11 de setembro: o prefácio e o posfácio

(*) Ucho Haddad –

O atentado terrorista da história não é uma obra literária, mas há tantas explicações antes e depois do fato que marcou o século, que não é errado afirmar que a ação criminosa que mandou ao rés do chão as torres gêmeas do World Trade Center tem tudo para ser uma enciclopédia sem fim, pois sem fim é o 11 de setembro de 2001. Aquele fatídico dia ainda não terminou e não terminará tão cedo. De igual modo não cessarão as informações e conjecturas sobre o atentado. Por maior que tenha sido o preciosismo das investigações, jamais se saberá a verdade.

Para entender o que aconteceu na mais cobiçada cidade do planeta é preciso antes de tudo compreender os Estados Unidos. Deixando de lado, por enquanto, a política imperialista da maior potência mundial, dedico-me nesse instante ao cotidiano ianque, àquela mesmice de todos os dias, algo que existe em qualquer lugar do planeta. A diferença está no fato de nos EUA existir uma obrigação explícita e perene: vencer. E não há outra opção que não seja vencer. O chamado “American Way of Life” roda em cima dessa máxima. E por conta de sufocante obrigação é quase impossível parar no tempo e analisar, mesmo que de soslaio, o que acontece do outro lado da rua, do outro lado do muro, na casa vizinha, na porta ao lado. Só quem sabe que a vida deve ser vivida no seu estrito compasso consegue perceber o que se passa ao redor.

Quando recebi a primeira informação sobre o ataque ao chamado “Marco Zero”, veio-me à mente uma sequência de fatos com os quais me deparei anos antes. Situações que isoladas pouco ou nada representavam, mas que juntas formavam, como ainda formam, um quebra-cabeças minimamente lógico. Antes de partir para os meus registros pessoais, discorro sobre os fatos históricos que precederam a maior ação terrorista de todos os tempos.

O atentado de 11 de setembro começou em agosto de 1990, por ocasião do início da Guerra do Golfo, que teve a rubrica de George Bush, o pai. Temendo que o petróleo do Kwait caísse nas mãos do então ditador Saddam Hussein, que acusava o vizinho país árabe de dumping na venda do produto no mercado internacional, Bush liderou a operação que culminou com a invasão do Iraque. Durante a guerra, 100 mil soldados iraquianos foram mortos nos campos de batalha. Para que os beligerantes objetivos fossem alcançados, a Casa Branca fincou tropas militares ianques na Arábia Saudita, território sagrado para os muçulmanos. Foi a centelha que faltava para o fanatismo de alguns acendesse contra o Tio Sam.

O primeiro atentado ao World Trade Center, reflexo da Guerra do Golfo, aconteceu em fevereiro de 1993, quando um furgão mandou pelos ares o subsolo da edificação que simbolizava o poderio norte-americano. A figura principal do primeiro ataque ao WTC foi o árabe Ramzi Youssef, que imigrou para os EUA em 1992. Youssef considerava-se palestino, dizia ter nascido no Kuwait e depois se naturalizado paquistanês. Contudo, entrou nos EUA com passaporte iraquiano. Terrorista profissional, Youssef disse, logo após ser preso e julgado, que existiam nos Estados Unidos quase duas centenas de outros terroristas dispostos a tudo e mais um pouco. A informação foi analisada nos momentos seguintes, mas acabou esquecida pelas autoridades, que só se lembraram do assunto no segundo ataque às torres gêmeas. Tarde demais.

Parte do grupo acabou nas mãos das autoridades ianques e abriu uma nesga para a chegada do milionário saudita Osama bin Laden, até então desconhecido no Ocidente. À época, Osama já colocava em prática o seu plano de tornar-se um líder para seus conterrâneos e principalmente para os muçulmanos. E o grupo usou a fé para travestir as ações criminosas.

Anos antes do atentado de 11 de setembro tive a oportunidade de apurar dois escândalos que envolveram autoridades brasileiras e alguns alarifes verde-louros que residiam em Miami. Presos por causa de crimes vários, dentre eles o de conspirar contra o Estado, os integrantes do bando acabaram no Federal Detention Center (Prisão Federal de Miami), onde permaneceram trancafiados por algumas dúzias de meses. Lá, durante as visitas que fiz aos tais espertalhões, pude conhecer a realidade que impera nas coxias da Terra do Tio Sam. Se na vitrine a pujança do capitalismo reluzia como ouro, nos bastidores a fragilidade de uma nação poderosa ficava evidente de maneira assustadora.

A lei estadunidense é dura e implacável, é verdade, mas há inconcebíveis nichos de vulnerabilidade. E explico com detalhes do cotidiano. Sonegar imposto é crime nos Estados Unidos. Como crime é a prostituição. Não porque fere os princípios da moralidade, mas porque não há como cobrar impostos nesse tipo de atividade. Tomar uma cerveja enquanto se caminha na rua, em alguns estados norte-americanos, é considerado crime leve. Desde que a cerveja esteja à mostra. Se estiver camuflada, embrulhada em um pedaço de papel ou coisa parecida, o assunto não cabe à autoridade policial. Se houver insistência por parte da polícia, o acusado certamente será liberado pelo juiz na esteira do que por lá se dá o nome de “ilegal search” (em tradução livre, busca ilegal). Ou seja, enquanto sobravam chicanas legais sem a menor importância, faltou atenção para o óbvio e ululante.

Em uma de suas vindas ao Brasil, Lincoln Gordon – brasilianista reconhecido e ex-embaixador dos EUA nessa louca Terra de Macunaíma entre 1961 e 1966 – concedeu entrevista a meia dúzia de jornalistas. Por sorte fui um dos escolhidos para entrevistar aquele que foi acusado de sugerir à Casa Branca apoio aos que patrocinaram o golpe militar de 64, sob a justificativa de que era preciso evitar que o Brasil se transformasse na versão tropical da China comunista. Diferentemente dos outros cinco jornalistas, que insistiram em questioná-lo sobre o passado, conversei com Lincoln Gordon sobre o presente e o futuro. Fora isso, discorremos sobre as mazelas que marcam o cotidiano ianque.

Dono de pensamento cristalino, Gordon não fez questão de preservar sua terra natal. Reconheceu que muitas coisas que acontecem nos EUA são inexplicáveis, para não dizer que são recobertas de incoerência. Eu e Lincoln Gordon falamos sobre vários assuntos: as chances de sucesso da ALCA, os motivos que levaram à criação do sundae, o combate às drogas e a atuação da polícia diante dos usuários, o embargo econômico a Cuba, o imperialismo norte-americano e a fragilidade que vez por outra deixava a maior potência mundial nua e com a mão no bolso.

Voltando à prisão de Miami… Foi aquele jogo intrincado de nacionalidades, ideologias e documentos que direcionou meu foco aos árabes detidos no Presídio Federal de Miami. Estabeleci uma relação de interesse mútuo com essas pessoas. Para mim interessavam as informações que cercavam os crimes que os levaram à prisão. A eles, a possibilidade de contatar um advogado que os defendessem. Algo quase impossível, por mais que suas carteiras estivessem recheadas de dólares suspeitos e imundos. A afirmação de Youssef, de que sobravam nos EUA terroristas supostamente fundamentalistas, martelou insistentemente o meu pensamento.

O tempo avançou e pude alcançar uma fresta para compreender o caso daqueles árabes. Um deles, cujo nome oficial nunca soube, entrou nos Estados Unidos com doze passaportes diferentes. Todos do mesmo país, mas com nomes distintos. Em outras palavras, difícil seria saber seu nome verdadeiro. Partindo desse ponto, e contando com a ajuda de um famoso criminalista de Fort Lauderdale, consegui decifrar parte da operação montada por alguns dos árabes presos, cujas famílias (mulheres e filhos) residiam no nordeste dos EUA, em especial nas cercanias de Boston, onde funcionou durante algum tempo o QG da operação que resultou na operação suicida de 11 de setembro.

Fingindo querer “fazer a América”, aqueles árabes desembarcaram nos Estados Unidos com a missão de dar suporte às ações terroristas. Agindo de forma diferente dos operadores do terror, que burramente têm o Islã como desculpa esfarrapada, aqueles prisioneiros eram usados como verniz para a estrutura mencionada por Youssef. Ostentando sinais de riqueza, o que facilitava a ação dos terroristas, o grupo tinha a missão de neutralizar qualquer suspeita das autoridades estadunidenses. Amealhavam dinheiro com a prática de crimes financeiros de toda ordem, eram presos, julgados e deportados, mas acabavam voltando com nomes e documentos diferentes. Fizeram isso várias vezes em poucos meses.

Foi seguindo a desatenta declaração de um dos árabes presos que, a reboque da intuição, passei a percorrer o estado da Florida em busca de escolas de aviação. Foram semanas a fio atrás de alguma pista que pudesse me levar de volta aos detentos de Miami. Por conta das boas condições climáticas que duram quase o ano todo, muitos são os interessados que se matriculam em escolas de aviação da Flórida, principalmente alunos vindos do Oriente Médio. O meu faro dizia que algo de estranho havia nas escolas de aviação da Flórida, mas nada de absolutamente concreto em termos de provas consegui para criar um elo com os árabes detidos na Prisão Federal.

Desolado, voltei para Miami. Sentado diante do computador, durante a madrugada, entreguei-me a um desses milhares de jogos eletrônicos como forma de esquecer o que tentara sem sucesso. E o jogo escolhido foi um simulador de voo, com direito a pilotagem muito próxima à realidade. Foi mera coincidência. No dia seguinte fui a Miami Downtown para comprar um equipamento. Aproveitei para matar a fome em um boteco de brasileiros. Muito simpático, o dono sentou-se à mesa e me convidou para o almoço de sexta-feira. Disse-me que acabara de chegar do Brasil e que na bagagem trouxera mortadela, provolone, pão de linguiça, mil folhas e outras guloseimas compradas em quantidade na capital paulista. Naquele momento me veio à mente, mais uma vez, o caso dos árabes, presos a algumas quadras daquele boteco mequetrefe. Ora, se uma mortadela passou sob o nariz dos agentes do aeroporto, não foi difícil imaginar o que poderia passar na bagagem dos árabes.

Juntar as peças desse quebra-cabeça não exige nenhum esforço extraordinário do raciocínio. Petróleo de sobra em um canto do mundo, necessidade de combustível em outro, imperialismo arrogante e criminoso, fé ultrajada, escolas de aviação aos bolhões e a custo baixo, simuladores de voo vendidos no supermercado da esquina, obsessão psicótica, soberba insuportável, violação da terra considerada sagrada pelos muçulmanos. Não foi por acaso que 80% dos que participaram da operação “11 de setembro” era de sauditas, alguns deles nascidos em Meca. Como dizia Sherlock Holmes, “elementar, meu caro Watson”.

Voltando à história… Tão logo ficou sabendo do atentado contra as Torres Gêmeas, o então presidente George Walker Bush, o filho, disse que se tratava de uma ação patrocinada por Saddam Hussein. Uma bobagem desmedida, pois Saddam, que foi parceiro dos EUA na guerra contra o Irã, estava preocupado em dar seguimento às transações comerciais de sue país por debaixo do pano, uma vez que o embargo econômico impedia o Iraque de comprar determinados produtos no mercado internacional. Tal declaração mostrou que a família Bush ainda tinha inúmeras pendengas com o ditador iraquiano. Foi então que Bush, o “baby”, financiou uma milionária operação contra o governo de Bagdá.

Tudo aconteceu sob o endosso de Dick Cheney, então vice-presidente dos EUA, que durante anos a fio foi o chefão da Halliburton, empresa que financiou a campanha de “Bush Jr” à Casa Branca e se dedica aos negócios do petróleo ao redor do planeta. Não por acaso – esse fato foi por mim antecipado em um ano ou mais –, depois da invasão a Halliburton passou a explorar os mais produtivos poços petrolíferos do Iraque. Nenhuma prova contra Saddam e sua turma foi encontrada para justificar a ação militar liderada pela Casa Branca. Até mesmo o persuasivo general Colin Powell não conseguiu convencer os membros da ONU sobre a existência das tais armas químicas, que, se existiram, eram insuficientes para remover a graxa do chão de qualquer oficina mecânica de quinta. Contundo, o Iraque foi destruído pela ganância do grupo que por pouco não varreu do mapa a antiga Mesopotâmia.

Dez anos depois daquele fatídico 11 de setembro, o mundo interrompe seus afazeres para acompanhar as homenagens no décimo ano do violento atentado, sem se preocupar com suas reticências nefastas. Depois dos ataques, ocorridos há dez anos, o mundo passou a rotular como terrorista todo e qualquer seguidor do Islã. Assim o faz com os cidadãos de descendência árabe. Algo muito parecido com o que os brasileiros fazem em relação aos motociclistas, pois assaltantes via de regra usam motos em suas ações criminosas. É verdade que sete entre dez assaltantes usam motocicletas, mas nem todo motociclista é um criminoso. De igual modo, um muçulmano não pode ser rotulado, irresponsavelmente, como terrorista.

Além disso, é preciso analisar o conceito de terrorismo. Quando um islamita comete um atentado contra as forças do Ocidente, não demora muito para ser chamado de terrorista. No contraponto, as invasões das nações ocidentais no mundo árabe são chamadas de intervenções politicamente necessárias, não importando se centenas de milhares de pessoas inocentes jazem na esteira da pólvora.

Primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama sofre com a crise econômica que domina o território ianque, o que pode lhe render frutos acres na campanha pela reeleição. Os republicanos estadunidenses, cujo coro é engrossado pelos ultradireitistas do “Tea Party”, querem defenestrar o atual inquilino da Casa Branca. E têm encontrado munição suficiente para tal.

Por enquanto, Barack Obama, que paga a conta da crise, é acusado de agir erradamente ao minimizar as incursões militares do país pelo mundo afora. Um dia, mais adiante, Obama será lembrado pela contribuição que deu para construir a paz mundial, pois aceitar as diferenças religiosas é o primeiro passo rumo a essa busca que tantos sonham. Até porque, como disse o próprio Obama durante evento que lembrou os dez anos do ataque terrorista, “Deus é nosso refúgio”. E assim Ele deve ser para todos os homens, independentemente do caminho escolhido para se chegar ao Criador.