(*) Valéria Dias, da Agência USP de Notícias –
Os gases emitidos na queima do bagaço da cana-de-açúcar são uma alternativa para a produção de nanotubos de carbono. Além de representar uma solução para a grande quantidade de resíduos gerada na produção de açúcar e de etanol, a técnica também se mostra promissora, pois ajudará na redução de emissão de gases poluentes na atmosfera, ao mesmo tempo em que vai baratear os custos de produção dos nanobubos.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento, a produção brasileira de etanol em 2009 foi de aproximadamente 28 bilhões de litros, demandando 350 milhões de toneladas de cana e gerando cerca de 80 milhões de toneladas de bagaço. Esses números são ainda maiores quando considerada a cana utilizada na produção de açúcar. Juntas, essas indústrias processaram cerca de 630 milhões de toneladas de cana em 2009, gerando cerca de 142 milhões de toneladas de bagaço.
O físico e pesquisador Joner Oliveira Alves desenvolveu a nova técnica para a produção de nanotubos de carbono durante o seu doutorado em Engenharia Metalúrgica e de Materiais na Escola Politécnica (Poli) da USP. Parte desta pesquisa está descrita no trabalho “Síntese de nanotubos de carbono através do uso do bagaço da cana-de-açúcar como matéria-prima”, que lhe rendeu o Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia 2010, na categoria Jovem Pesquisador. A tese de doutorado de Joner Alves, orientada pelo professor Jorge Tenório, será defendida neste mês de maio, na Poli.
Os nanotubos de carbono consistem de folhas tubulares coaxiais de grafeno com diâmetros na ordem de nanômetros (10-9metros), ou seja, de um bilionésimo de metro. Estes materiais possuem um vasto potencial de aplicações devido a propriedades como alta resistência química e mecânica, resistência à oxidação, à temperatura e à ruptura, baixa densidade, capacidade de transporte elétrico e flexibilidade. Entre as aplicações dos nanotubos destacam-se o uso como aditivos para materiais poliméricos, materiais adsorventes de gases, aplicações biotecnológicas, adsorventes de metais pesados em efluentes e armazenamento de hidrogênio em células de combustível.
Apesar das excelentes propriedades, o uso dos nanotubos de carbono é limitado devido ao elevado custo de produção destes materiais, obtidos principalmente via vaporização por laser de um alvo de grafite ou empregando-se decomposição de um hidrocarboneto (metano, acetileno, tolueno, etc.). Segundo Alves, “o trabalho atinge esta limitação uma vez que foi utilizada uma metodologia consistente com uma produção em larga escala, e com o uso de fontes inovadoras de matérias-primas, que apresentam baixo custo e são ambientalmente sustentáveis”.
Tratamento de resíduos
a pesquisa, o físico decidiu aliar duas coisas: usar os gases emitidos pela queima do bagaço da cana para a produção dos nanotubos, baratendo os custos e dando um tratamento adequado ao resíduo da indústria canavieira. Alves explica que as aplicações usuais do bagaço são a queima para a produção de energia e, em menor escala, a adição para reforço na construção civil.
O tema foi pesquisado durante o doutorado-sanduíche de Alves no College of Engineering da Northeastern University, em Boston (EUA). O trabalho faz parte do projeto Novos Processos e Produtos de Nanotecnologia Aplicados ao Meio Ambiente liderado pelo professor da Poli Jorge Alberto Soares Tenório, que vem recebendo cerca de R$600 mil em investimentos por parte da Rede Nanobiotec-Brasil da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Além do bagaço de cana, Alves também estudou a queima de pneus usados, garrafas PET pós-consumo e resíduos da produção de etanol via milho. Os experimentos mostraram que o bagaço da cana apresentou o melhor custo-benefício para a produção dos nanotubos.
Segundo o pesquisador, “os resultados dos testes mostraram que o emprego de uma tela de aço inoxidável como catalisador diminuiu as emissões de gases nocivos ao meio ambiente, como o metano e o gás carbônico (CO2). O material particulado coletado no sistema catalisador foi constituído por nanotubos de carbono de paredes múltiplas com diâmetros de 20 a 50 nanômetros (nm) e comprimentos na faixa de 10 a 40 micrômetros (μm)”, explica.
“A co-geração de energia por meio da queima do bagaço da cana-de-açúcar estabelece novas fontes de renda para a indústria sucroalcooleira, uma vez que os usineiros têm a oportunidade de produzir energia elétrica e ganhar com a emissão de créditos de carbono sob as regras do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo [MDL]. Além destas vantagens, a associação do sistema catalisador ao de pirólise [queima] representa uma solução inovadora para a diminuição das emissões de gases e a produção de nanotubos de carbono”, finaliza.