêntico, ex-prefeito de Pato Branco, no Paraná, e atualmente exercendo mandato de deputado federal, Alceni Guerra também conheceu de perto a ética jornalística. Então ministro da Saúde do governo Collor, o paranaense Alceni foi acusado de favorecimento em processo licitatório para a aquisição de bicicletas. Nada foi provado, até porque tudo o que foi dito e escrito não passou de uma monumental calúnia. Obra de um ético e diplomado jornalista, a serviço da empresa que nos dias de hoje garante que buscará talentos nas escolas de comunicação social.

    Deputado federal pelo PMDB gaúcho, Ibsen Pinheiro, cujo currículo espelha sua grandeza de caráter, conheceu de perto a ética jornalística. Então presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen teve o mandato cassado e foi escorraçado da vida pública da maneira mais vil e covarde. Uma matéria jornalística, publicada por uma revista semanal de qualidade duvidosa, garantia que o parlamentar tinha em sua conta bancária US$ 1 milhão. Uma infâmia das mais abissais e lamacentas. Obra de um ético e diplomado jornalista.

    Homem de bem e preocupado com o bem estar do próximo, José de Paiva Netto, presidente da Legião da Boa Vontade, ficou frente a frente com a ética jornalística. Paiva Netto recebeu oferta para vender à Rede Globo a concessão pública de um canal de televisão que hoje integra a Rede da Boa Vontade. Diante da negativa, o presidente da LBV teve sua vida achincalhada de maneira torpe e chicaneira. Tudo porque o dono do Brasil não podia ser contrariado. Obra de um ético e diplomado jornalista.

    Ibrahim Abi-Ackel também foi recepcionado de maneira calorosa pela ética jornalística. Então ministro da Justiça, o mineiro Abi-Ackel determinou que os produtos eletrônicos importados por emissora de tevê, através de uma fundação de fachada (golpe literal), fossem taxados dentro da legalidade. Como o dono do Brasil, o Cidadão Kane, não podia ser contrariado, Ibrahim Abi-Ackel foi acusado de contrabandear pedras preciosas. Provas? Nenhuma. Obra de um ético e diplomado jornalista.

    No caso Celso Daniel, a investigação começou a partir de uma conhecida e renomada churrascaria paulistana. A Rede Globo, que em nenhuma de suas reportagens admite nem mesmo citar nome da empresa de um entrevistado, fez questão de escancarar na tevê a logomarca do restaurante. Obra de um ético e diplomado jornalista.

    Um dos maiores nomes do jornalismo investigativo nacional, Tim Lopes foi morto de maneira covarde durante reportagem sobre prostituição em bailes funks na periferia carioca. Tim certamente não foi ao local por livre e espontânea vontade. Algum ético e diplomado lhe deu a ordem de caminhar na direção da própria morte. Referência no jornalismo brasileiro, Tim Lopes – que esbanjava ética – ainda é lembrado pela Vênus Platinada a cada doze meses.

    Por ocasião do acidente com o Airbus da TAM, emissoras de tevê vasculhavam, no meio da destroçada dor alheia, a chamada exclusividade da notícia. No momento em que acontece uma tragédia não há furo jornalístico, pois a ética, aquela que a escola jamais ensina, não permite. Mas esse tipo de situação sobrou durante a cobertura do trágico acidente. Obra de éticos e diplomados jornalistas.

    Quando Lindemberg Fernandes Alves manteve em cativeiro por mais de cem horas, na cidade de Santo André, as jovens Eloá e Nayara – a primeira acabou morta –, veículos de comunicação entrevistaram o seqüestrador, ao vivo, o que lhe deu a falsa sensação de poder. Obra de éticos e diplomados jornalistas.

    Carlos Brickmann, um dos maiores jornalistas brasileiros, ao comentar a perseguição sindicalista imposta a alguns não diplomados, foi genial e preciso, como sempre: “A Arca de Noé foi construída por gente sem diploma. O Titanic, por gente com todos os diplomas possíveis e imagináveis”. Mesmo que as sábias palavras de Brickmann dispensem qualquer explicação, fato é que alguns diplomados têm a luciferiana capacidade de naufragar a honra alheia.

    De acordo com o dicionário Houaiss, ética é a “parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especialmente a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social”. Mas no Brasil, a exemplo do que ocorre no restante do planeta, quando o dinheiro entra em cena a ética também atende pelo nome de lucro.

    Jornalismo é uma profissão de fé, que exige dedicação infinda, crença absoluta e sacrifícios de todos os matizes. E quem não estiver preparado para isso certamente desistirá no primeiro tropeço. Diploma não garante coisa alguma. Nem uma faculdade bem cursada, nem talento de sobra. Quem for competente que se estabeleça. Com ou sem diploma, mas com ética e responsabilidade. E ponto final!