Desastres naturais: muita conversa e pouca ação

(*) Ucho.info com Agência Câmara –

Entra ano, sai ano, e o Brasil é sacudido por tragédias naturais. A maioria poderia ser evitada segundo os especialistas. Embora cada vez mais comuns, os eventos climáticos ainda não fazem parte do planejamento das administrações públicas. E não foi por falta de debates e propostas. Pelo menos dez sugestões sobre defesa civil e ajuda em casos de calamidade estão tramitando na Câmara dos Deputados.

Independentemente de as enchentes e queimadas estarem associadas às mudanças climáticas, os especialistas acreditam que o Brasil precisa se preparar melhor para prevenir e enfrentar esses desastres. Países como o Japão e os Estados Unidos da América têm uma agência gerenciadora de riscos.

Somente na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, seminários foram realizados nos últimos quatro anos para alertar que o Brasil não tem uma política para esses acontecimentos, como lembrou Iriny Lopes, deputada pelo PT do Espírito Santo e hoje secretária Especial das Mulheres.

“Ora tem seca, ora tem chuva em excesso, as cidades não estão preparadas para receber, não tem políticas preventivas e nem políticas para tratar as vítimas imediatas de um processo desse. Então nós estamos construindo um marco regulatório sobre isso na Câmara Federal, trabalhando um fundo específico sobre essa questão”, afirmou a deputada.

Na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional , entre 23 reuniões ordinárias e 15 audiências públicas, também entrou a discussão em torno dos desastres socioambientais, a relação entre as tragédias e as mudanças climáticas globais. Especialistas analisaram a postura do Estado diante dessas alterações e dizem como ele deve se preparar para proteger as camadas mais vulneráveis da população.

Durante essas discussões, o coordenador do Centro de Operações do Sistema de Alerta da Bacia do Itajaí, Hélio dos Santos Silva, afirmou que a cidade de Blumenau (SC) pode vir a ter praia um dia. “E, com a possibilidade que nós temos das mudanças climáticas, possivelmente, se o nível do mar, na nossa região, subir, digamos 1,5 metro, daqui a cem anos, certamente Blumenau vai ter praia.”

Assim como Hélio dos Santos, o pesquisador Igor Ferraz, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também não pode garantir que as enchentes que têm ocorrido recentemente no Brasil sejam resultado de mudanças climáticas globais, mas acredita que os gestores devam incluir essa possibilidade na discussão sobre políticas públicas de prevenção e enfrentamento de inundações.

“Você tem que pensar em possibilidades de melhores serviços públicos, de você garantir a essa sociedade de menor renda que a gestão urbana seja promovida, que as moradias em locais irregulares, que vão sofrer mais com as mudanças climáticas, sejam canceladas, ou seja, no final das contas, as políticas públicas vão ter que enfocar principalmente os grupos mais vulneráveis a essas mudanças”, ensina Ferraz.

Eduardo Mendiondo, professor de engenharia ambiental da Universidade de São Paulo, concorda que o Estado tem que se preparar para um futuro de mudanças globais climáticas. “O Estado tem que introduzir palavras-chave: tem que criar cidades resilientes ao clima. Cidades, urbanizações, assentamentos que tenham capacidade de absorver os impactos naturais, os fenômenos naturais, a partir de uma infraestrutura que possa ter algum impacto negativo, mas que possa ter uma alta recuperação. Hoje nós não temos isso.”

Encontrar soluções para evitar prejuízos pessoais e materiais

Mapeamentos de riscos e sistemas de alerta e evacuação de áreas precisam ser implantados. Moradores e gestores precisam ser conscientizados dos riscos de ocupar áreas impróprias. Construções resistentes e serviços públicos devem ser pensados de modo a proteger as parcelas mais vulneráveis da população. Tudo isso feito de forma firme e coordenada entre as diversas esferas de governo.

Mas a transformação pode começar com iniciativas individuais. No Banco de Tecnologias Sociais, da Fundação Banco do Brasil, podem ser encontradas diversas soluções para alguns dos problemas associados à ocorrência de enchentes e queimadas. Entre elas, técnicas para reduzir o desmatamento, para facilitar a contenção do solo, para manejo de plantações e para armazenamento e reaproveitamento de água.

Durante discurso proferido em abril do ano passado, a deputada Solange Amaral (DEM-RJ) lembrou os “gestos de solidariedade” ao “povo do Rio de Janeiro” por conta da tragédia de Niterói (Morro do Bumba), Morro dos Prazeres e do Escondidinho. Na ocasião foram contabilizados 230 mortos e 50 mil desabrigados ou flagelados.

A deputada disse que “ficou claro” que o governo federal não tem condições de “reagir prontamente” em intempéries, tragédias e outros acontecimentos que não são tão imprevisíveis. “Há 2 anos, era Santa Catarina; depois, São Paulo, Rio de Janeiro e, agora, Sergipe, como vimos. Há muitos lugares em que, de maneira organizada, é necessário que o governo central atue”.

No mês seguinte, em maio, o líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, Fernando Ferro (PE), recordou a “tragédia que aconteceu no Piauí” com o rompimento da Barragem de Algodões. Ferro concordou que a humanidade “está experimentando fenômenos naturais preocupantes, resultantes das alterações das condições climáticas no planeta”.