“O importante agora é a questão dos critérios. Não podemos abrir para qualquer ‘Pedro Bó’ ser jornalista”

Para o coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, Carlos Costa, a profissão requer competência, independente do diploma. Na opinião do jornalista, decisão do STF foi “emocional”

(*) Ana Carolina Castro e Karina Trevizan

"Quando fazemos o juramento como jornalista, nos comprometemos a lutar pelo desenvolvimento e pelo bem-estar do povo brasileiro, trabalhar com ética. Não estamos fazendo baião de dois, peixe na brasa nem assando um tucunaré"
"Quando fazemos o juramento como jornalista, nos comprometemos a lutar pelo desenvolvimento e pelo bem-estar do povo brasileiro, trabalhar com ética. Não estamos fazendo baião de dois, peixe na brasa nem assando um tucunaré"
Mais que discutir a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo, é necessário debater quais critérios devem ser usados para determinar se uma pessoa pode ou não exercer a profissão. É o que pensa Carlos Roberto da Costa, jornalista, professor titular e coordenador de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, a primeira instituição a ministrar o curso no país. Foi nessa faculdade em que, em 1978, Costa se formou.

Para o jornalista, que já passou pelas redações de revistas da Editora Abril, como “Elle”, “Quatro Rodas” e “Playboy”, os oito ministros do Supremo Tribunal Federal que participaram da discussão que aboliu a exigência da graduação para exercer a profissão, no último dia 17, tomaram a decisão com “os ânimos muito exaltados”. “Ninguém precisa ficar nervoso com isso, vamos conversar”, tranquiliza Costa, que acredita que os ministros estão mais preocupados em “passar para a História”. Em entrevista ao ucho.info, ele explicou por que não reforça o coro dos que acham a decisão um absurdo, mas ressalta que o curso de Jornalismo tem sua importância.

Qual é a sua opinião sobre a decisão do STF?
Houve uma reação muito emocional, os ânimos estão muito exaltados. Em primeiro lugar, os dos ministros do STF. Acredito que o Gilmar Mendes falar em cozinheiros, com todo respeito e carinho [pelos cozinheiros], é baratear a conversa. Nós estamos falando de uma profissão que tem até um lado de missão. Eles gostam de falar que um juiz é como um sacerdote, e eu acho que o jornalista também é assim. Temos a missão de lutar para construir um mundo melhor. Quando fazemos o juramento como jornalista, nos comprometemos a lutar pelo desenvolvimento e pelo bem-estar do povo brasileiro, trabalhar com ética. Não estamos fazendo baião de dois, peixe na brasa nem assando um tucunaré. Eu acho que foi muito infeliz todo o discurso dos ministros, foi um tipo de acerto de contas.

"Todos são iguais perante a lei e, portanto, o Sarney é qualquer um. Ter sido presidente, ter uma filha que tem mordomos em casa e é adepta da jogatina, isso não faz dele alguém especial"
"Todos são iguais perante a lei e, portanto, o Sarney é qualquer um. Ter sido presidente, ter uma filha que tem mordomos em casa e é adepta da jogatina, isso não faz dele alguém especial"
Em que sentido?
No sentido de ‘vamos dar o troco para esses rapazes que vivem nos incomodando’. Eu imagino que o ex-presidente Sarney deve estar muito incomodado, porque a imprensa noticia coisas que eles prefeririam que não fossem noticiadas. Quando a imprensa é muito bem quista é porque alguma coisa está errada. O Evangelho já diz que, quando o sal perde seu efeito, ele não serve para nada. O papel da imprensa é incomodar, cutucar, fazer as pessoas refletirem. Eu estava vendo o programa do Ratinho, que é muito amigo do Lula, e ele tentou justificar por que o presidente falou que a imprensa não deveria atacar o Sarney porque ele não é qualquer um. A Constituição diz diferente. Todos são iguais perante a lei e, portanto, o Sarney é qualquer um. Ter sido presidente, ter uma filha que tem mordomos em casa e é adepta da jogatina, isso não faz dele alguém especial. Houve muita emoção da parte do STF e, de alguma maneira, essa decisão foi consequência de todo um viés político que vem sendo batalhado, sobretudo pela “Folha de S. Paulo”, que é contra o diploma. Por outro lado, houve uma reação muito emocional por parte dos jornalistas, dos blogs. Muitas pessoas ligavam na faculdade convidando-nos para uma passeata e ficavam possessas porque não íamos participar. Uma jornalista de um programa de rádio ficou um tanto brava porque eu não disse para ela que achava essa determinação um absurdo.

"Eu acredito na necessidade de contratar pessoas habilitadas, diplomadas e preparadas para a profissão, mas proibir que alguém use sua capacidade de comunicação para escrever é descabido"
"Eu acredito na necessidade de contratar pessoas habilitadas, diplomadas e preparadas para a profissão, mas proibir que alguém use sua capacidade de comunicação para escrever é descabido"
Por que o senhor não acha um absurdo?
A obrigatoriedade do diploma é uma coisa meio arbitrária mesmo. Eu acredito na necessidade de contratar pessoas habilitadas, diplomadas e preparadas para a profissão, mas proibir que alguém use sua capacidade de comunicação para escrever é descabido. O Dráuzio Varella, para ficar em um exemplo comum, pode fazer um bom trabalho de divulgação. Sobretudo, se ele fizer um curso de especialização que ensine que aquilo que os laboratórios dizem deve ser checado, ele passa a ser jornalista em vez de um divulgador médico. De fato, ninguém proíbe o Fernando Henrique de escrever uma coluna no “Estado de S. Paulo”, ou Delfim Neto de ter uma coluna na “Carta Capital”. Isso já existe na prática. A desregulamentação só atende a algo que já existe no mercado. Ninguém proíbe o Dráuzio de conduzir um quadro no “Fantástico”, e ele não está dando entrevista, está conduzindo um programa, e com competência, embora alguns médicos questionem, digam que ele simplifica demais.

"Minha posição é que fica uma pendência, um assunto que é muito mais urgente, que é discutir os critérios que serão adotados para permitir que qualquer um seja jornalista"
"Minha posição é que fica uma pendência, um assunto que é muito mais urgente, que é discutir os critérios que serão adotados para permitir que qualquer um seja jornalista"

O senhor acha, então, que profissionais de outra área se inserindo no jornalismo é uma tendência?
Claro, o próprio Gilmar Mendes deu uma entrevista em São Paulo em que ele dizia isso. Há uma tendência de maior exigência de formações multidisciplinares. Ele [Gilmar Mendes] acha que as pessoas estão querendo o mais fácil, que é uma reserva de mercado. Minha posição e também a da faculdade é que fica uma pendência, um assunto que é muito mais urgente, que é discutir os critérios que serão adotados para permitir que qualquer um seja jornalista. O Gilmar Mendes poderia ser jornalista? Qual é o
critério? Tem que tem curso superior?

O senhor arriscaria em dizer se o ministro Gilmar Mendes pode ser jornalista?
Talvez com um bom preparatório, ele poderia sim. Ele tem uma dificuldade grande em sintetizar. A arte de editar, importante no jornalismo, é uma coisa que eu aprendi na escola, pegar um texto de 400 linhas e transformar em 80, mas com informações precisas e bem estruturadas.

O senhor acredita que essa medida vai fazer com que haja grande índice de desistência dos universitários do curso de Jornalismo?
Acredito que não. Se você quer ser jornalista, você não tem muita opção. Você vai fazer um curso de Ciência Política? Acho até interessante, mas se você não tiver um curso de Jornalismo, corre o risco de não ser um bom profissional. Ser jornalista é mais do que escrever; é apurar, é se colocar no papel do leitor, é ser didático. Um cientista político, por exemplo, não tem a preocupação de transmitir dados de uma forma que o público leitor entenda.

"Acabou a obrigatoriedade, mas não a validade do diploma. E ninguém é contra o diploma"
"Acabou a obrigatoriedade, mas não a validade do diploma. E ninguém é contra o diploma"
Além do curso em si, que outra vantagem a faculdade pode trazer?
Conviver com profissionais facilita, pois você aprende com a história deles. Essa é a importância de ter professores que estão no mercado. Eu saí da editora Abril há 10 anos, então eu já não sei como está a linha de montagem lá. O que me salva é que meu filho trabalha na editora Globo e me dá umas dicas do que se faz hoje. Uma escola que tem poucos professores no mercado tende a ser uma escola que reproduz um conhecimento ultrapassado. A faculdade é o ambiente para se preparar para ser jornalista. Acabou a obrigatoriedade, mas não a validade do diploma. E ninguém é contra o diploma. Eu mesmo, se tiver que escolher alguém, vou preferir aquele que se graduou, e se esse diploma for de uma faculdade ‘dessas por aí’ eu vou exigir mais do teste da pessoa.

Que critérios são importantes para a escolha de um profissional na sua opinião?
O capital social de uma pessoa é muito importante, e a vontade de aprender mais ainda.

Pode lembrar de exemplos?
Quando eu estava na Abril, trabalhando na “Elle”, me pediram para entrevistar a filha de um diretor da Ford. Ela achava que sairia contratada. Fisse que sabia usar o computador, então eu disse: “Ótimo! Sente-se no computador e escreva porque você quer trabalhar na Elle”. Ela não sabia, ficou uma situação sem graça. Ela fez que ia chorar, pediu para ir ao banheiro e nunca mais voltou. Se ela me dissesse “eu sou filha de um milionário e quero aprender tudo”, eu iria pensar se vale a pena, às vezes ela tem um capital social importante.
Me foi indicada uma vez uma moça chamada Renata Fioravante. Ela era casada com um cara que era dono da noite. Eu pensei “ela conhece pessoas, pode ser bom”. E era uma moça disposta a aprender. Ela não era jornalista, mas trabalhava como estagiária. Nós fomos a primeira revista a falar do “Toco”, que era uma discoteca na Moóca que fez muito sucesso, falamos do “Radar Tantan”… .

"O diploma, se você for esperto, te coloca nos eixos e te ajuda, mas se você não se dedica, o diploma não vai te ajudar muito. O jornalismo exige entrega"
"O diploma, se você for esperto, te coloca nos eixos e te ajuda, mas se você não se dedica, o diploma não vai te ajudar muito. O jornalismo exige entrega"

O que prova é a prática então?
Não, é a competência. Você tem que ser esperto, ir atrás. Eu acompanhei o TCC de uma aluna do quarto ano e o trabalho foi bem mal feito. Ela é menos jornalista que a Renata Fioravante. O diploma, se você for esperto, te coloca nos eixos e te ajuda, mas se você não se dedica, o diploma não vai te ajudar muito. O jornalismo exige entrega. Da mesma maneira que, para ser um bom médico, missionário ou juiz, você tem que se entregar à causa e comprar a briga, se você não tiver a verdadeira vocação você não será um bom jornalista. Produzirá um texto sem emoção.
Se não tivesse estudado Jornalismo, o senhor acredita que teria tido sucesso na profissão da mesma forma?
Eu de formação sou filósofo, mas fiz o curso de Jornalismo e garanto que não foi perda de tempo. Eu aprendi muito. Por exemplo, eu aprendi na faculdade a escrever frases curtas, a dividir um período em três frases menores. O livro “Notícias do Planalto” [Mario Sergio Conti] cita o meu trabalho, que era pegar o texto do Geraldo Ferraz e colocar pontos, diminuir o texto. E eu aprendi isso com meu professor de Radiojornalismo.

"Eu de formação sou filósofo, mas fiz o curso de Jornalismo e garanto que não foi perda de tempo. Eu aprendi muito"
"Eu de formação sou filósofo, mas fiz o curso de Jornalismo e garanto que não foi perda de tempo. Eu aprendi muito"

Por fim, qual é a conclusão mais importante que se pode tirar do fim da exigência do curso de Jornalismo?
O importante agora é a questão dos critérios. Não podemos abrir para qualquer “Pedro Bó” [personagem do programa humorístico Chico City] ser jornalista. Do jeito que a discussão foi colocada, o presidente do STF deixou um pouco a desejar. Ninguém precisa ficar nervoso com isso, vamos conversar. Eu achei que nenhum dos oito [ministros] estava tranquilo, estão todos querendo passar para a História.

As perguntas que havíamos preparado eram essas. Há algo que o senhor queira deixar registrado que nós não perguntamos?
Você sabe que eu termino todas as minhas entrevistas perguntando isso? Porque às vezes a pessoa se preparou para um tema e você nao perguntou.

Aprendi na faculdade, com o professor Celso Unzelte.
Será que ele aprendeu comigo? [Celso Unzelte foi repórter da “Quatro Rodas” à época em que o entrevistado era editor da revista].