(*) Gabriel Brito, do Correio da Cidadania –
O deputado federal Chico Alencar afirma que o governo se equivoca em lançar mão de um projeto do Trem Bala, que antes de tudo não tem teto orçamentário, uma vez que há quase um consenso de que a previsão de custo de R$ 30 bilhões é de baixa confiabilidade. Além disso, o deputado lembra que “com os recursos destinados ao trem-bala (públicos, do BNDES) poderiam ser construídos 10 quilômetros de metrô ou VLT em cada uma das nas 9 regiões metropolitanas do Brasil, onde vivem 65% da população”.
Dessa forma, considera que o projeto do Trem de Alta Velocidade ocupa lugar remoto na tabela de prioridades nacionais, e vem em momento muito inconveniente, logo após o governo anunciar o corte de 50 bilhões de reais do Orçamento Público. O deputado não menospreza a necessidade de se retomar uma política ferroviária, mas sublinha que isso deveria começar pela ampliação da malha urbana, saturada e insuficiente.
Como você recebeu a Medida Provisória 511/10, que autoriza a União a oferecer garantia para financiamento de até R$ 20 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao consórcio que construirá o Trem de Alta Velocidade (TAV), conhecido como trem-bala, que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro?
Mais uma reversão total daquilo que o PT sempre pregou. A recuperação do transporte sobre trilhos no Brasil, que começou a se deteriorar nos anos 50 com a ênfase dada à indústria automobilística é importantíssima, é verdade. Porém, o trem-bala surge sem que a gravíssima crise que afeta a população mais pobre no transporte urbano sobre trilhos seja resolvida – metrô, trens, VLT… Nada disso está sendo implementado. Com os recursos destinados ao trem-bala, públicos, do BNDES, poderia se construir 10 quilômetros de metrô ou VLT nas 9 regiões metropolitanas do Brasil, onde vivem 65% da população. Governar é escolher prioridades a partir das necessidades mais sentidas de nossa gente. Não vou nem falar de educação, vamos ficar na parte do transporte sobre trilhos mesmo: dá pra dizer tranquilamente que o trem-bala não é prioridade. Poderia se fazer algumas adaptações e melhorar a ligação ferroviária Rio-SP, mas o trem-bala vai exigir vultosos investimentos, com recursos do BNDES. Além disso, não admite passagens difíceis, vai exigir muitos túneis, pode dividir cidades ao meio, terá impactos ambientais violentíssimos… E ainda dizem que a passagem vai custar 300 reais…
Pela projeção divulgada pelo governo, os custos da passagem ficarão entre R$ 150 e R$ 200, por uma viagem de uma hora e meia. Ou seja, mesmo que sejam custos um pouco menores do que os mencionados por você, ainda seria mais caro e demorado que a viagem de avião. Como você enxerga esse aspecto?
Pois é, e já começaram as reivindicações de várias cidades. Querem que pare em Volta Redonda, tem que parar em Resende, em São José dos Campos, em Jundiaí… Todo mundo quer uma parada em sua cidade. Quanto à duração da viagem, seria de cerca de duas horas e meia. Mas os detalhes técnicos são menos importantes do que outro fator, aquele que elenca prioridades. Não que eu seja contra o trem-bala por princípio. Todo transporte de massa é bem vindo, toda tecnologia que comprima tempo e espaço com segurança é ótima, mas no Brasil temos etapas e ferrovias, outros trilhos, urbanos e suburbanos, a serem implementados antes. Os metrôs do Brasil são de dimensões muito pequenas. O Rio, por exemplo, tem o metrô mais caro do Brasil e a menor extensão; o de Brasília é ridículo… Existem outras prioridades.
Isso no momento em que o governo Dilma corta 50 bilhões do orçamento, atingindo, como manda a tradição, os serviços essenciais dirigidos à maioria da população que carece, e padece, deles?
Pois é! É completamente contraditório a essa política de arrocho e contenção de gastos que a Dilma promove em seu governo. A gente se choca com isso. É uma iniciativa de ‘alta velocidade’ contra a política de contenção.
Aliás, essa previsão orçamentária encontra base na realidade ou ainda nem se calcularam precisamente os custos totais do projeto? Em outras palavras, você enxerga tendência de inchaço dos valores, tal como visto em diversas obras de infra-estrutura nos últimos anos?
Não, não tem a menor base real. É só pra tentar edulcorar um pouco o projeto e atrair a iniciativa privada. É claro que podemos temer por inchaço de custos. Nesse país a diferença entre orçamento inicial e custo final vai a uma diferença que pode chegar a 10 vezes. É algo fora de lugar fazer esse trem-bala. Apesar das deficiências, ir de São Paulo ou Campinas para o Rio, ou o contrário, ainda é fácil. Tem o transporte aéreo e ferroviário, e não há um estrangulamento dessa rota, a Dutra não está estrangulada. Inclusive, tivemos a experiência de revitalizar o trem de prata Rio-SP e não foi bem sucedida, por causa do custo. Não foi nem pela demora, já que se podia dormir bem nele. Mas só durou uns dois anos depois de reativado até voltar a cair em desuso.
Dessa forma, nem do ponto de vista de uma malha integrada do transporte nacional a obra adquire viés positivo?
Acho que não, pois deveríamos começar pelas redes metropolitanas.
E o que pensa da criação da Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav), estatal que seria dedicada exclusivamente ao gerenciamento do projeto?
Aí é uma conseqüência. Quando se aprova financiamento para construção do trem-bala, que pelo menos haja uma estatal enxuta que possa controlar o processo e evitar abusos que são praticados ao bel prazer da livre iniciativa.
Não se podia deixá-lo a cargo da Valec, a atual empresa gerenciadora da malha ferroviária?
Poderia também, mas alegam que a Valec tem outras preocupações etc. Na verdade, a criação de nova estatal serve pra ressaltar a prioridade que se pretende dar ao trem-bala.
E qual seria a estratégia ferroviária mais adequada ao país?
Fazer as ligações ferroviárias nas grandes cidades e suas regiões metropolitanas, melhorar a qualidade dos trens urbanos, reativar ligações inter-estaduais, mesmo que sem o trem de alta velocidade, que é caríssimo e exige condições especiais, e a partir disso acumular condições para transportes mais complexos como o trem-bala