(*) Ucho Haddad –
Mantido no Ministério da Defesa por conta de um pedido do então presidente Luiz Inácio da Silva, o gaúcho Nelson Jobim pode não ter vida longa na equipe ministerial da neopetista Dilma Vana Rousseff. Quando aceitou o convite para permanecer à frente da pasta, o que frustrou as expectativas da presidente, Jobim tinha em mente seu eventual retorno à política, uma vez que deixou cargo vitalício no Supremo Tribunal Federal para se aventurar em um plano que até agora não deu resultado algum. A ideia inicial de Nelson Jobim era permanecer no cargo até a solução do impasse que ronda o processo de renovação da frota da Força Aérea Brasileira, mas seu sonho pode naufragar muito antes do esperado.
Enquanto isso não acontece, Jobim se desdobra em explicações para amainar o clima nada cordial que reina nos bastidores do poder, em especial no canal que liga o Ministério da Defesa ao Palácio do Planalto. Como já é sabido, o ministro é favorável à aquisição dos caças Rafale, da Dassault, principalmente porque a fabricante francesa recebeu de Lula um sinal verde que até o presente momento permanece apagado. No contraponto, a Dassault é a única que não tem impedimentos legais para a transferência de tecnologia militar. Os outros dois concorrentes, o norte-americano F-18 Super Hornet (Boeing) e o sueco Gripen NG (Saab), tropeçam em entraves distintos. A Boeing esbarra na legislação estadunidense, que proíbe com todas as letras a transferência de tecnologia militar, enquanto a Saab tenta emplacar um avião de combate que ainda não decolou da prancheta.
Dias depois de ocupar a principal cadeira do Palácio do Planalto, Dilma Rousseff decidiu frear o programa que contemplará a FAB, o que aconteceu de forma tão inesperada quanto inexplicável. Na sequência, a presidente recebeu em seu gabinete o senador John McCain, que veio ao Brasil para uma estranha e quase desavisada visita. Na verdade, a aterrissagem de McCain em Brasília foi muito mais útil para a Boeing, que luta para manter a chance de vender os F-18 ao Brasil, do que para a política dos Estados Unidos. Entre as tantas barreiras que marcam o processo de renovação da frota da FAB, a esquerdização da América Latina tem sua participação no imbróglio. Nove entre dez governantes latino-americanos torcem o nariz para a Casa Branca. A começar pelo tiranete Hugo Chávez e o seu fantoche boliviano, o cocalero Evo Morales. Ademais, a Casa Branca teme pela iniciativa brasileira de desenvolver em território nacional um pólo industrial militar, que de forma indireta poderia se expandir pelo porção sul do continente americano.
Há nesse cenário um fator interessante que deve ser considerado com muita responsabilidade e tenência, mas que o Palácio do Planalto insiste em tratar a bordo dos interesses partidários, deixando de lado as necessidades prementes de um país que almeja estar inserido no universo dos maiores produtores de petróleo do planeta. Desde o anúncio da descoberta da camada pré-sal, o então presidente Lula não desistiu de, vez por outra, circular pelo mundo na condição de xeique tupiniquim do petróleo. Em terras verde-louras, o ex-presidente tratou o pré-sal como a rendição do povo brasileiro, tendo prometido usar parte do lucro advindo das profundezas oceânicas para promover revoluções em setores atrasados da sociedade.
Considerando que o petróleo da camada pré-sal será viável economicamente dentro de aproximadamente uma década, o Brasil está vergonhosamente atrasado na renovação do seu sistema de segurança. Ou seja, é preciso não apenas reaparelhar a FAB, mas também – e principalmente – renovar e incrementar a frota da Marinha, que desde já deve estar atenta ao movimento de embarcações estrangeiras nas águas e na costa brasileiras.
Mas esse não é o maior problema da nossa Marinha, que a exemplo do que acontece com as duas outras Armas (Exército e Aeronáutica), tem mais da metade da sua frota comprometida pela falta de recursos para manutenção. O surgimento do pré-sal exige atenção redobrada, quiçá não seja necessário elevá-la à enésima potência. Para patrulhar as nossas águas territoriais, sempre alvo de intrusos, a Marinha carece não apenas de embarcações mais modernas, mas de uma frota mais numerosa e com tecnologia de ponta.
O processo em questão, que contempla a aquisição de onze novas embarcações, parece estar parado porque dormita há anos na Casa Civil, mas continua recebendo lampejos da atenção palaciana e exigirá dos brasileiros o desembolso ao longo dos anos de quantia que deve variar entre R$ 4,5 bilhões e R$ 6 bilhões. O momento atual é de análise das ofertas de parceria feitas por empresas da Alemanha, Coreia, França, Itália e Reino Unido. E é por conta disso que o ministro Nelson Jobim pode iniciar logo mais adiante uma peregrinação pelo planeta para buscar detalhes que contribuam para a decisão que deve ser anunciada até o final deste ano e permitirá a assinatura de um contrato inicial em 2012. Feito isso, a entrega da primeira embarcação deve acontecer em 2015.
Em audiência pública no Senado Federal, o comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, disse aos parlamentares que mantida a situação atual que vilipendia as forças militares, a armada naval chegará em 2015 apenas com metade de sua capacidade operacional. Como se não bastasse, a Marinha do Brasil, segundo seu comandante, pode parar em 2020. Em outras palavras, apesar da ciumeira que frequenta os limiares das três Armas, a Marinha merece prioridade máxima por parte do governo federal.
Se por um lado a Marinha brasileira precisa recuperar a sua atual frota, por outro o projeto de renovação é ainda mais ambicioso, o que em momento algum o torna desnecessário, muito pelo contrário. Em maio passado, a Marinha revelou aos interessados o plano de defesa da armada naval brasileira, que prevê a aquisição de 61 navios de superfície, cinco submarinos, sendo um deles movido a energia nuclear. Nesse complexo projeto há um fatiamento que cria o que foi batizado como Prosuper, uma espécie de pacote emergencial, que foca a aquisição de cinco fragatas (6 mil toneladas), providas de sistema que permite a embarcação de escapar à detecção eletrônica, cinco navios-escolta (1,8 mil toneladas) e um navio de apoio, utilizado nas operações para o transporte de suprimentos para outras embarcações.
Nesse quesito há de se considerar detalhes que escapam do plano em questão, mas que flanam no universo das relações internacionais. A Itália, até então listada como uma das favoritas, pode desistir do negócio no rastro da decisão do governo brasileiro de não extraditar o terrorista Cesare Battisti. O primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que costurou com Lula o eventual fornecimento das embarcações à Marinha verde-loura, agora enfrenta a fúria da direita italiana, que no Parlamento daquele país europeu pode inviabilizar o negócio com a criação leis que dificultam a transferência de tecnologia militar.
Outro ponto a ser considerado é o interesse de empresas do Reino Unido no processo da Marinha do Brasil. Como se sabe, o Reino Unido e a Argentina travam histórico duelo pela posse das Ilhas Malvinas (Falklands para os ingleses), assunto que foi às raias da beligerância e terminou com a derrota dos argentinos, materializada com o bombardeio e impressionante afundamento do navio-cruzador General Belgrano.
Desde o governo do então presidente José Sarney, o Brasil vem estreitando relações com a Argentina, assunto que ganhou força era de Luiz Inácio da Silva e recebeu pirotécnicas e oficiais loas por parte de Dilma Rousseff. Fora isso, a decisão do Reino Unido de participar ativamente, ao lado dos Estados Unidos, da invasão do Iraque ainda repercute negativamente entre os esquerdistas latino-americanos, alguns deles hoje no poder. Esse cenário complexo compromete a participação de empresas britânicas, que dependerão de anuências do sisudo e formal parlamento local. Ademais, é preciso conhecer a fundo o tipo de embarcação que os britânicos forneceriam ao Brasil, pois uma eventual investida para proteger as Ilhas Falklands exigiria da frota do Reino Unido um avanço em águas brasileiras.
Muito antes dos salamaleques disparados por Lula da Silva na direção do Palácio do Eliseu, em Paris, por conta da tão esperada compra dos Rafale pela FAB, assunto que entrou na zona de resfriamento e que não será finalizado nos próximos dois anos, o Brasil mantém com a França uma bem sucedida parceria na área militar, cujo ponto alto se deu com o contrato de construção conjunta de quatro submarinos convencionais (diesel-elétrico) e o casco para um movido a energia nuclear, sonho longevo da Marinha brasileira. Além disso, há nesse pacote franco-brasileiro o fornecimento de cinco dezenas de helicópteros, que serão distribuídos entre as Forças Armadas e a Presidência da República.
Diante da necessidade cada vez mais premente de renovação da frota naval brasileira e de patrulhamento da costa e das águas territoriais do País, desperdiçar as importantes e já vencidas preliminares com os franceses seria não se importar com a segurança nacional e dar as costas à anunciada riqueza que advirá do pré-sal, até então tratada como a mais recheada das cornucópias dessa tão abandonada Terra de Macunaíma.