O Senado Federal virou Câmara de grotão

    (*) Gilmar Corrêa –

    O Senado Federal virou uma Câmara de Vereadores de um grotão qualquer dessa imensa terra de Macunaíma. Nos grotões, as Câmaras funcionam de acordo com o pensamento e a vontade do prefeito. Algumas nem dispõem de plenário. Dependem da boa vontade da prefeitura que empresta uma salinha para que os edis possam se reunir e, evidentemente, ratificar o que o mandatário do Executivo mandou fazer.
    O discurso de que a crise no Senado era coisa de Senado foi mera retórica palaciana. Os petistas abaixaram a crista quando Lula da Silva chamou-os no Alvorada. Passou um pito no grupo de doze senadores que se assanhavam em pedir que José Sarney se licenciasse temporariamente, por trinta dias.
    Lula da Silva provou que a Câmara Alta é vassala. Não decide por si só e seus passos são previamente planejados no Palácio do Planalto. A cadeira de presidente da República virou cadeira de prefeito de grotão. Os senadores petistas viraram vereadores de grotão, subalternos e manietados.
    A Constituição garante a separação dos Poderes, mas, na prática, isso não acontece. A clara interferência do Executivo no Legislativo no Planalto Central mostra a face de uma democracia ainda muito incipiente e frágil.
    Não é novidade que o Legislativo é, entre os três Poderes, o mais vulnerável. Depois de quase três décadas de presidentes civis, no entanto, era de se esperar um mínimo de autonomia do Parlamento.
    A cara de velório dos petistas, como observou o ex-petista Cristóvam Buarque, hoje no PDT, é a imagem da falta de forças do Legislativo. Dependente, precisa dos favores do Executivo para chegar até o eleitor cada vez mais desconfiado da classe política. Precisa das verbas governamentais. Tal dependência é fruto de um sistema arcaico, em que o Executivo faz o que quer do Orçamento.
    José Sarney pediu arrego a Lula da Silva. O ser intelectual, maquiavélico na política, experiente no trato dos escaninhos do poder, compreende que só Lula da Silva poderia salvá-lo da guilhotina. Sarney sabe que é do lado do Executivo que as coisas acontecem.
    O presidente do Senado Federal rasgou seus próprios discursos, nos quais enfatiza a necessidade de separação dos Poderes. Nesse caso, a democracia virou retórica de coronel de interior.
    Jarbas Vasconcelos, o senador pernambucano, é enfático ao afirmar: “Nosso presidente não tem pudor algum. Tudo fará para permanecer no poder, inclusive comprometer seus correligionários e destruir o que ainda resta de dignidade ao Congresso Nacional, especialmente no Senado Federal. Não tem compromisso com nada e com ninguém, a não ser consigo mesmo. Deslumbrado pelo poder e pelos índices de aprovação de seu governo, considera-se acima das instituições”.
    Marina Silva, a senadora acreana, pelo menos teve uma ponta de coragem ao defender uma ampla reforma no Senado – instituição que teria “adoecido”. Mas há uma diferença entre escrever para um jornal e carregar a canga do Planalto. O peso é diametralmente oposto, como pode atestar Aloizio Mercadante, o líder da bancada do PT.
    Os parlamentares petistas e governistas, da mais alta representatividade do Parlamento brasileiro, deram um exemplo claro de como funcionam as coisas no Brasil. Submissos, não foram capazes de sustentar que no Parlamento quem manda são eles, e que o Executivo é o Poder a ser fiscalizado.
    Mataram o que poderia estar nascendo. Atrasaram o que poderia ser adiantado. Transformaram a República numa confraria do rei. Contrariaram a máxima de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.