As minas e as florestas – A divisão de Estados brasileiros voltou a ser um assunto de destaque na mídia após a aprovação de plebiscito que pode dividir o Pará em mais dois entes federados – Carajás e Tapajós. Partindo desta possível divisão, José Donizete Cazzolato, geógrafo pela Universidade de São Paulo, propõe em “Novos Estados e a Divisão Territorial do Brasil: uma visão geográfica” (lançamento previsto para outubro) amplia discussão sobre as divisões territoriais, e analisa a atual divisão territorial brasileira e possíveis mudanças, focando os aspectos geográficos, econômicos e políticos.
Proposta polêmica e com implicações profundas não só apenas para o Pará, como para o restante do Brasil, o plebiscito para a divisão do Estado marcado para o dia 11 de dezembro, exige uma extensa discussão sobre seus desdobramentos. A partir da análise da proposta para os Estados de Tapajós e Carajás, o livro analisa a divisão territorial brasileira atual e possíveis mudanças, os critérios adotados e seus impactos econômicos, sociais e políticos.
Carajás é a parte mais rica devido à mineração, e Tapajós, a parte mais pobre, porém com a imensa floresta amazônica. Caso o plebiscito seja aprovado, a área territorial do Pará terá aproximadamente 18% do estado atual. Quase 60% de todo o território paraense (58,70%), resultará no novo Estado do Tapajós, no oeste paraense, região que tem como principal pólo econômico a cidade de Santarém, já escolhida como futura capital, caso seja confirmada a divisão.
Nesta entrevista concedida ao portal “Oficina de Textos”, o professor afirma que a divisão será benéfica. “A porção central do Estado, onde idealmente se localizam as capitais, é uma interface regional. Com a divisão, oficializa-se o que a geografia demonstra”.
José Donizete Cazzolato atuou decisivamente na divisão distrital do município de São Paulo (lei 11220/92), e apresentou, na dissertação de mestrado (2005), metodologia para divisão dos grandes municípios em bairros, para os quais reivindica a condição de instância territorial oficial
De onde surgiu a ideia de editar um livro sobre divisões de Estados?
Eu venho me dedicando às questões territoriais faz algum tempo. Na dissertação de mestrado, em 2005, foquei a escala local, apostando na ideia dos bairros como instância territorial oficial. Dois anos depois, apresentei um texto sobre a divisão macrorregional do país, propondo uma discussão nacional para atualizar o atual arranjo, que, além de ter sido instituído em 1969, descaracterizou-se com a criação de Tocantins, em 1988, e sua inserção na Região Norte.
O Pará pode ser dividido em três partes. Você acha que essa divisão pode ser benéfica para as áreas mais afastadas da atual capital, Belém?
Sim, pode ser benéfica para as três partes resultantes. O que “pega” no caso do Pará, além da grande extensão do Estado, é sua organização espacial, que define três nódulos regionais em posições bastante destacadas: Belém, no extremo nordeste; Santarém, a oeste; e Marabá, a Sudeste. A porção central do Estado, onde idealmente se localizam as capitais, é uma interface regional. Com a divisão, oficializa-se o que a geografia demonstra.
Em um passado recente houve duas divisões de estados brasileiros: Mato Grosso, em 1977, foi dividido em dois com a criação do Mato Grosso do Sul; Goiás, em 1989, transformou-se em dois com a criação do Estado do Tocantins. Essas divisões foram benéficas para todos estados envolvidos? Houve alguma consulta popular como irá ocorrer no caso paraense?
Não tenho elementos para afirmar que a divisão de Mato Grosso e de Goiás foram benéficas. Mas as evidências apontam para o sim. Conheço razoavelmente Campo Grande, e, pelo que se observa ali, seria impensável o território sulmatogrossense tributário da distante Cuiabá. Em nenhum dos dois casos houve consulta popular.
Para a implantação de um novo estado é necessário que este estabeleça a suas instituições, como Assembleia Legislativa, secretarias diversas, e muitas instalações públicas. O gasto deste estabelecimento é compensatório em longo prazo? Estes novos estados são capazes de “andar com as suas próprias pernas”?
Esta é, por sinal, uma das questões abordadas no livro. De um modo geral, essas implementações são vistas como despesas, enquanto muitas pessoas preferem considerá-las como investimento. Há que se ponderar cada caso, e por isso insisto na questão dos parâmetros técnicos. Se adotarmos um padrão territorial, aos moldes do proposto, essa questão estará embutida.
Há outros projetos de divisão de Estados brasileiros em trâmite na Câmara dos Deputados ou no Senado? Quais são?
No levantamento feito, seriam 30, inclusive Carajás e Tapajós. Mas é difícil saber exatamente, porque muitos são apresentados em duplicata, outros se superpõem territorialmente, e mesmo rejeitados, quase todos são reapresentados na legislatura seguinte. Carajás e Tapajós, que vão a plebiscito este ano, eram proposições arquivadas em 2008, como se vê na pesquisa de Rogério Boueri (IPEA).
Estados com grandes extensões territoriais ou mesmo com grande população são mais passíveis de divisão. Há, por parte do senhor, alguma sugestão de divisão do Estado de São Paulo, por exemplo? Como ela se daria?
Sim. A aplicação do padrão territorial proposto sugere a divisão do Estado de São Paulo. Tramitam (ou tramitaram recentemente) no Congresso dois projetos de fragmentação do território paulista, um separando aproximadamente a região Mogiana, e outro a região de Sorocaba mais o Vale do Ribeira. Parece mais coerente, geograficamente, contemplar a grande divisão que se observa no Estado, inclusive identitária, separando São Paulo propriamente e o Interior. A proposta vai nessa linha.
Em relação a estados muito pequenos e com poucos recursos, seria interessante a anexação deles a outro estado?
Sim, esse ponto eu procuro destacar, lembrando a proposta de André Martin, um dos grandes geógrafos da atualidade. Ele apresentou, em 1993, a ideia de fundir estados, na contramão da maioria das propostas. O debate sobre a divisão territorial do país não pode deixar de considerar essa possibilidade.
Para finalizar, poderão ocorrer em médio ou longo prazo novas divisões estaduais no Brasil?
Considerando-se a ausência de parâmetros ou critérios técnicos no texto constitucional, que permitiriam manter o desejável equilíbrio federativo, tudo parece possível, porque a questão acaba se resumindo apenas à instância política.